sábado, 17 de janeiro de 2009

O rei de espadas


Uma das notícias da semana prende-se com a possibilidade (mais que certa) de Taiwan vir a legalizar o jogo no arquipélago de Penghu, perto da China continental. Cada vez que em Macau ouvimos notícias sobre o jogo na Coreia, na Tailândia, em Singapura ou até em Hong Kong tremem-se-nos os joelhos, como se tivessemos algo a temer.

E até temos. A forma como a economia de Macau depende do jogo é assustadora. Nos últimos anos a indústria têxtil, que tinha um peso e uma tradição significativa, foi pelos ares com as correrias casineiras, especialmente depois da chegada dos americanos. O governo fez um bom trabalho em "chamar" as concessionárias das terras do tio Sam, mas largou todo o resto. O elefante branco mais conhecido por parque industrial da Concórdia foi um bom exemplo disso.

Todos os residentes passaram a poder ter parte do milagre do jogo, seja a dar cartas ou a limpar latrinas, com a organização de eventos metida pelo meio. Quem alimenta esta extraordinária indústria é o que ainda estou para saber. Ainda não conheci (nem me interessa conhecer) ninguém que tenha vindo torrar dez ou vinte milhões numa mesa dos casinos e ido para casa a rir, a pensar na próxima vez. São as tais salas VIP, que geram mais de 60% das receitas totais do jogo. As implicações de ter uma economia dependente do jogo são muitas.

O jogo, já diziam os antigos, "avilta as saúde mental do homem". É uma espécie de esgoto a céu aberto poluindo um rio de águas outroras cristalinas. Que efeitos teria o jogo na cidade-estado de Singapura, por exemplo, onde o mero acto de cuspir na rua é severamente proibido? E o que seria da Tailândia, onde a situação política é instável, ou na Coreia, um local frio e desinteressante, onde a população se orgulha dos seus conglomerados (chaebol), com que conseguiram competir com o Japão nas áreas da indústria e da tecnologia?

É tentador trazer o jogo para revitalizar a economia, mas olhando para o exemplo de Macau, quem quer trazer todos os 'males' que este acarreta? A prostituição, a agiotagem, a especulação imobiliária, e porque não dizê-lo, o transtorno de ter esses monstros de neon praticamente a cada esquina do centro da cidade, muitas vezes no longe do centro histórico. Depois o urbanismo, que em Macau é quase incompreensível.

Para quando uma solução para o Hotel Estoril, ou para o Hotel Central na Av. Almeida Ribeiro, outrora a menina dos olhos dos hotel/casinos? E qual foi a ideia de criar o parque do Tap Seac? E para quando uma zona de luz vermelha propriamente, que acabe com as pensões cheias de pulgas e ratos onde os trabalhadores da construção civil se misturam com outros residentes e os já costumeiros "backpackers"?

Em termos de qualidade de vida, é aconselhável, e até desejável que a economia dependa de outra coisa qualquer que não os casinos. E depois que satisfação leva um "croupier" ao fim do dia? Chega a casa e diz "olha querida, hoje fiz um monte de gente perder uma pipa de massa, foi um grande dia!" E o que vai na cabeça daquelas meninas que estão com um sorriso de plástico à saída das Portas do Cerco ostentando os cartazes do respectivo casino, procurando angariar os jogadores da China continental para entrar no autocarro da firma?

Se outros países e territórios invejam os lucros astronómicos do jogo em Macau, há quem inveje outros países pelo sucesso em outras áreas. Que o digam os cidadãos que sentem cada vez mais que os lucros da jogatina chegam apenas a bolso alheio. Das vantagens de tudo isto tira-se o "know-how", tão decisivo para este tipo de negócio. Que venham Taiwan, Singapura, Tailândia ou Coreia, ninguém tem tanta experiência a lidar com as loucas, loucas incidências dos casinos. E isto nem a China compreende, quando nos tenta dar conselhos, ou "empurrar" para uma Ilha da Montanha qualquer. Macau é mesmo único, e muitas décadas serão necessárias para destronar este verdadeiro e ilusivo rei de espadas.

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