sábado, 17 de maio de 2014

A caminho do Brasil: Azzurra, mas não é burra


A Itália é a segunda selecção mais bem sucedida em termos de títulos mundiais de futebol, logo atrás do Brasil. Foram quatro as vezes que a "squadra azzurra", ou a "equipa azul", cor adoptada pela realeza da casa de Savoia, levantaram a taça do mundo: 1934, 1938, 1982 e 2006. Foram longos os jejums, muitas as desilusões, e muitas a histórias para contar, umas felizes, outras menos, e ainda outras trágicas. Esta é a viagem que vos proponho pelas 17 participações da Itália nos mundiais da FIFA.


A primeira equipa europeia a sagrar-se campeã mundial: a Itália de 1934.

Uma das primeiras grandes potências do futebol, os italianos chamam a si autoria de uma das primeiras formas de futebol como o conhecemos hoje em dia, o "calcio fiorentino", um entretenimento reservado à aristocracia de Florença no século XVI. Medalha de bronze no torneio olímpico de 1928 em Amesterdão, recusaram o convite endereçado pela FIFA para participar no primeiro campeonato do mundo, a ser disputado no Uruguai em 1930, alegando motivos de logística. Contudo organizariam o mundial seguinte, e conquistariam aí o seu primeiro título. Numa competição e eliminar com a participação de 16 países, trucidaram os Estados Unidos na primeira ronda por 7-1, derrotaram a Espanha por 1-0 no "replay" do jogo dos quartos, que acabou empatado a uma bola, e nas meias-finais venceram a Áustria, também por 1-0. Na final disputada no Estadio Nazionale PNF (Partito Nazionale Fascista) levaram a melhor sobre a Checoslováquia por 2-1, após prolongamento. Mussolini, "il duce", orgulhava-se dos seus rapazes, que honraram os seus antepassados romanos como deve ser. O estádio PNF seria demolido em 1953, dando lugar ao estádio Flaminio. Mussolini, esse, seria "demolido" alguns anos antes.


O "tal" Giuseppe Meazza, obreiro-mor dos dois primeiros títulos da "azzurra".

E foi em 1938 com a Europa à beira da guerra que a Itália foi defender o título mundial a França, e com sucesso. O início foi meio tremido, com uma vitória por 2-1 sobre a Noruega, mas apenas após prolongamento, mas tudo começaria a correr sobre rodas a partir dos quartos-de-final, onde bateram a França, equipa da casa, por claros 3-1. Seguiu-se o Brasil nas meias-finais, com mais uma vitória por 2-1, e a Hungria na final, no Estádio Olímpico de Colombes, com 4-2 para os italianos, que assim festejariam o "bi". Um dos homens por detrás dos sucessos de 34 e 38 foi Giuseppe Meazza, um milanês que representou o Inter praticamente durante toda a sua carreira, passando depois pelo AC Milan já durante os anos da II Guerra Mundial. Os "neroazzurri" baptizaram o seu estádio com o nome de Meazza, enquanto os seus rivais "rossoneri" preferem chamar ao mesmo recinto San Siro. Meazza era um avançado-centro por norma, mas terá sido um dos pioneiros daquilo que hoje se conhece como "nº 10", o municiador do segundo avançado. Foi com Angelo Schiavio que se entendeu em 34, e com Silvio Piola em 38, e ainda marcou golos decisivos, contra a Espanha no primeiro mundial, e contra o Brasil nas meias-finais em 38.


A malograda equipa do Torino, desaparecida num acidente aéreo em 1949.

Veio a guerra, Mussolini foi pendurado de pernas para o ar, e regressou a normalidade à Itália, à Europa, e ao mundial de futebol. Contudo os "azzurri" encontrariam uma contrariedade trágica: em 4 de Maio de 1949 dá-se um acidente aéreo que mata 18 jogadores do "Il Grande Torino", a mítica equipa do Torino que havia vencido os quatro últimos campeonatos da série A, e onde se encontravam 10 internacionais da selecção italiana, entre eles Eusebio Castigliano e Valentino Mazzola, duas das maiores esperanças para reconquistar o título mundial no ano seguinte no Brasil. Com uma equipa renovada que fez a viagem para a América do Sul de barco, temendo outra catástrofe aérea, a Itália não passou da fase de grupos, perdendo para a Suécia por 3-2 na primeira partida, de nada valendo a vitória por 2-0 contra o Paraguai. Em 1954 mais uma desilusão no mundial da Suíça, com o afastamento na fase de grupos frente à equipa da casa por 4-1, num jogo do "play-off". Em 1958 os italianos não se qualificariam sequer para o mundial, o que aconteceria pela primeira e até agora única vez.


