Podia começar este artigo com a frase "o que dizer do recém-estreado filme de Cristiano Ronaldo", mas como não o vi e não faço intenções de ver - e por razões que vou elaborar de seguida, e que nada têm a ver com alguma antipatia da minha parte com o rapaz - não posso arriscar uma tentativa de "crítica cinematográfica". Até porque subsiste uma dúvida que pensei que o "trailer" que aqui deixo em cima ia resolver: isto é um filme? Ou um documentário. Não é um filme na acepção do termo, pois não tem actores, não se representa, e o guião não é escrito por nenhum guionista ou algo que se pareça - o todo do argumento é...Ronaldo a...ser Ronaldo, do princípio. Não se pode dizer que é um documentário, pois não aborda uma tema de uma perspectiva imparcial, e tirando o próprio Ronaldo e a sua "crew", ninguém está lá muito interessado em tornar o conjunto de registos audiovisuais que ali se vêem em filme. Se um dia destes o Cristiano Ronaldo ordenar a anexação da Polónia, aí pode ser que se venha inserir na categoria de "propaganda nazi", mas sendo esta possibilidade ainda mais remota do que surpreender o CR7 com a barba por fazer, enquanto bebe uma Super Bock pela garrafa e coça os tomates, isto será sempre "o filme do Ronaldo", ou "o Ronaldo", como na frase "já foste ver o Ronaldo?" - toda a gente sabe do que se trata. Este "filme" é equivalente a apontar a câmara a um mecânico de automóveis durante duas horas, enquanto este se mete debaixo dos carros, deixa revelar o risco do cu quando se dobra e as calças encolhem, diz "ai o c..." de cinco em cinco minutos, e deixa folgas na embraiagem para que os fregueses voltem a bater lá com o cachaço de quinze em quinze dias e pagar-lhe o salário, até finalmente se decidirem a mudar de carro, apesar daquele nunca ter tido realmente qualquer problema, a não ser o mesmo de todos os outros: uma dia vai parar à sucata. No fim faz-se a edição, junta-se música "techno", dá-se o título "Zé dos Faróis" e já está. A diferença reside sobretudo no mercado; enquanto este último é um desperdício de tempo e recursos e ao mesmo tempo um insulto à sétima arte, o "Ronaldo" é visto por milhões de espectadores, que compram o bilhete do seu bolso, ou levam o DVD da loja para ver em casa...e é um insulto à sétima arte. Ou não? Acontece que andei a ler ontem e hoje algumas "reviews" da estreia do filme em Londres, e em geral não foram nada abonatórias - que se lixe, que ele quem vai a sorrir a caminho do banco é CR7. E atenção que ele não faz planos de concorrer aos Oscares, e muito menos obriga alguém a ver, mas que los vay, vay. E quem é o público de CR7 no grande ecrã? Defendo a existência de dois grandes grupos: os invejosos, que vão ver "como vêem outro filme qualquer" - mentira, como se alguém fosse de propósito ao cinema sem saber o que vai ver; e há aqueles que ficariam a olhar para um fresco a óleo da imagem do CR7 durante horas, enquanto a tinta secava. Felizmente fora destes grupos está a quase totalidade da espécie humana, e com alguns com mais sorte que outros, ainda se usa o livre arbítrio para se escolher o que se quer ver. No entanto, se fazem planos de ir ver o filme, não recomendo que levem a namorada. Sabem porquê, e além disso a combinação entre a apreciação do "pacote" do Ronaldo com a possibilidade de comentários de índole técnica sobre o jogo, pode ser explosiva. Se por acaso quiserem um pretexto para terminar a relação e verem-se livres da tipa, eis uma boa oportunidade.
