O britânico Niall Ferguson, nascido em Glasgow há 45 anos, é professor de História, em Harvard, e de Gestão de Empresas na Harvard Business School. Em sua opinião, o mundo está a entrar numa "era de agitação" causada por um novo "eixo de instabilidade" de países que se confrontam com o colapso político. Entre aqueles que ele considera mais vulneráveis estão o Afeganistão, a Bulgária, o Congo, o Egipto, a Indonésia, o Irão, o Iraque, a Letónia, o México, o Paquistão, a Roménia, a Rússia, a Somália, o Sudão, a Tailândia, a Turquia, a Ucrânia e o Zimbabwe. E diz que muitos outros se poderão juntar a esta lista.
Estaremos muito perto do seu cenário de colapso? Estamos perto do completo desastre da década de 1930, que conduziu à guerra mundial. Mas temos uma grande vantagem em relação a essa época: os governos democráticos que parecem ter uma estratégia para lidar com a situação. As políticas keynesianas e políticas monetárias, extraordinariamente flexíveis, podem não funcionar, mas os políticos não estão tão paralisados como os seus homólogos do século passado. Outra vantagem é que, desta vez, não há tantas ideologias antidemocráticas. Tanto o fascismo como o comunismo estão desacreditados, o islamismo radical é a única ideologia existente e só atrai uma audiência geograficamente limitada. Mas o potencial da instabilidade política gerada pelo desastre económico é enorme.
Onde é que o perigo é maior? Comecemos pela Europa do Leste. A dimensão da crise é enorme: desemprego crescente, exportações em colapso, níveis de vida em rápido declínio. A Letónia e a Ucrânia estão em pior forma, a Roménia e a Bulgária não estão muito melhor. A Ucrânia é a mais preocupante.
Porquê? A Ucrânia está dividida entre o Leste e o Ocidente, entre ucranianos que se inclinam para a Europa e russos que se inclinam para a Rússia, e a sua economia está descontrolada. A hipótese de desastre depende da actuação de Moscovo. A Rússia tem interesse em desestabilizar a transição da Ucrânia para um futuro político pró-ocidental, para já não falar no interesse estratégico da Crimeia. É de esperar que [o primeiro-ministro russo] Putin crie problemas. Talvez não como na Geórgia - não irá enviar os tanques para lá.
O contágio político propaga-se? Como é que a instabilidade política da Ucrânia pode desestabilizar a União Europeia ou os Estados Unidos? O contágio no domínio financeiro é muito provável. Será o contágio político igualmente provável? Não é tão certo. A Ucrânia tem uma situação bastante peculiar com o desacerto de poder entre o Presidente Yushchenko e a primeira-ministra Tymoshenko. Não há nada que se compare na Rússia, nenhum centro de poder em competição, mas Putin pode aproveitar a situação para fortalecer a sua posição. Também o exemplo dos motins na Grécia pode espalhar-se para a Bulgária e a Roménia, e enfraquecer os seus governos. A quase independência do Kosovo é um espinho cravado no flanco da Sérvia e da Rússia e os problemas económicos podem ter consequências políticas.
Diz que o risco da crise económica poder desencadear um colapso político é maior quando uma potência militar imperial se retira. Como é que esse cenário se aplica à Turquia ou à Indonésia, onde não há uma presença imperial há muito tempo? Não é necessário tomar à letra o termo império, podemos usar a expressão potência hegemónica ou superpotência. É na periferia das grandes potências que é mais provável haver perturbação, quando são abaladas e afligidas por uma crise económica interna. Portanto, voltando à Europa de Leste, aí o poder hegemónico foi a Rússia e a queda desse império provocou uma crise no Cáucaso e na Ásia Central na década de 1980 que ainda não terminou. Pode ser ainda avivada pelo facto de Putin ter tornado claro que adoraria restaurar o império russo no "estrangeiro próximo" (antigos territórios soviéticos). O Extremo Oriente é também uma periferia imperial. A ambição da China em se afirmar é evidente. Os perigos relacionados com Taiwan continuam, embora mais discretos nos últimos anos. De momento, o regime chinês parece muito empenhado em manter boas relações com os Estados Unidos, mas não devemos subestimar a capacidade das relações para se deteriorarem entre alguma combinação da China, Japão, Coreia, Taiwan, Vietname.
Pequim poderá utilizar um chauvinismo antiestrangeiro para desviar as atenções dos problemas económicos internos? Exactamente. O nacionalismo tornou-se a ideologia do comunismo chinês e, na China, existe agora um nacionalismo exacerbado.
Portanto, se a economia se deteriorar e mais umas dezenas de milhões de chineses perderem o emprego, o regime poderá iniciar um conflito com Taiwan para desviar as atenções? Não me surpreenderia. A crise económica agravará os problemas existentes e criará novos problemas de que nem suspeitávamos.
Não haverá situações em que o colapso seria bom? Se o actual caos económico no Irão levasse ao fim do regime dos ayatollahs? Seria uma maravilha se Ahmadinejad desaparecesse e tivéssemos um novo governo que fosse pró-ocidental. Mas trata-se apenas de um cenário. Ahmadinejad poderá reforçar o apoio ao Hamas e ao Hezbollah, arranjar problemas no Iraque para desviar as atenções dos problemas económicos caseiros. Há provas indesmentíveis de que os iranianos estão cada vez mais próximos de desenvolver a sua capacidade nuclear. Mas Israel não o permitirá, portanto estamos em contagem decrescente para uma guerra entre Israel e o Irão. O que fará a Administração? O que me preocupa é que toda esta agitação está em formação e que os sinais dados por Washington DC são demasiado conciliatórios, tal como em relação aos russos, ao dizer-lhes que abandonaremos o sistema de defesa antimísseis em troca da cooperação russa em relação ao Irão. Ou ao Médio Oriente: se os Estados Unidos não tiverem cuidado, perderemos o controlo das principais forças ali presentes.
Que forças controlam os EUA neste momento? Se acabarmos por assistir ao ataque de Israel contra o Irão, será por falta de acção americana e os EUA poderão perder a sua autoridade e poder sobre Israel. Também temos influência sobre outras forças regionais como a Arábia Saudita e o Egipto, que sempre confiaram no papel medianeiro de Washington na região. Poderão concluir que já não podem confiar em nós.
Estes regimes não estariam a actuar motivados pela fraqueza? É quando os países se sentem fracos que em geral fazem as suas maiores apostas.
Qual é o seu maior medo? É extremamente importante para os Estados Unidos e a Europa reconhecerem os perigos. São muito maiores do que em 2001. Temos de nos certificar que não caímos na divisão que caracterizou a década de 1930. Temos de evitar o apaziguamento. Temos de evitar uma configuração por defeito da paz e da conciliação no estrangeiro pelo facto de os nossos problemas económicos serem tão graves internamente. Se não estivermos preparados para lidar com esses problemas, eles vão entrar-nos porta dentro e rebentar-nos na cara.
In Expresso, 25/4/2009