Nos anos 60 as equipas italianas davam cartas no futebol europeu, nomeadamente o AC Milão em 1963, e o Inter em 64 e 65, mas este domínio não parecia transmitir-se ao nível das selecç0§es. No mundial de 62 no Chile a Itália estrea-se com um empate a zero contra a Alemanha Ocidental, mas compromete após perder no segundo jogo por 2-0 com a equipa da casa. O terceiro jogo resultou numa vitória clara por 3-0 frente à Suíça, mas seriam os alemães e os chilenos a seguir para os quartos-de-final. Em 1966, na Inglaterra, deu-se a maior humilhação de sempre da Itália em mundiais. Com uma equipa considerada candidata à vitória final, os italianos começavam por "vingar-se" dos chilenos, vencendo por 2-0 na sua primeira partida do Grupo 4, e nem a derrota por 1-0 na partida seguinte frente à poderosa União Soviética desanimava os transalpinos, que apenas precisariam de empatar com a modesta Coreia do Norte para seguir em frente. Contudo nesse dia 19 de Julho de 1966 fez-se história no Ayresome Park em Middlesbrough, com a primeira vitória de uma equipa asiática em fases finais de mundiais, quando os norte-coreanos supreenderam com um golo de Pak Doo-Ik aos 42 minutos. O David batia o Golias, e este último apanhava o avião para Roma de cabeça baixa - nem foi preciso temer outro desastre aéreo, pois o verdadeiro desastre já tinha acontecido.


Em 1970 a Itália apresenta-se no México com uma nova postura, e uma nova geração de estrelas como Roberto Boninsegna, Gianni Rivera, Luigi Riva ou Sandro Mazzola. Uma selecção onde mais uma vez se notava a presença de uma maioria de jogadores das equipas de Milão, mas onde estavam também seis jogadores do Cagliari, que nesse ano tinha conquistado o seu único "scudetto". Colocados no Grupo 2, que viria a ser o mais duro e mais defensivo, e onde só se marcaram seis golos em seis jogos, os italianos venceram a Suécia por 1-0, com um golo de Angelo Domenghini aos 10 minutos, que foi o que bastou para vencer o grupo, depois de empates a zero frente ao Uruguai e a Israel. Mas aparentemente a "azzurra" estava a guardar o melhor para a hora da verdade, pois nos quartos-de-final Riva e Rivera arrasaram a equipa da casa, o México, vencendo por 4-1 e assumindo a candidatura ao "tri". Mas o melhor ainda estava para vir, com as meias-finais a colocarem frente a frente os transalpinos e a Alemanha Ocidental, onde pontificavam Franz Beckenbauer, Gerd Müller, Uwe Seeler e Berti Vogts, entre outros, todos desejosos de chamar a si o título perdido quatro anos antes na final contra a Inglaterra. Boninsegna marcou aos oito minutos, e a Itália entrou na habitual contenção própria do seu "catanaccio". Tudo mudou de figura quando Karl-Heinz Schnellinger marcava o golo do empate já em cima dos 90, mandando a partida para um prolongamento muito louco, que valeu ao desafio o epíteto de "Jogo de Século" - "Partita del Secolo" em italiano; "Jahrhundertspiel" em alemão. Müller colocava os alemães em vantagem aos 94, Tarcisio Burgnich voltava a empatar aos 98, e aos 104 Riva consomava uma nova reviravolta. No segundo período de quinze minutos, Müller fazia o 3-3 aos 110 minutos, mas no minuto seguinte Rivera encontra forças para fazer o 4-3 final. Sangue na arena do Estádio Azteca, e seria uma Itália muito desgastada que viria a perder na final contra o Brasil de Pelé por 4-1. Mesmo assim os "azzurri" foram aplaudidos pelos seus "tiffosi" por esta prestação, a melhor desde 1938.

