terça-feira, 12 de março de 2013

Levar com um limão e ir comer uma banana


No outro dia estava no serviço a conversar com três colegas chinesas, e a explicar-lhes o significado da palavra “despacho”. Depois de esclarecidas, aproveitei para acrescentar que “estar no despacho” ou “dar despacho” tem um duplo sentido, e que pode também significar “estar a defecar”. Acharam imensa graça a esta curiosidade, e explicaram-me que em chinês existe um equivalente inspirado no jogo de casino “grande e pequeno”. Diz-se de quem se está a aliviar que “está a apostar no grande”. Parece que a brejeirice e os duplos sentidos são comuns a todas as culturas.

Existem muitas formas de dizer as coisas de forma indirecta, e muitas vezes optam-se por eufemismos ou duplos sentidos de modo a não ferir algumas sensibilidades. Às vezes mais vale ir directo ao assunto, sem muitos rodeios, mas há situações em que é melhor recorrer a outros expedientes. Anunciar uma má notícia, por exemplo, requer uma sensibilidade especial. Se queremos dizer ao nosso filho que o cão foi atropelado e morreu, convem imaginar algum “céu dos cães” para onde o Bóbi foi, ou preparar um discurso sobre a fragilidade do dom da vida, algo poético. Para quem não tem muito jeito, o melhor é comprar-lhe outro cão no mesmo dia e dizer-lhe: “Toma lá um cão novo. O outro foi-se”.

Há expressões que utilizamos frequentemente no dia-a-dia de forma quase automática, sem que alguma vez nos tenhamos detido a analisar o seu significado. Frases que expressam emoções, algumas delas que nem sequer fazem muito sentido, são debitadas a um ritmo diário sem que demos por isso. Fui procurar a origem de algumas, mas debalde. A origem destas expressões deverá ter-se perdido na bruma do tempo, e resta-nos ficar a tentar adivinhar o seu significado.

Existem algumas bem directas e completamente esclaracedoras. Quando queremos dizer que qualquer coisa nunca vai acontecer, dizemos que será “No dia de S. Nunca” (por vezes acrescenta-se “à tarde”, dando a entender que a tarefa é tão irrealizável que não vale a pena acordar cedo, nem no “dia de S. Nunca”), ou que acontecerá “quando as galinhas tiverem dentes”. Para dar ênfase pode-se dizer que “nem que a vaca tussa”. Não sei se as vacas tossem, mas acho graça à ruralidade intrínseca a esta expressão. Portanto o nosso interlocutor “pode tirar o cavalinho da chuva”. Para explicar esta curiosa expressão encontrei o vídeo que acompanha este post, e que dá a entender que nem sempre é utilizada correctamente. Convido-vos a saciar a curiosidade.

Por vezes apetece-nos manda alguém à merda, mas as regras mais básicas da boa educação não nos permitem, e portanto mandamo-lo “ir dar uma volta ao bilhar grande”. Aqui reside um grande mistério. O que é este “bilhar grande”? Se é uma mesa de “snooker” grande, não é uma grande tarefa contorná-la. Suspeito que este “bilhar grande” seria um sítio pouco recomendável e mal frequentado. Provavelmente em Lisboa. Como alternativa podemos mandá-lo “à fava” – outra vez a persistência no nosso ruralismo inato. Nunca participei da colheita da fava, mas consigo captar o sentido de mandar lá alguém. Há quem recorra ao “vai pentear macacos”, mais ousado, com um toque tropical. Pentear macacos, além de pouco sanitário é também perigoso. Esta será uma daquelas expressões que se atiram sem medir a sua real dimensão. É mesmo preferível ir à merda.

Algumas expressões são especialmente divertidas. Gosto sobretudo daquelas que insinuam que a pessoa de que falamos tem “cornos”. Exemplos: “este bife está rijo como os cornos de quem o fritou”, “o bilhete da lotaria está branco como os cornos do cauteleiro”. Quando alguém ameaça porrada, diz que “vai aos cornos” do outro, ou que lhe vai “partir os cornos”. Isto requer uma força quase sobre-humana. Corno que se preze é quase impossível de partir. Diz-se ainda que um homem enganado pela esposa é “corno”, adjectivação assaz desagradável. Os chineses dizem que neste caso a esposa “deu-lhe um chapéu verde”, o que é menos agressivo, enquanto os filipinos dizem que o marido traído “tem merda na cabeça”. Entre um par de cornos a enfeitar a testa ou um cagalhão na tola, venha o Diabo e escolha.

Falando de expressões idiomáticas que encontram paralelo no cantonense local, destaco duas. Dizemos que quando uma moça rejeita um potencial candidate a namorado que lhe “deu uma tampa”. Os chineses dizem que ela lhe “deu um limão”, e por isso o moço “ficou um bom peixe”. Vamos lá entender que sentido isto faz, mas não deixa de ter a sua graça. Quem reside em Macau há alguns anos deve estar familiarizado com os insultos em cantonense, pelo menos os mais “hardcore”, mas há um que não deixa de ser curioso. Aparentemente é ofensivo mandar alguém “comer uma banana”, muito por culpa da forma, digamos, "sugestiva" da fruta, e é normalmente utilizado por senhoras que se preferem abster de usar palavrões e mandar alguém para o c... . Ora bolas, eu adoro bananas, e raramente recuso se alguém me oferecer uma. Ficava mesmo chateado era se me mandassem comer um durian, mas o que esté aqui em causa não é o sabor. Bem, agora se não se importam, vou “para o choco”, que se faz tarde. (Não, não vou mergulhar em busca de nenhum cefalópode. Isto quer dizer que vou dormir).

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