sexta-feira, 22 de março de 2013

A magia da poesia


Além da árvore, o primeiro dia da Primavera foi ainda dedicado à poesia. É apenas natural. A Primavera lembra-nos de árvores, flores, amor, poesia. O pólen no ar torna-nos mais românticos, se não formos alérgicos, é claro. Florbela Espanca escreveu que “ser poeta é ser mais alto, é ser maior do que os homens”. Lindas palavras de uma mulher ela própria frágil como uma flor, delicada como a própria poesia. Mesmo a palavra rola na lingua deixando um travo a mel: “poesia”…po-e-sia. Todos nós temos lá no fundo uma veia poética, uma alma que sonha. Ninguém é insensível ao ponto de não ter lá dentro de si um pequeno poeta, um sopro que o deixa a sonhar. Mesmo que lhe faltem as palavras.

Dos poetas guardamos uma imagem nem sempre muito feliz. Camões, Bocage, Pessoa, Espanca e muitos outros, seres sofredores, viciosos, frágeis e doentes, tão cedo colhidos pela mão fria e seca da morte. A deusa da poesia é uma amante exigente, que pediu que lhe dessem tudo, e depressa. Os versos que nos deixaram são contudo imortais. É injusto? A justiça e a poesia nunca andaram de mãos dadas. Os grandes poetas não foram feitos para envelhecer. Não lhes é permitida a ousadia da decadência, não lhes são devidos bens terrenos. Chegam, dão tudo o que têm, e depois partem. Não lhes foi dada oportunidade para fazer melhor, porque já deram o seu melhor. Um poeta tem passado e tem presente, nunca um futuro.

Agora vou-me deixar de lamechices, pois penso que já todos sabem onde quero chegar com esta singela elegia aos nossos poetas. Já estamos todos fartos de saber que poesia implica “sensibilidade”, e a sensibilidade não é atributo de um homem com H. Chorar, suspirar, cheirar as flores e escutar os pássaros é coisa de mulheres, dizem-nos. Homem que é homem não rima sem pelo menos alguma brejeirice. Pois é, as letras do Quim Barreiros são poesia para o macho que se preza. É a poesia que cheira a Denim Black e “after-shave” Old Spice. É ele e os Xutos. Isso mesmo. Qual Camões qual carapuça. O gajo usava ceroulas e tudo. Muito suspeito. Métrica? Falta de melhor que fazer, isso sim. Musas? Ninfas? Ó Luiz Vaz deixa as drogas que elas são poucas e nós somos muitos.

Quando somos putos e nos apaixonamos (ou pensamos que nos apaixonamos) solta-se a tal “veia poética”, e damos por nós a fazer rimas absurdas a que chamamos “poesia”. Eu próprio passei por essa fase, e só tenho pena de não ter guardado pelo menos um dos meus “poemas” para o reproduzir aqui e podermos rir todos até à apoplexia. A fase depois passa, e quando persiste recomenda-se um tratamento à base de sangrias e electro-choques diários. O melhor é manter o problema escondido dos pais – um pouco à semelhança da masturbação excessiva – e nem se atrever a dizer “quero ser poeta quando crescer”, sob o risco de levar uma galheta. Nunca entendi muito bem isso do “amor platónico”. Amar ardentemente sem que a pessoa amada tenha sequer noção da nossa existência? Conheço o extremo oposto deste “amor platónico”. Chama-se “engate”.

Quando atingimos a maturidade, ou a alegada maturidade, a veia poética no seu estado bruto esbate-se, fica guardada lá no fundo do armário num cantinho qualquer do nosso cortex cerebral, e sai de quando em vez, quase sempre levada pela bebida. Byron e os outros românticos escreveram os seus “magnum opus” inebriados de genebra e absinto. Deram o fígado pela arte. Há tanto de inspiração como cirrose nas suas obras. Depois há os escritores propriamente ditos que se aventuram pela poesia ou pela prosa poética (vulgo “poesia a fingir”) – e alguns fazem-no até bastante bem. O facto de muito deles terem já passado dos 50 prova que podiam ter feito melhor. Pecam por estarem ainda vivos. Ninguém é perfeito.

Celebremos portanto a poesia, e celebremo-la todos os dias, que é poesia é arte, poesia é vida. Que viva o desespero, que viva a alegria. Que sigam as paixões, as traições e os enganos. Vivam os poetas, os bons e os assim-assim, os do burlesco, os poetas do povo! Que viva António Aleixo, que viva O’Neill, que saudades da nossa Natália Correia, que saudades do Ary! Vivam os declamadores que dão força e movimento à poesia e que mantêm vivos os poetas. E finalmente, que viva a loucura. É que de poeta e de louco, temos todos um pouco. E assim rimei.

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