Em 1974, na Alemanha, a Itália não conseguia confirmar o retorno ao topo do futebol, ficando afastada logo na fase de grupos, após um empate a um golo com a Argentina e uma derrota por 1-2 com a Polónia. Em 1978 os "azzurri", treinados por Enzo Bearzot, iam para a Argentina com ambições renovadas, e uma equipa onde brilhavam os jogadores da Juventus, que entretanto tinha chamado a si a hegemonia do futebol italiano. Eram os casos de Antonio Cabrini, Marco Tardelli, Claudio Gentile, Gaetano Scirea ou Roberto Bettega, sem nunca esquecer, é claro, o mítico guardião Dino Zoff. A estes juntavam-se Paolo Conti, do Roma, e um jovem avançado de 21 anos que dava pelo nome de Paolo Rossi, que tinha sido o melhor marcador da Serie A pelo modesto Vicenza, com 24 golos. Na primeira fase de grupos ficou demonstrado todo o poderio dos italianos, com vitórias por 2-1 sobre a França, 3-1 sobre a Hungria, e 1-0 sobre a equipa da casa, a Argentina. Na segunda ronda deu-se um empate sem golos contra a Alemanha Ocidental, vitória sobre a Áustria com um único golo apontado por Rossi, mas seria contra a Holanda que os "azzurri" viriam a esbarrar, perdendo por 1-2 e contentando-se com o 4º lugar, depois de perderem pelo mesmo resultado com o Brasil no jogo de consolação. Estavam lançadas as sementes para o tão aguardado "tri", que chegaria quatro anos depois.


Para o mundial de 1982, em Espanha, Bearzot contava com a mesma equipa que tão boa conta tinha dado de si na Argentina, e com algumas novidades, casos do avançado do AC Milan Alessandro Altobelli, o defesa, também do Milan, Franco Baresi, e um jovem defesa bastante prometedor acabado de sair das escolas do Inter, Giuseppe Bergomi. A Itália de Rossi e companhia era uma das favoritas, juntamente com o Brasil de Zico, a Alemanha de Rummenigge, a França de Platini, e a campeão do mundo em título, a Argentina, onde despontava um jovem Diego Maradona, já considero por muitos um nome a ter em conta. As coisas nem começariam assim tão bem para os italianos, com três empates na primeira fase de grupos: 0-0 frente à Polónia e 1-1 frente ao Perú e Camarões, qualificando-se à frente dos africanos apenas pela diferença de golos marcados. Na segunda fase a "azzurra" puxou dos galões e transformou-se por completo, levando tudo e todos pela frente, parando apenas em Madrid, já com o "caneco" na mão. Na segunda fase de grupos bateram a Argentina por 2-1, e depois do Brasil ter feito melhor, vencendo os rivais sul-americanos, por 3-1, era obrigatório vencer a "canarinha", e foi aí que Paolo Rossi "despertou", marcando os três golos da vitória por 3-2, naquela que foi uma verdadeira lição de "catenaccio". Embalados pela vitória, vencem a Polónia no Nou Camp por 2-0 nas meias-finais, com mais dois golos de Rossi, e o avançado da Juventus, que esteve para não ir ao mundial devido a uma suspensão relacionada com umn escândalo de apostas desportivas, marcaria o primeiro golo da final contra a Alemanha Ocidental, sagrando-se o melhor marcador do torneio com seis golos - todos marcados nos últimos três jogos. Tardelli e Altobelli faziam os restantes na final do Estádio Santiago Bernabéu, e Breitner reduziu para os alemães já perto final, deixando o resultado em 3-1 para a Itália, que se sagrava pela terceira vez campeã mundial, e a primeira em 44 anos.


Enzo Bearzot orientou a Itália em três fases finais de campeonatos do mundo.