CR7 and ensemble
Oiço com frequência comentários no sentido de considerar Cristiano Ronaldo um "embaixador de Portugal" no exterior. Não podia concordar mais, até porque a sua marca - e ele é isso mesmo, uma marca - coloca os estrangeiros em sentido, e na Inglaterra passámos a ser mais conhecidos pelo "país de C. Ronaldo" do que "país de onde vêem aqueles sebosos que preparam o "fish & chips" no Tesco. As críticas que são feitas ao vencedor da Bola de Ouro e da Bota de Ouro três vezes cada são periféricas à sua condição de atleta, mas às vezes as linhas cruzam-se. Acusam-no de ser "vaidoso em demasia", mas não sei se sabem que ele é PAGO para usar aquela roupa, e há uma marca de óculos de sol que lhe paga também, e fica explicado o mistério de o vermos de óculos escuros e boné, mesmo quando está em casa. Outra crítica comum é a da "obsessão pela perfeição". Bem, é possível que o rapaz não consiga ter uma conversa articulada sobre as diferenças entre os estilos gótico e manuelino da arquitectura medieval em Portugal, mas pelo pouco que dá a saber da sua personalidade fora dos relvados, não parece ser um "cromo da bola", e se é mesmo só de bola que o rapaz percebe, aí está alguém que gosta do que faz, dedica-se e procura sempre progredir - futebol ou não, é de salutar. O que cada um pensa do Cristiano Ronaldo é lá com ele, e neste particular só me manifestei neste artigo e ainda neste outro, onde duas patetas invejosas atacam a mãe do jogador, que possivelmente ainda não terá em si com todo o protagonismo que não pediu, e que onde nota não estar propriamente como um peixe na água. Já Kátia Aveiro, por seu lado, entrou na onda, e à boleia do CR7 faz...tudo? Canta, passa moda, vai à televisão dizer disparates - e diz muitos a moça. Mas há piores (hello, Ana Malhoa!), e quem sou eu para censurá-la, se até consegue ter o seu próprio acto, mesmo que seja nitidamente à custa de ser irmã do Cristiano Ronaldo. Mas quem mais me deixa intrigado...
Cristiano Ronaldo e...irmão de Cristiano Ronaldo.
...é Hugo Aveiro. O nome pode não dizer nada a muita gente, mas Hugo é membro da direcção do União da Madeira, responsável pelo museu Cristiano Ronaldo no Funchal, e principalmente irmão de Cristiano Ronaldo - é assim que é mais conhecido; se procurarem "irmão de Cristiano Ronaldo" na net, têm mais resultados que com "Hugo Aveiro". Para quem não sabia que CR7 tem um irmão, poderá reagir a esta imagem com a questão "quem é aquele indivíduo ao lado de Cristiano Ronaldo?", e à resposta "é o irmão de Cristiano Ronaldo", raras vezes se segue "e como se chama?". Por um lado não se perde nada em ter um irmão com a notoriedade de CR7, mas por outro lado é capaz de se ficar um bocado despersonalizado. Mas podia ser pior, pois imaginem que Hugo Aveiro era também ele atleta profissional de futebol? E de facto aqui o consanguinidade é tramada. Façamos uma pequena resenha, em jeito de curiosidade.
O que Pelé e Jackie Chan têm em comum? Um filho desnaturado.
Para começar, o pior exemplo de hereditariedade no futebol. Pelé, o melhor jogador de todos os tempos, e o seu filho mais velho Edinho, um marginal. Pelé venceu três mundiais de futebol e marcou mais de mil golos numa memorável carreira de quase 20 anos, enquanto Edinho foi um guarda-redes sofrível no Santos, retirando-se aos 29 anos sem qualquer título de relevo, nunca chegando a representar a selecção do Brasil. Depois de se retirar dos relvados, Pelé tornou-se embaixador da FIFA, e é uma referência do futebol mundial, mesmo para quem nunca o viu jogar, e Edinho foi condenado por homicídio em 2004, e cinco anos depois a 33 anos de prisão pelo envolvimento numa rede de tráfico de estupefacientes. Aí está um caso em que as expectativas vão pelo ralo abaixo. Também era quase impossível para Edinho chegar aos calcanhares do pai, quanto mais fazê-lo esquecer. Mas outro caso há em que a cabeça do herdeiro andou sempre em cima dos ombros:
- "Deixa lá pai...ficas tu O Cruyff, que eu contento-me em ser UM Cruyff..."
Johann Jordi Cruyff, actualmente com 41 anos, teve uma carreira respeitável, ou pelo menos decente, como jogador de futebol. Iniciou-se no Ajax de Amesterdão, cidade onde nasceu, e aos 14 anos veio para o Barcelona, onde chegou a sénior e foi titular pela equipa principal, assinando depois pelo Manchester United de Alex Ferguson, onde ficaria mais quatro anos. Durante este período foi nove vezes internacional pela Holanda, fazendo parte do grupo que disputou o Euro 1996. Depois de deixar o United regressou a Espanha, tendo-se destacado no Deportivo Alavés, que ajudou a atingir a final da Taça UEFA em 2001, na primeira participação do clube basco nas competições europeias, saindo no entanto derrotado frente ao Liverpool. Na fase descendente da carreira alinhou pelo Espanyol, a outra equipa de Barcelona, os ucranianos do Metalurh Donetsk e finalmente nos malteses do La Valleta, onde terminaria a carreira aos 35 anos. Depois uma experiência como treinador no AEK do Chipre, onde ficou dois anos, é desde 2012 director desportivo do Maccabi Tel-Aviv, de Israel, tendo inclusivamente dado uma entrevista à televisão portuguesa, aquando do recente duplo-encontro entre o FC Porto e o Maccabi, a contar para a Champions League. Nada mau, senão se fizerem comparações com o pai de Jordi, Johann Cruyff, que foi simplesmente um dos melhores futebolistas de todos os tempos, percursor do "futebol total", e estrela do tri-campeão europeu Ajax, bem como da "laranja mecânica", nome pelo qual foi conhecida a selecção holandesa durante os anos 70. Como treinador teve também oportunidade de fazer história, ao conquistar em 1992 a primeira Champions League para o "seu" Barcelona ("Jordi" é um nome caracteristicamente catalão, e que escolheu para o seu filho). Jordi não terá pensado muito em igualar os feitos do pai, e se isso desiludiu alguém, não parece ter ficado muito perturbado com isso. Pelo menos tentou, ao contrário do filho de Pelé.
