O Chefe do Executivo apresentou ontem as Linhas de Acção Governativa para 2009, as últimas de Edmund Ho à frente do Executivo da RAE de Macau. O discurso ficou marcado pela aposta na continuidade das políticas anteriores do Executivo, bem como a introdução de estímulos, subsídios e bonificações várias aos mais diversificados sectores da sociedade.
Com a crise económica mundial à espreita, Edmund Ho enfasizou a necessidade de deixar “a casa arrumada” para o Executivo que se segue. Outra coisa não seria de esperar, e ficamos a fazer figas para que assim seja. Seria mau que chegasse um novo Executivo de que ainda nada se sabe que tivesse logo de arregaçar as mangas e “limpar a casa”.
O orçamento é superior em 9% quando comparado com 2008, e entre os aspectos mais generosos, por assim dizer, do Executivo para o próximo ano fiscal, destaca-se a distribuição de vales médicos, a atribuição de um subsídio de 1500 patacas a estudantes para compra de material didáctico (livros?) e a manutenção do tal plano de comparticipação financeira, que contempla cada residente permanente com 5 mil patacas, e não-permanente com 3 mil.
Em relação a este ponto, voltaram a surgir as vozes críticas. “O que podia ser feito” com este dinheiro voltou a ser tema de conversa, o que tornou o mais simples trolha ou taxista em gestor instantâneo. É claro que muito não foi feito, e que muito vai ficar por fazer. A habitação económica não arranca, nem o segundo hospital, e mesmo a lei laboral só saíu quase por decreto do CE.
As 5 mil patacas são – por muito que não se concorde – uma face visível da intervenção do Governo, algo que todos podem usufruír, sejam quais for as necessidades. É algo de palpável, algo que realmente se vê, mais que os subsídios que podem ou não ser aplicados devidamente, ou em Obras Públicas que nem a todos servem.
Neste caso cada um puxa a brasa à sua sardinha. Os idosos dizem que é a terceira idade que precisa de mais apoio, os funcionários públicos querem mais, os utentes dos transportes públicos querem mais e melhores autocarros, enquanto quem não anda de autocarro se está nas tintas. Aliás a este respeito aconselho a leitura de uma excelente peça de Carlos Picassinos na edição de ontem do Hoje Macau: “
Se eu mandasse…”.
E porque não se resolvem os problemas e se avança, com as propostas? Será que só se pode apontar o dedo ao Executivo? Isto da política obedece a uma lógica muito simples: falamos mal da festa porque não fomos convidados. Uma vez lá dentro, resta segurar uma flute de champanhe e ombrear com os restantes convivas.
Exemplo disso é a vontade de certos indivíduos e associações de “entrar” na AL pela porta grande, que é como quem diz, ser eleito. Algumas suportam-se em estatísticas que não passam de números, ou estudos feitos com base realidades completamente diferentes do território.
Todos sabemos quais são os problemas, e falar deles em público, dar a cara, sem apresentar soluções concretas, ou papagear sempre as mesmas questões, as mesmas dúvidas, tentando “pescar” um elusivo eleitorado, que nem sequer se sabe bem se existe, ou onde está. Quem procura um certo tipo de eleitorado em vez de se preocupar com os problemas da população em geral não é muito diferente dos empresários que estão na AL só para ter a certeza que ninguém lhes pisa na cauda.
O ideal seria encontrar uma força política que se quisesse realmente debruçar sobre os problemas da população. Todos os problemas e de toda a população. Muito para além do âmbito dos operários, dos empresários, dos FP ou mesmo dos direitos e liberdades. Uma espécie de partido político, com ideologia e objectivos definidos, que servisse o ouvisse todos os quadrantes da sociedade, e não embarcasse em populismos fáceis e demagogias eleitoralistas.
Não me cabe julgar o papel do Chefe do Executivo, ou avaliar o seu trabalho. Edmund Ho entra para a história de Macau como o primeiro CE, um papel de importância, e soube lidar com todos os problemas básicos que a transferência de soberania acarretou. Apesar da sua popularidade ter descrescido drasticamente durante este segundo mandato, sinto que foi sempre um apaziguador, um homem calmo e suave com o dom da oratória, que nunca perdeu a calma.
Quem se segue não terá um trabalho fácil, sem dúvida, mas vai encontrar muito que foi feito - e bem - no campo sempre difícil das sensibilidades, e de como lidar com um território com uma História como a de Macau, em que o convívio foi sempre complicado, mas que foi acontecendo naturalmente. Macau é conhecido pela diversidade, e isso resiste a qualquer regime ou a qualquer retórica.
Só tenho pena - e isto olhando para um passado recente - que o diploma mais elaborado que o Executivo apresentou nos últimos tempos tenha sido a Lei para a proteção e defesa do estado, emanada do tal artº 23. Nada contra, note-se, é perfeitamente normal e era inevitável, mais cedo ou mais tarde, mas este não era certamente o diploma por que toda a gente esperava, e está longe de ser aquele que serve os interesses da população que trabalha e anseia por uma vida melhor. Isto para não dizer que é completamente inútil.
Só espero que as pessoas que falam de "necessidade" e "maturidade" não sejam os primeiros a engolir as suas palavras. É que em nome do politicamente correcto pode-se dizer muita coisa, mas esta é a terra que acolhe agora os seus residentes, e no futuro os seus filhos e os seus netos. E quem não acredita nisso, apostando num futuro para si e para os seus fora do território, mas anuindo a tudo e a todos, só pode mesmo estar a ser muito hipócrita.
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