Foi com uma equipa de transição que a Itália foi ao México defender o título mundial. Bearzot contava com um Rossi em final de carreira, assim como Tardelli, Conti, Altobelli e o capitão Scirea, todos na casa dos 30 anos e chamava alguns jogadores jovens, sem muita experiência internacional, casos de Di Napoli ou Gianluca Vialli, e apostava no médio Carlo Ancelotti, de 26 anos, na altura jogador do Roma. Na estreia deu-se o empate a uma bola com a Bulgária, e de seguida o mesmo resultado com a Argentina de Maradona, que marcou o golo dos sul-americanos. O apuramento só ficaria garantido no último jogo, frente à Coreia do Sul, mas por uns apertados 3-2, com dois golos de Altobelli e um auto-golo de um defesa coreano. Nos oitavos a desinspirada "azzurra" teve pela frente a França de Platini, e no Estadio Olímpico Universitario, na capital mexicana, perderia por 2-0, com o actual presidente da UEFA a marcar o golo inaugural. A Itália foi mais cedo para casa, não conseguindo repetir a longa estadia de 1970 por terras mexicanas, e Bearzot, que foi bastante criticado por apostar demasiado nos jogadores mais velhos, saía após três mundiais, 17 jogos, e um título mundial.


Em 1990 a Itália organiza o mundial de futebol pela segunda vez, sendo que a primeira vez havia sido em 1934, em pleno regime fascista de Mussolini. O título conquistado oito anos antes em Espanha e esta organização apagavam de uma vez por todas a ligação do sucesso do "calcio" com o infame "Il Duce". E o futebol italiano estava em alta; o AC Milão de Arrigo Sacchi era bi-campeão europeu, e nesse ano três equipas italianas haviam vencido as competições europeias, com a Sampdoria a levar a Taça das Taças, e a Juventus batia outra equipa italiana, a Fiorentina, na final da Taça UEFA. O treinador Azeglio Vicini contava com uma geração de jovens jogadores com provas dadas, como Paolo Maldini, filho do ex-internacional Cesare Maldini, os três "Robertos", Donadoni, Baggio e Mancini, Nicola Berti, Giuseppe Giannini, Ciro Ferrara e um tal "Toto" Schillaci, que seria alternativa a Vialli, Mancini e Baggio no ataque, mas acabaria por se tornar na grande revelação da prova. Com os experientes Ancelotti no meio-campo e Baresi na defesa, e Bergomi no seu terceiro mundial, apesar dos seus 26 anos, como capitão de equipa, os italianos sonhavam bem alto.


A Itália passou tranquilamente pela primeira fase, vencendo os três jogos do seu grupo, mesmo sem deslumbrar. Depois de 1-0 contra a Áustria, o mesmo resultado contra os Estados Unidos, com uma exibição murcha, que valeu um coro de assobios no Estadio Olimpico, em Roma, e no fim 2-0 contra Checoslováquia, onde se viram algumas melhoras. O tal Schillaci, que deveria supostamente ficar como reserva era o marcador de serviço, com dois golos. Nos oitavos voltaria a marcar na vitória por 2-0 sobre o duríssimo Uruguai, e marcaria o único tento na partida dos quartos frente à Rep. Irlanda, que seria arbitrada pelo português Carlos Valente. Nas meias-finais a "azzurra" tinha pela frente a Argentina de Maradona, que coincidentemente se tinha sagrado campeão da Serie A nesse ano pela segunda vez com o Nápoles - e o jogo realizava-se exactamente no Estádio de S. Paolo, em Nápoles. Schilacci marcou aos 17 minutos, e com Maradona debaixo de um coro de assobios cada vez que tocava na bola, a Itália parecia bem lançada para mais uma final. Só que aos 67 minutos o guardião Walter Zenga viria as suas redes serem violadas pela primeira vez em 517 minutos, um recorde, quando Claudio Caniggia fez o empate para os argentinos - o mesmo Caniggia tinha sido o autor do golo que mandou o Brasil para casa nos oitavos. Depois do prolongamento a Itália cairia no desempate pelos pontapés da marca de grande penalidade, e as defesas do guardião Sergio Goycochea aos remates de Donadoni e Aldo Serena afastariam a equipa da casa da final, contentando-se com o 3º lugar, após vitória 2-1 sobre a Inglaterra, com Schillaci a marcar o de penalty o golo da vitória, tornando-se o melhor marcador do torneio.