Águas passadas não movem Martim.
E entre nós, no sempre colorido e pitoresco futebol nacional, eis um exemplo do peso da hereditariedade em dobro: Martim Águas, em cima na imagem, ao meio. O seu avô foi José Águas, o artilheiro-mor do Benfica do período pós-Eusébio, e peça-chave da primeira vitória do Benfica na Taça dos Campeões Europeus, como ilustra a imagem à direita, onde segura o troféu, como capitão da equipa que contava com jogadores do calibre de José Augusto, Coluna, Costa Pereira e Cavém, entre outros. O filho de José Águas e pai de Martim é o actual seleccionador de Cabo Verde, Rui Águas, na imagem à esquerda, que mesmo sem ter igualado os feitos do primeiro, ainda conseguiu ser uma figura de renome no Benfica dos anos 80 e 90, tendo-se sagrado campeão nacional por 3 vezes com os encarnados, e mais uma pelo FC Porto, por onde passou durante duas temporadas. Martim, por seu lado, começou a dar os primeiros pontapés na bola no Benfica, como soia, ostentando o apelido que fez história na Luz, mas ainda júnior foi emprestado ao Real da Massamá, e já sénior representou o Casa Pia, tendo-se transferido já esta época para o Vitória de Sernache, do Campeonato de Portugal, nova designação do Campeonato Nacional de Seniores, terceiro escalão do futebol nacional. Médio ofensivo, podendo ainda jogar na posição de segundo avançado, Martim tem 22 anos, e apesar de estar longe de se considerar "acabado", será muito difícil deixar uma marca como fizeram o seu pai e avô. Resta saber como lidará o jovem com o facto de não ter conseguido prolongar a dinastia Águas. Pode ser que tenha jeito para outra coisa, nunca se sabe.
Filho de sardinha é ... salmão.
E nos exemplos dos filhos que tiveram mais sucesso com a bola nos pés do que os pais, podia referir novamente Pelé, cujo pai foi também avançado nos anos 40 e 50, ou ainda Frank Lampard Jr., nome que elevou a uma grandeza que o seu pai, o original Frank Lampard, não alcançou. Mas em Portugal temos o caso curiosos da família Moutinho, onde se pode dizer que a genética deixou o melhor para fim. João Moutinho, internacional português actualmente ao serviço do Monaco, aparece na imagem em cima ao lado do seu pai, Nélson Moutinho, que apesar de ter nascido em Oeiras e começado nas camadas jovens do Benfica, passou a maior parte da sua carreira em clubes das divisões secundárias, nomeadamente Barreirense, U. Leiria, e Olhanense, entre outros, apesar de se poder dizer que foi um prolífico avançado. O seu filho mais velho, também ele Nélson, formou-se nas camadas jovens do Portimonense, na cidade onde a família assentou arraiais, mas nunca deu o "salto", representando durante a carreira clubes da antiga III divisão, e ocasionalmente II "B". Actualmente, aos 35 anos, ainda joga no Silves, da distrital da AF Algarve. O segundo filho, David Moutinho, teve uma sorte muito semelhante, formando-se igualmente no Portimonense, e nunca chegando às divisões superiores, vindo inclusivamente a "pendurar as chuteiras" aos 28 anos. Quanto a João, o mais novo, é o que se sabe; um dos melhores médio-centro do mundo, foi do Portimonense para o Sporting aos 14 anos, ficando quase uma década de leão ao peito, até sair para o FC Porto, numa transferência que deixou leões e jogador de costas voltadas. No Dragão Moutinho foi finalmente campeão, juntando a isso a Liga Europa, conquistada em 2011, e no ano seguinte foi para França, numa transferência que valeu ao FC Porto 25 milhões de euros. Semelhante é a história de Bruno Alves, filho do ex-jogador brasileiro radicado em Portugal, Washington Alves, e irmão dos menos conhecidos Geraldo e Júlio, que mesmo assim tiveram relativamente mais sucesso que os irmãos de João Moutinho.
