Oliver Stone realizou "W." e criou expectativas no cinéfilo médio que não foram cumpridas. O filme é bastante bom, do ponto de vista cinematográfico, e o enredo suficientemente bom para prender a atenção. Mas ao escolher não mandar o agora ex-presidente norte-americano "ao ar", Stone optou por deixar um registo que não faz justiça ao homem que ocupou o maior e mais importante cargo político do mundo. um bom filme,
ma non troppo. O maior destaque vai mesmo para as interpretações, de Josh Brolin no papel principal, de James Cromwell no papel de Bush pai e Richard Dreyfuss no papel de Dick Cheeney.
Lembro-me meses antes da vitória de George W. Bush nas controversas eleições de 2000 vários comediantes e humoristas terem dado uma ideia do que iam ser os oito anos de governação de Bush; o homem errado no lugar errado, a figura de proa de uma auto-crítica e de um sentido de ridículo que é uma das maiores qualidades dos americanos. Temo-los (aos americanos) como um povo frio, ambicioso, facínora, que pensa que pode (ou podia) comprar tudo e todos com os seus dólares, e a imagem de imperialismo e hipocrisia que os seus governantes faz passar ajuda e muito para que exista esse preconceito. Mas os Estados Unidos são também o expoente máximo e absoluto da justiça, da igualdade de direitos, e mais importante que tudo isso, a liberdade de expressão. Podemos encontrar dois ou três exemplos, ou mesmo dez ou vinte, em que isso não é verdade, mas podemos encontrar muitos mais que ilustram o ponto atrás referido.
Em "W." Oliver Stone completa a trilogia de filmes sobre presidentes americanos que entraram para a História. Depois de "JFK" e "Nixon", ambos brilhantes na sua essência, a questão é simples: o que faz de George W. Bush um presidente mais interessante que Reagan ou Clinton, ao ponto de merecer honras de imortalidade no grande ecrã. A história de "W." e do seu personagem principal podia ser a história de outro homem qualquer. Um simplório cuja riqueza e sucesso se devem essencialmente ao poder e influência da sua família (o seu pai George Sr. foi também presidente, e o seu avô Prescott senador). Sentimos que no lugar de W., com o mesmo dinheiro e poder, rodeados dos mesmos conselheiros e círculos de influência, eu e o leitor teriamos feito um trabalho melhor, ou menos desastroso.
No início do filme assistimos à iniciação do jovem Bush em Yale, onde bebe litros de cerveja e caga a roupa toda. Inquirido por um colega se queria seguir as pisadas do pai, na altura um congressista, Bush pergunta "e porque havia eu de fazer isso?". A vida inteira de W., que queria apenas ser jogador de basebol, foi isso mesmo. Fazia lembrar um miúdo a quem o pai fazia comer a sopa toda para um dia "ser alguém", enquanto batia com o pé e vociferava que não gostava da sopa, e não queria ser ninguém. Como que num acto de redenção divina, W. conhece a sua futura mulher Laura Welch, torna-se um "Born Again" (seita cristã protestante) e deixa o alcool.
O filme foca a relação de W. com o pai, que tinha muito pouca paciência com ele e os seus disparates. Depois a obsessão com o Iraque, Saddam Hussein e as armas de destruição maciça. Na primeira guerra do Golfo Bush pai pensou "resolver em 100 horas" mas não invadir o Iraque e destronar Saddam. Depois da derrota para Clinton em 92, W. convenceu-se que essa fora a razão pela qual o pai não foi reeleito. Concorre e ganha a governação do Texas, e mais tarde a presidência dos Estados Unidos.
Dá-se o 11 de Setembro, e num
brainstorming interessante entre os seus mais directos colaboradores, indica o Iraque, o Irão e a Coreia do Norte como os "inimigos da liberdade", o famoso "eixo do mal". Segue-se a invasão ao Iraque, e Bush começa a preparar provas de que Saddam estaria a fabricar armas nucleares durante 2002, e prepara o exército para a invasão do Iraque. Para tal conta com o apoio de todos menos de Colin Powell (Jeffrey Wright), que o tenta convencer a não atacar. Mais tarde Powell cede à pressão e acaba mesmo nas Nações Unidas a explicar as razões da invasão do Iraque.
A invasão foi no início um sucesso, com a queda do regime de Saddam e a libertação do povo iraquiano. Mais tarde tem um ataque de fúria ao descobrir que não foram nem serão encontradas as armas de destruição maciça, e o eleitorado que o reelegeu em 2004 começa a voltar-se contra ele. Mais tarde W. tem um pesadelo em que vê o pai, furioso, a acusá-lo de manchar o nome da família, e que deveria ter sido o seu irmão Jeb (governador da Florida) o próximo Bush na presidência. O filme termina com Bush a dar uma conferência de imprensa onde lhe perguntam qual acha que vai ser o seu lugar na História, ao que responde, semi-humoristicamente, "na História estarei morto!". Quando lhe perguntam quais foram os seus maiores erros depois do 11 de Setembro, não responde, balbucia, gagueja e vai embora. E foi mesmo embora, para o alívio de um mundo que agora desperta dele.