Roberto Baggio, "il codino", foi a estrela da Itália no mundial dos Estados Unidos.

Para o mundial de 1994 nos Estados Unidos, a Itália precisou de passar por uma fase de qualificação pela primeira vez desde 1982, e logo por azar cairia no grupo de Portugal, vencendo a selecção de Carlos Queirós no jogo decisivo em Milão por 1-0, apurando-se juntamente com a Suíça. Para terras norte-americanas o selecionador Arrigo Sacchi, o obreiro do AC Milão europeu, chamou um grupo desgastado por um sem número de jogos, e mais um ano de sucessos europeus; os "rossoneri" tinham vencido a Liga dos Campeões, o Parma seria finalista da Taça das Taças, perdendo para o Arsenal, e o Inter vencera a Taça UEFA. E o primeiro jogo não augurava nada de bom, pois a "azzurra", cotada como uma das favoritas, perdia em Nova Iorque com a Rep. Irlanda na abertura do Grupo E. Seguiu-se uma vitória por 1-0 contra a Noruega e um empate a um golo com o México, e o apuramento para os oitavos surgiu no limite, com a Itália a ser o quarto dos melhores terceiros classificados, a última equipa a ser repescada. E quando poucos acreditavam que as pernas aguentassem, eis que os italianos fazem um caminhada triunfante até à final: 2-1 contra a sensacional Nigéria, após prolongamento, 2-1 frente à Espanha, desta feita nos 90 minutos, e o mesmo resultado contra a Bulgária nas meias-finais. Em tudo isto algo em comum: Roberto Baggio. O "il codino", como era conhecido devido ao seu penteado com rabo-de-cavalo, marcou ambos os golos contra nigerianos e búlgaros, e o golo decisivo frente aos espanhóis. Na final contra o Brasil, no Rose Bowl, não deu para mais do que o nulo, e nas grandes penalidades os "canarinhos" foram mais felizes. Quinta final para a Itália, segunda derrota, e contra o mesmo adversário de 1970.


Em 1998 o mundial voltava a realizar-se em território europeu, desta feita na França, e caso se cumprisse a tradição, o vencedor seria uma selecção europeia - com a honrosa excepção do Brasil de 58, com Pelé e Garrincha a contrariarem qualquer regra. Neste cenário a Itália afigurava-se como uma forte candidata, apesar de mais uma vez ter complicado a qualificação, precisando de vencer a Rússia no "play-off". Nas escolhas de Cesare Maldini, pai do lateral-esquerdo do Milão que ia fazer a sua terceira fase final de um mundial, estava uma geração inteira de novo talento, desde o guardião Gianluigi Buffon, então apenas com vinte anos, os defesas Fabio Cannavaro e Alessandro Nesta, e na frente Christian Vieri, Filippo Inzaghi e Alessandro Del Piero - todos estes seis a cumprir o seu primeiro mundial - além da estrela de 1994, o inevitável Roberto Baggio. Inseridos no Grupo B com Chile, Camarões e Áustria, convinha terminar em 1º lugar, para evitar o Brasil na fase seguinte, já que poucos duvidavam que a "canarinha" deixasse escapar a vitória no Grupo A, e defrontasse o segundo do Grupo B. Depois de um empate inicial a duas bolas contra os difíceis chilenos, seguiu-se um confortável 3-0 frente aos africanos, e um 2-1 q.b. contra aos austríacos. Nos oitavos o adversário chamava-se Noruega, e um golo de Vieri aos 18 minutos foi suficiente para chegar ao grupo dos oito que iam decidir quem seria o novo campeão mundial. Por azar a "azzurra" apanhou nos quartos a melhor França desde Platini, e apesar de manter o equilíbrio e o nulo que levou tudo a ser decidido na lotaria dos "penalties", a sorte sorriu à equipa da casa, depois de Albertini (que já tinha falado na final de 94) e Dino Baggio falharem, enquanto do lado dos franceses apenas Lizarazu permitiu a defesa ao guardião Francesco Toldo. Os italianos iam novamente para casa de mãos a abanar, e Roberto Baggio anunciava a sua retirada da selecção, não antes sem marcar dois golos, que o tornaram no único jogador da "squadra azzurra" a marcar em três edições diferentes dos mundiais.