Nené e o filho que não é.
Hmmm...não, não vou falar deste caso, uma vez que o artigo é sobre filhos de jogadores que seguiram as pisadas dos pais e seus irmãos. O filho de Nené seguiu antes as pisadas da mãe - pelo menos na aquisição do género, entenda-se. Adiante.
E qual deles é o "malvado"?
Falando apenas de irmãos futebolistas, pode-se dizer o caso de João Moutinho é quase uma excepção, e só é superado pelo caso que vou apresentar a seguir, que se pode dizer que é quase trágico. Mas de irmãos gémeos, que não têm a desculpa da diferença tempo de gestação, não é só na aparência e no dia de nascimento que são idênticos. Os irmãos De Boer, Frank e Ronald, são um bom exemplo disso. Ambos foram simultaneamente jogadores do Ajax, Barcelona e selecção holandesa, se bem que Frank, defesa-central, teve mais anos com a camisola "blaugrana" ao peito, enquanto Ronaldo, médio-ala direito, foi mais cedo para os escoceses do Glasgow Rangers. De facto não se conhecem casos de irmãos gémeos em que um se tenha destacado muito mais que o outro. Mas entre os que não são gémeos...
Maradona disputa um lance com...Maradona?!
...temos um caso em que as diferenças são gritantes. Este é um momento único, durante um encontro da Serie A italiana na época de 1987/88, entre o Nápoles e o Ascoli, que terminaria com a vitória dos primeiros por 2-1. Na formação napolitana alinhava Diego Maradona, que todos reconhecem, com toda a certeza, mas o rapaz que está ao seu lado, disputando com ele a bola é...Hugo Maradona, irmão do "el pibe", e curiosamente chama-se "Hugo" - tal como o irmão de Cristiano Ronaldo. O irmão de Maradona, nove anos mais novo, tinha apenas 19 anos quando o Ascoli o foi buscar ao Argentinos Juniores, e não é difícil perceber porquê: era o irmão de Maradona, que na altura estava no auge da sua carreira em Itália. Contudo pode-se estabelecer um paralelo entre os ambos e os clubes que representavam, pois Hugo, sempre na sombra do irmão, passou também por Espanha, mas pelo Rayo Vallecano, e não pelo Barcelona, onde Diego se apresentou ao público europeu no início dos anos 80. Hugo Maradona viria a terminar a carreira aos 36 anos num clube paraguaio, depois de vários anos no Japão, onde foi um dos estrangeiros entre os pioneiros da J-League, criada em 1992. Maradona tem ainda um outro irmão, Lalo, que teve uma carreira ainda mais discreta, e o seu filho Diego Maradona Jr., actualmente com 29 anos, retirou-se em 2014, depois de uma curta carreira passada em clubes das divisões secundárias em Itália. Diego Maradona tornou o nome de família um estigma, sendo muito improvável que alguém com o mesmo apelido consiga chegar-lhe perto em termos de sucesso. Algo semelhante, mas num ou dois tons abaixo aconteceu em Portugal com o apelido Futre.
Cristiano Ronaldo com o pai de Cristiano Ronaldo e do irmão de Cristiano Ronaldo.
Mas Hugo Aveiro nunca foi jogador, pelo menos que se saiba, e assim talvez lhe custe menos (ou nada) aceitar a fama do irmão, que é apenas...o melhor do mundo - e como poderia ele competir com isso? Mesmo assim fica um pouco difícil de entender: como é que os mesmos ingredientes cozinhados na mesma panela dão pratos tão diferentes? Seja como for, Cristiano é um exemplo como filho, irmão e pai, sendo agora a sua responsabilidade cuidar que o pequeno Ronald (?) seja um homenzinho às direitas, e que se quiser enveredar pela carreira do pai, seja mais Jordi Cruyff e menos Edinho, o filho desnaturado de outro que, tal como ele é hoje, também foi o melhor do mundo. E cuidado, ó CR7, que o puto diz que "quer ser guarda-redes", o que é mau sinal. Trata lá então dos pequenotes, e obrigado por nos fazeres andar de cabeça erguida. Pelo menos no que diz respeito ao futebol, o que já é melhor que nada.
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