sexta-feira, 29 de março de 2013

Um cozido a mais, turistas a menos


Como é habitual às sextas-feiras, aqui fica o artigo da edição de ontem do Hoje Macau. Bom fim-de-semana e Feliz Páscoa!

Fui aqui há uns tempos jantar num conhecido restaurante português do território, um dos poucos que confio para me aliviar as saudades da nossa deliciosa gastronomia. Deparei com uma situação que pouco dignifica a restauração de Macau em particular, e que encontra paralelo em muitos aspectos do turismo deste território que pretende ser um “centro internacional de turismo e lazer”, como tantos apregoam.

Na mesa ao lado da minha estava um jovem casal de turistas de Hong Kong, e que juntos não pesariam cem quilos escorridos. Começaram pelas Ameijôas à Bulhão Pato, um desjejum que sempre se recomenda e que só por si já aconchega parcialmente o estômago, para quem gosta de baptizar o pão no molho dos bivalves. Seguiu-se um prato de camarões cozidos, outro pitéu não despiciendo, e o bacalhau assado como “prato principal”, assim pensei eu. Ainda estava o bacalhau meio comido e eis que entra em cena uma travessa de Cozido à Portuguesa, uma das especialidades da casa, e cuja quantidade seria mais que suficiente para saciar o apetite do jovem casal. Isto é, se estivessem mesmo esfomeados. Não resisti e meti conversa: “Estão mesmo com fome, uh?”. Ainda meio atrapalhados e sem saber muito bem o que fazer perante este autêntico banquete que chegaria para o Obélix, responderam-me que “apenas queriam provar…”. Não sei se estou enganado, mas talvez enquanto faziam o pedido a empregada que os atendeu deveria ter avisado que as porções eram bem guarnecidas, e que se calhar deviam ficar pelo bacalhau. Mas não, prevaleceu a indiferença, trouxe o que os senhores pediram, e se não têm bucho para aquilo tudo, “paciência”. No fim desconfio que acabaram no lixo uns toucinhos e umas morcelas. É pena.

Não se espera que uma empregada de mesa ame a sua profissão, mas que pelo menos tenha um pouco de respeito, ou pelo menos empatia com o cliente. É verdade que “o cliente tem sempre razão”, mas nem sempre este sabe muito bem o que faz, e por vezes precisa de um empurrão na direcção certa. Dá gosto ser atendido num restaurante onde o “garçon” recomenda este ou aquele prato que nesse dia estão especialmente “au point”, ou que tenha a honestidade de avisar que o peixe ou a carne que se pediu “não estão muito frescos” e apresente uma alternativa. Mesmo um “barman” que se preze aconselha a um cliente já meio embriagado que pare de beber – é uma função que muitos comparam à de um psicólogo. Em Macau vão-se virando os copos até ao ponto do coma alcoólico, e lá vai o desgraçado levado até ao táxi pelos amigos ou pelo porteiro do bar. É uma situação a que assistimos frequentemente em alguns bares de karaoke e afins. O mais importante é que alguém esteja suficiente sóbrio para pagar a conta.

É lamentável quando alguns operadores do sector do turismo e outros serviços não se saibam comportar com o profissionalismo que lhes é exigido. Impera a regra do “pagar e calar”, complementada com o respectivo “receber e não fazer perguntas”. Algumas vezes (mais do que o recomendável) assistimos a desaguisados entre turistas e guias. O mais curioso é que estes guias até não se importam de atender às reclamações dos turistas a seu cargo e levá-los lá onde eles querem e que não está incluído no roteiro, “desde que paguem a mais”. Ou seja, qualquer situação, por mais que gere conflito, nunca é de todo irresolúvel. Basta sacar da carteira. Se é esta a qualidade do serviço, que legitimidade temos para nos queixar da qualidade de alguns turistas?

Em Macau temos uma escola de hotelaria de qualidade reconhecida, e alguns dos nossos operadores obtiveram as suas qualificações no exterior. Tenho a certeza que não faltará por aí gente que sabe o que faz, que sabe como providenciar um tratamento VIP, de como operar um hotel de cinco ou seis estrelas. Tudo bem, que bom para nós. O que falta fazer é “arrumar a casa” e garantir ao turista médio ou ao visitante casual um serviço que o faça ter vontade de regressar, e já agora que nos recomende. É da responsabilidade dos empresários da restauração, da hotelaria e do turismo em geral garantir que as pessoas sejam bem tratadas, mesmo que não venham com centenas de milhar ou milhões para gastar. Senão do que nos vale o património histórico, a fusão das culturas oriental e occidental e tudo isso que torna Macau único no mundo? O casal de Hong Kong terá saído do restaurante de barriga cheia. Duvido é que tenha saído satisfeito.

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