Quatro anos depois, para o primeiro mundial do século XXI e primeiro a ser realizado no continente asiático, a Federação Italiana apostou na experiência, chamando para o comando da equipa no torneio do Japão e da Coreia do Sul a "velha raposa", Giovanni Trapattoni. Este, decidido a conquistar um dos poucos troféus que lhe faltavam na sua longa carreira, apostou também em jogadores com créditos firmados, sendo o mais jovem dos convocados Gianluigi Buffon, com 24 anos. O capitão era Paolo Maldini, que aos 33 anos cumpria o seu quarto e último mundial. A Itália entrava na fase de grupos com o pé direito, após uma vitória 2-0 sobre o Equador, com bis de Vieri. No segundo jogo contra a Croácia, Vieri voltaria a colocar os italianos em vantagem, e quando já tudo pareciam favas contadas, os croatas viram o resultado em três minutos, vencem por 2-1, e deixam Trapattoni a fazer contas. Na cidade japonesa de Oita, e contra um México já apurado, os italianos estavam obrigados a vencer, mas viram-se em desvantagem desde os 33 minutos por culpa de um golo de Borgetti, e apenas a cinco minutos do fim Del Piero evitava a derrota. Os deuses da sorte estavam mesmo com a Itália nesse dia, pois contra todas as expectativas, a Croácia seria supreendida pelo já afastado Equador, perdendo por 1-0, e mandando os transalpinos para a fase seguinte, atrás do México. Tudo não parecia passar de um pequeno susto, pois os italianos eram favoritos para o jogo dos oitavos-de-final contra a anfitriã Coreia do Sul, a disputar-se em Daejon. O que não contavam era com um tal Byron Moreno, que não era um jogador coreano, mas sim um árbitro equatoriano, que protagonizou aquela que seria provavelmete a pior arbitragem da história dos mundiais, com evidente prejuízo para a Itália. Moreno negou um "golo dourado" a Damiano Tomasi no prolongamento, expulsou Totti por acumulação de amarelos por pretensa simulação, e para tornar as coisas ainda com um maior aspecto de conspiração, o mesmo juíz seria investigado no seu próporio país devido a um envolvimento num esquema de corrupção desportiva. Ahn Jung-Hwan marcou o "golo dourado" que havia sido negado à "azurra", e mandou os europeus para casa, num mundial que seria considerado muito incarecterístico. Devido ao atrevimento, o avançado coreano que alinhava no Perugia, da Serie A, precisou de meter os papéis para uma transferência, seguindo para o Shimizu S-Pulse, da J-League japonesa.


Marcelo Lippi, o 'alienatore encantatore'.

O Euro 2004 em Portugal, onde a Itália ficaria pela fase de grupos em deterimento da Suécia e da Dinamarca, deixando mais uma vez os "tiffosi" de costas voltadas para os seus "ragazzi". Para fazer esquecer mais um fiasco, foi chamado para o ataque ao mundial 2006 Marcelo Lippi, um "italiano vero", grisalho, charmoso, capaz de resolver qualquer situação servindo um "expresso" e um cálice de "amaretto" para serenar os ânimos. Para a "squadra" foi chamado um grupo de limões prestes a largar o seu último e mais delicioso sumo (prosa poética "for you baby"), que é como quem diz, jogadores com uma última oportunidade de brilhar num mundial. Foram os casos de Del Piero, Gattuso, Luca Toni, Nesta, Cannavaro, Andrea Pirlo, Inzaghi, Gianluca Zambrotta, enfim, nomes que já dariam para os adeptos da "azzurra" sonharem alto, e a juntar a isto a jovem irreverência de Alberto Gilardino, Daniele de Rossi ou Cristian Zaccardo, capitaneados pelo "neroazzurri" milanês Marco Materazzi, que assumiria mais tarde um protagonismo muito especial, e Lippi tinha omeletes para fazer ovos. Para mais o torneio final seria na Europa, mais exactamente na Alemanha, e esta era uma boa oportunidade para emendar os erros de oito anos atrás, na França.


