quinta-feira, 3 de setembro de 2015

É o Herman José, porra!


Estava há bocado a ver o programa "Verão Total" da RTPi, transmitido em directo de Palmela, que contou com a apresentação daquela malta nova que desconheço quase na totalidade, e de Herman José, que dispensa quaisquer apresentações. No entanto observo que esta nova geração de gente da televisão parece desconhecer que está ali na presença de um monstro sagrado dos quase 60 anos de história da "caixa que mudou o mundo" em Portugal. Vejo o Herman ser tratado como um empecilho, como uma peça de bagagem, como "aquele cota" que devia estar num museu, ou ainda "o gajo que vem aí outra vez interromper o meu momento". Epá, oiçam de uma vez por todas: que se f... o vosso momento, ou o produto que estão a anunciar, ou o serviço que estão a promover. Aquele ali é o Herman, e lavem essa bocarra com o piaçaba untado de desinfectante carrrregadinho de amoníaco quando pronunciam aquele nome: Herman José.


O Herman hoje tem 61 anos, e mais de 40 de carreira. Eu tenho 40 anos, e sigo o Herman desde que me lembro, e andava ele ainda pela casa dos 20 anos, assim como aqueles marrecos que agora o desprezam, mas que naquele tempo ainda nadavam num qualquer saco escrotal. Antes começava a rir só de pensar no Herman, e hoje não lhe acho graça de todo. E porquê, porque ele mudou? Não, mas porque eu mudei. E quando não tinha mudado ainda este homem foi o meu ídolo. Este homem fez uma revolução em Portugal, seus néscios!


Zieg Heil! Chocados? "So what", se vantagens houve em não participar naquela estúpida guerra, uma delas foi poder fazer humor com o que outras nações consideram "ofensivo". E foi isso e muito mais que Herman nos trouxe ao pequeno ecrã em 1983 com o "Tal Canal". O momento era solene - foi em Março ou Abril, não me recordo ao certo - e assim como qualquer outro Sábado à noite os meus avós paternos sentavam-se em frente ao seu televisor a preto e branco (com um aparelho chamado "estabilizador", que era preciso ligar meia hora antes da própria televisão) para assistir ao programa de variedades que ia substituir "Sabadabadu". Este último, que contava com Camilo de Oliveira e a saudosa Ivone Silva, tinha sido um estrondoso sucesso, e cabia a este "novato" que era ao mesmo tempo uma "promessa adiada" do entretenimento nacional entrar nos seus lugares.  Recordo-me como se fosse ontem a cara de espanto dos meus avós perante o "refrescante" humor que Herman trouxe com o  "Tal Canal", assim como me recordo de que eles só riam porque eu me ria. Para mim aquilo era o "Woodstock" do humor em Portugal.



Personagens como este, o menino Nelito, e outros como o José Estebes, a imitação de Filipa Vacondeus, que se confunde com a original, o rebuscado Tony Silva, "el grande criador de toda la musica ró", que tinha feito furor nas tardes de Domingo no Passeio dos Alegres de Júlio Isidro, estavam todos lá, no "Tal Canal", presidido por um Oliveira Casca, que até prova em contrário, é a melhor imitação feita até hoje do General Eanes, que presidia na altura àquela bandalheira geral, só que contida.


O Herman já era conhecido do grande público ainda eu cagava fraldas (orgulhosamente, note-se) , e tudo graças à parceria com Nicolau Breyner numa rábula do programa "Nicolau no País das Maravilhas", uma espécie de protótipo do que poderia ser o humorismo pós-Estado Novo, e que no fim só viria a mudar completamente com um maior protagonismo de Herman José. Luso-alemão, mas com nacionalidade germânica (que hoje ainda mantém, acho), o jovem Herman José Von Krippal fazia vénias às grandes figuras do teatro, revista e cançonetismo nacionais, ao mesmo tempo que ia à procura de influências exteriores para o seu próprio acto. Foi assim que inaugurou o estilo português do humor dos "Monty Python", audaz, incisivo e pertinente, que demorou aos indígenas da "Res pública tuga" para assimilar.


