quarta-feira, 16 de julho de 2014

Xeque ao bispo


Eric Sautedé deixou saber as razões do seu afastamento do corpo docente da Universidade de S. José, onde era professor de Ciência Política. Duas semanas depois do anúncio do reitor Peter Stillwell de que o seu contrato não seria renovado devido a "circunstâncias locais", Sautedé quebra o silêncio, confirma que o caso tem a ver com os comentários que fez em relação à realidade local, e mais importante que isso, implica o bispo José Lai, remetendo Stillwell ao papel de "mensageiro", de portador das "más novas". Segundo o académico, é "impossível" que o bispo Macau não tivesse conhecimento do seu afastamento, uma vez que a Fundação Católica passou a ter um papel activo em assuntos académicos da USJ. O docente implica ainda o Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES), a quem Sautedé terá pedido o financiamento para uma deslocação a Portugal para realizar uma investigação, e esse pedido não só terá sido recusado sem qualquer fundamentação, como ainda poderá ter despoletado todo o processo que levou ao seu despedimento.

Sautedé aponta três episódios marcantes que conduziram à não-renovação do seu contrato pela USJ. O primeiro aconteceu no princípio deste ano, quando comentou que o actual Chefe do Executivo tinha "falta de carisma"; o segundo prendeu-se com um convite feito a um académico estrangeiro, Frank Dikotter, que apresentou um livro sobre a revolução chinesa, e finalmente o tal pedido de financiamento ao GAES, onde Sautedé apresentaria em Portugal um estudo sobre a inexistência de partidos políticos em Macau. Apesar de este ser um tema sensível, dependendo da perspectiva, é possível que tenha sido a gota de água. Afirmar que o actual CE "não tem carisma" não é um crime de lesa-majestade, mas pode ter consequências, conforme a posição de quem o faz. O caso do livro é rodeado de incertezas, pois Dikotter chegou a defender na apresentação da obra que "a revolução chinesa foi escrita com sangue", e diz-se que na China é "persona non grata" do regime, sendo-lhe vedada a entrada. Sautedé garante que isso é falso, e que este era o terceiro livro do autor dedicado ao tema da China e da revolução de 1949 até aos nossos dias. O docente diz que começou a sentir uma ambiente "pesado" a partir de Abril, e que o seu afastamento foi anunciado "ao estilo de uma execução", e logo a 4 de Junho. A confirmar-se a versão do professor, pode-se dizer que a reitoria da USJ é composta por gente sádica.

José Lai negou imediatamente qualquer envolvimento no caso, pelo menos "directamente". É a segunda vez que o bispo de Macau nega ter conhecimento da saída de Sautedé, e caso o faça mais uma vez, iguala Pedro, o discípulo de Jesus e o primeiro Papa (será essa a ideia?). O GAES também confessa a sua total ignorância sobre o assunto, e diz que não recebeu qualquer pedido de financiamento da parte de Sautedé. Na edição de hoje do Jornal Tribuna de Macau, Sautedé insiste na sua acusação, e diz "ter provas" da interferência da Fundação Católica em projectos académicos da USJ. Insiste em apontar o dedo a José Lai, e diz mesmo que se o pedido de financiamento não chegou ao GAES, foi porque o bispo ou a Fundação que preside impediram que isso acontecesse. eE agora uma curiosidade interessante: o professor diz que “as recentes propostas para financiamento eram monitorizadas pela Fundação Católica, e especialmente pelo sobrinho do Bispo”. Alguém se importa de consultar um dicionário e ver o significado de "nepotismo"? E isso nem é o mais grave - antes fosse só essa prática secular da Igreja o mais lamentável de deste este enredo.

Portanto isto promete. Das duas uma: ou temos um bispo que mente, e depois jura que não mentiu, e depois mente outra vez, ou temos ou "académico mentiroso", que a confirmar-se dá força ao mais recente delírio do deputado Fong Chi Keong, que afirmou em plena Assembleia Legislativa que "os académicos costumam ser mentirosos". Ou muito me engano, e isto é apenas a minha "aposta", vamos ter uma crise de fé muito em breve - e o que dá quando se questiona a competência de uma pessoa de educação superior, que vai ter uma reacção mais forte do que um trolha que metem no olho da rua. No meio de toda esta polémica, o presidente do Instituto Politécnico de Macau, Lei Heong Ieok, garantiu que "não existem quaisquer pressões ou limitações à liberdade académica" na instituição que dirige. Citado na edição de ontem do Hoje Macau, Lei acrescentou ainda que "a liberdade académica para uma instituição superior é vital", e que "é importante para garantir a qualidade do ensino e da investigação”. É refrescante que ele pense assim, e fica registado para memória futura. Um ponto para o IPM.


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