Na fase de grupos o primeiro adversário foi o estreante Gana, e os africanos foram "baptizados" com dois golos, um de Pirlo e outro de Iaquinta. Seguiram-se os Estados Unidos, que nesse mundial estavam em "ano não", e haviam-se estreado com uma derrota por 0-3 frente à Rep. Checa, e o empate a um golo, com Zaccardo a marcar na baliza errada, foi o primeiro "susto". Nada que impedisse os italianos de seguir em frente e vencer o grupo, pois Materazzi e Inzaghi encarregavam-se de dar aos checos o mesmo tratamento que os ganeses receberam. Nos oitavos veio a Austrália, e os "cangurus" venderam cara a derrota, caíndo apenas nos descontos, com um "penalty" de Totti. Nos quartos foi a Ucrânia, estranhamente mais fácil, com Zambrotta e Luca Toni, este duas vezes, a escreverem a crónica de uma goleada por 3-0. Nas meias-finais, o teste de fogo: a Alemanha, equipa da casa, em Dortmund. Os teutónicos, quais pastores alemães, ladravam, rosnavam, mas não mordiam, e depois de muito os "moer", foi só dar o golpe final, aos 119 e 120 minutos, os últimos do prolongamento. E não foi apenas uma vez, mas duas, primeiro pelo lateral-esquerdo Fabio Grosso, e a seguir por Del Piero - esta Itália estava mais "cínica" que nunca. E na final, a França, e a oportunidade de vingar 1998. Em jogo jogado, apenas um golo para cada lado, e bem cedo, com Zidane a marcar de "penalty" para os gauleses, e Materazzi a empatar aos 19. Os dois jogadores protagonizariam um episódio que viria a entrar para a história dos mundiais pelas piores razões, e de que falarei quando chegar a vez da França. O jogo foi outra vez a "penalties", como tinha acontecido em 94, e desta vez os transalpinos levavam a melhor, convertendo todos os pontapés, enquanto Trezeguet falhava para os franceses. Lippi levava assim a Itália ao "tetra", e terminava o seu contrato com a Federação três dias depois. Va bene.


Para o lugar de Lippi vinha Roberto Donadoni, uma antiga glória do super-Milão do início dos anos 90, mas um Euro 2008 decepcionante, onde a Itália viria a cair nos quartos-de-final frente à Espanha nas grandes penalidades, Lippi era novamente chamado para o objectivo 2010, do primeiro mundial em África. A aposta recaiu num misto de experiência e juventude, e ao lado de nomes como Cannavaro (36 anos), Zambrotta (33), Gattuso (32) ou Pirlo (31), surgiam outros como Federico Marchetti, Salvatore Bocchetti, Leonardo Bonucci, Riccardo Montolivo ou Claudio Marchisio - e não, não estou a dizer nomes à toa ou a ler a ementa de uma pizzaria, mas de facto estes são nomes que não dizem muito aos adeptos dos mundiais de futebol. E de facto a combinação não resultou, e a Itália ficava pela fase de grupos, com dois empates em uma derrota. Se o 1-1 frente ao Paraguai ainda de desculpava, o mesmo resultado contra a Nova Zelândia não estaria nos planos nem dos "tiffosi" mais pessimistas. E foi preciso um penalty de Iaquinta à passagem da meia-hora para empatar, após Shane Smeltz dar vantagem aos "kiwis" logo aos sete minutos. A nação em forma de bota ficava incrédula com tamanha displicência, mas bastaria vencer a humilde e estreante Eslováquia para que tudo ficasse desculpado, mas mais uma exibição de pesadelo e uma derrota por 3-2 deitavam tudo a perder, e a Itália fazia a segunda pior defesa de um título mundial, depois da França em 2002. Resta agora a Cesare Prandelli e os seus "bambini" melhorar no Brasil a última imagem deixada pelo azul vivo da casa de Savóia.

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