E se "O Tal Canal" não tivesse chegado para estabelecer Herman como uma estrela no firmamento nacional, eis que ele surge no ano seguinte com "Hermanias", um "show" muito mais experimental que o anterior, mas que "a brincar, a brincar", criou o personagem de Serafim Saudade, com inspiração em Marco Paulo, Marco Paulo, Marco Paulo e outros...e Marco Paulo, com temas escritos na sua maior parte por Carlos Paião com e com os quais chegou a ganhar discos de ouro! Era Linda de Suza, Marco Paulo e Roberto Leal, todos num só, e com muito, muito humor à mistura. O "verdadeiro artista", como se auto-intitulava o próprio Serafim, aproveitava ainda para mostrar a sua faceta de cançonetista, que em boa hora havia ficado ocultada com o 2º lugar no Festival Nacional da Canção com o "O teu baton", logo atrás de Armando Gama com "Esta balada que te dou". Louros a Armando Gama, que foi à Eurovisão, depois nunca mais chateou, e ainda fez o grande Herman optar pela carreira de humorista.


Depois de "Hermanias" deu-se um hiato de dois anos, após o qual Herman regressa com "Humor de Perdição", outra série de humor que tinha o aliciante de ser o primeiro projecto do humorista num Portugal integrado no seio da União Europeia, então chamada de CEE, e onde não deveriam ser impostas fronteiras até onde poderia ir o seu reportório. Infelizmente o artista teve o azar de "esbarrar" com os resquícios de um conservadorismo sobrevivente à Revolução dos Cravos, e viu o seu programa das noites de Domingo da RTP ser censurado, após uma interpretação da Rainha Santa Isabel - um dos seus muitos travestis de sucesso, ele que sempre se manteve numa ambiguidade andrógina excepcional com os seus personagens.


Mas o que não matou Herman, só o viria a tornar mais forte. Depois de um regresso ao "prime time" com "Casino Royale", uma parábola à II Guerra Mundial, seguiram-se "Roda do Sorte", um enlatado americanóide que Herman transformou numa colher de sopa de grande humor diária com a ajuda da "voz off" de Cândido Mota, os "shows" de passagem de ano de 2010/2011 e 2011/2012, e meus primos e minhas primas: no início da década de 90 este "chato" que aqui vides a gozar do melhor que há na vida facturava por cinco minutos de "air time" diários na ordem dos milhares de conto. Perguntem aos vossos paizinhos quanto é isso hoje, na denominação corrente.


Claro que com a fama veio mais visibilidade, e era necessário agradar a outros tipos de público, tentar ferir menos sensibilidades, mas a verdade é que Herman continuou igual a si mesmo, e ei-lo aqui naquilo que passou como "brincadeira" mas pode muito bem ter sido um "ataque de fúria" genuíno da personalidade Lili Caneças, amiga íntima mas ao mesmo tempo pretexto para muitas das paródias do artista. E isto foi já em 2004, anos depois de Herman ter deixado a RTP e inaugurado o "Herman SIC", na concorrência. Durante os últimos anos no canal público conduziu os programas "Parabéns", outra ideia série convertida em proposta humorística, e ainda "Herman 98", com mais um programa de "sketches" humorísticos pelo meio, o "Herman Enciclopédia", com estes últimos já se apresentando como ideias "datadas" para o mais exigente e refinado (dizia-se...) público do fim de século.


E daí chegados ao ponto de hoje, onde o Herman é ainda uma garantia de entretenimento, mas sempre com uma ou outra voz dissonante, achando que o seu génio não tem lugar no contexto actual da programação televisiva nacional. E pensam que lhe estão a fazer um favor? Um homem que tem casas em Azeitão, Lisboa e Algarve, uma colecção de BMWs e um iate na marina de Vilamoura, ainda acham que precisa de favorzinhos de totós? Dêem é antes graças por ele ir ainda dando um ar da sua graça. E que real graça!


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