Ainda a propósito deste artigo da última quarta-feira, decidi "roubar" esta opinião do jornalista Francisco Teixeira da Mota, publicada na edição de ontem do jornal Público, que subscrevo na totalidade.
As imagens da actuação do militar da GNR, que se viu compelido a intervir na repartição das Finanças do Montijo para garantir a segurança dos cidadãos, reconfortam qualquer pessoa dotada de um mínimo de sensibilidade.
Em primeiro lugar, nesta altura em que os riscos de um ataque terrorista são particularmente elevados com a deslocação ao nosso país do chefe máximo da Igreja Católica, não pode deixar de ser um bálsamo para os nossos olhos e para as nossas psiques ver a forma como um agente de autoridade, não hesitando em colocar em risco a sua própria vida, atalhou de forma segura aquilo que, não podemos duvidar porque as imagens não mentem, iria descambar numa espiral de violência com consequências absolutamente imprevisíveis tanto a nível de vidas humanas como de estragos materiais.
É fácil, agora, afirmar que o cidadão brasileiro em causa não tinha consigo mais nenhuma arma perigosa para além do telemóvel, mas, na altura dos factos, no calor dos acontecimentos, no meio daquela multidão descontrolada que todos pudemos ver, em que, de um momento para o outro, poderíamos estar na presença de uma verdadeira chacina, foi necessário muito sangue-frio para actuar de uma forma tão branda, contida e eficaz.
Mas não foi só a nível da segurança que nos sentimos reconfortados ao sermos brindados com uma exibição, ao vivo, da manobra de estrangulamento chamada mata-leão, aplicada de forma exímia em condições particularmente difíceis. Reconfortou-nos a todos, estou certo, saber que esta manobra de estrangulamento visou, em primeira linha, proteger as funcionárias do serviço de Finanças de uma “atitude imprópria e ofensiva” do cidadão que, de telemóvel em punho, optara por enveredar pela senda do crime. Para o guarda da GNR, numa atitude de benevolência ou mesmo de compaixão, o cidadão em causa estará somente indiciado pela prática dos crimes de desobediência e coacção de funcionário. Pessoalmente, face à violência das imagens, estou convencido que não daria muito trabalho descobrir indícios da prática de outros crimes.
Acresce que, no meu caso, ignorava completamente a existência desta manobra mata-leão e, assim, fiquei mais culto, para além de ter apreciado, com natural deleite, a manobra em si. Mas o acréscimo cultural que este evento me trouxe, as benesses espirituais de que pude usufruir, não se esgotaram na mera apreciação estética da manobra em si.
Na verdade, com este workshop nos serviços de finanças do Montijo, tive direito a uma aula de direito de imagem que durante muito tempo perdurará na minha retina. E não foram necessárias grandes palavras ou explicações para qualquer pessoa passar a perceber o que é este direito: há uma coisa que se chama direito de imagem, explicou, de forma cordata, o guarda da GNR enquanto aplicava a referida manobra de estrangulamento. Ficou alguma dúvida quanto à existência desse direito? Quanto aos seus exactos contornos? Será necessário mais um aperto na objectiva?
Contudo, nas universidades de Direito do nosso país debate-se até à eternidade os contornos do direito à imagem, que é um direito relativamente recente, com alguma complexidade e com muitas zonas ainda em construção. Para quê? Pura perda de tempo. Basta frequentar um workshop no Montijo para não restarem quaisquer dúvidas sobre a importância deste direito.
Mas se a actuação deste guarda da GNR foi, indiscutivelmente, gratificante e reconfortante em termos de segurança e de cultura para todos nós, importa também realçar a sua delicadeza e civismo, a forma como face à atitude violenta, desordeira, agressiva, absolutamente primária do cidadão em causa, se lhe dirigiu de uma forma quase terna, procurando dar-lhe a mão: “Lindo menino, a partir deste momento estás detido.”
Procurei nos manuais de actuação policial de muitos países do mundo, inclusive em países de tradição budista como a Tailândia ou de grande tradição cívica como a Suíça, mas em nenhum encontrei uma forma de dar uma ordem de prisão tão afectiva e respeitadora do outro. Claro que haverá sempre os eternos insatisfeitos que irão descobrir nestes acontecimentos motivos para censurar a actuação do guarda da GNR, mas isso, claro, é gente que ainda não sabe o que é o direito de imagem.
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