quarta-feira, 30 de julho de 2014

TUI sobre o referendo: "nim"


Confesso que aguardava com expectativa que o Tribunal de Última Instância se pronunciasse sobre a ilegalidade do referendo informal que os democratas querem realizar na última semana de Agosto, e toda a propaganda ao mesmo. A "premise" era bastante atractiva: ou se pronunciavam pela ilegalidade e ia ser uma carga de trabalhos para fundamentar a decisão com base legal, ou pronunciavam-se pela "não-ilegalidade" (em linguagem diplomática) e faziam o IACM e o Executivo "perder face". Inclinava-me para a segunda hipótese, mesmo que não estivesse a torcer por nenhuma delas - parecia-me a mais provável, apenas isso. Esta tarde saíu a pronúncia, que se decidiu pela...não pronúncia. Isso mesmo, as instâncias judiciais da RAEM viram as costas ao problema, sentam-se no muro, lavam as mãos e assobiam para o lado. "Quem disse que precisamos de nos pronunciar? Vocês que são pretos que se entendam", parece ter sido a palavra de ordem no TUI, que não quis ter nada a ver com esta polémica que parece subir cada vez mais de tom.

Jason Chao reagiu à decisão com um sorriso maroto, dizendo que "não se lembra de uma decisão deste tipo por parte das instâncias judiciais". Nem ele nem eu, nem muitos de nós, pois se existe uma instância a onde se pode recorrer para atestar a legalidade de seja o que for, os tribunais são essa instância. O que parece estar aqui em causa é a própria estabilidade política; é óbvio que os tribunais não se podem pronunciar pela ilegalidade de algo que não é, sensum strictum, ilegal. Só que isto é uma daqueles coisas que não se dizem, do tipo "ó pai, porque é que a avó tem bigode?". Lá ter tem, e pode ser até que saiba que tem, e que as pessoas reparam e comentam, mas ela própria está-se nas tintas para isso. Os tribunais já se decidiram contra o Governo noutros casos, mas aqui "pia mais fino", pois os democratas tocaram num nervo sensível: primeiro aproveitaram-se da indiferença dos dirigentes da RAEM por um assunto que parte do debate na sociedade civil, e depois cometeram a arrogância de pensar que essa mesma sociedade civil ficaria intimidada pela autoridade, e caso resistissem, bastaria dizer que "Pequim ficaria zangada" com tamanha insolência e desrespeito pelos trâmites estabelecidos por ela.

Pequim, ou neste caso o Governo Central, não se pronunciou logo após a questão do referendo ser posta como possibilidade. Podemos entender isto de várias formas; ou acharam que o Executivo teria capacidade para dissipar a rebeldia, fazendo ver que não era recomendável avançar com uma iniciativa deste tipo, ou acharam que os democratas tinham todo o direito de desafiar a nomenclatura, e no fim tiravam-se as devidas conclusões (a hipótese que chegou mais tida como provável, dado o nervosismo e desorientação patenteados por algumas das elites), ou finalmente que isto não lhes agrada mesmo nada, e estavam a evitar meter a colher nesta caldeirada, e passar a imagem de "tirano", e que o segundo sistema não passa apenas de uma fachada, de um faz-de-conta, e que o melhor era aproveitarem o recreio antes das coisas assumirem contornos de seriedade, e aí acabou-se a brincadeira - esta é uma leitura que os mais pessimistas fizeram desde a primeira hora, e que os restantes temiam: Pequim não achou piada nenhuma à ideia, e estava só a tentar evitar aplicar a "barra dura" do primeiro sistema no segundo, e lá se vai ao ar o "elevado grau de autonomia".

E parece ser um facto que o Governo Central veio pôr um ponto de ordem na controvérsia, mesmo que timidamente, e com a sua dose de hesitação. Se no início da polémica do referendo o Gabinete de Ligação local expressou apenas "apoio a Chui Sai On" nesta questão, evitando pronunciar-se sobre e eventual ilegalidade do referendo, veio agora uma instrução "de cima", com o presidente do Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular (ANP), Zhang Dejiang, a vir dizer "que os princípios da China para Macau mantêm-se inalterados" e que "a estabilidade e prosperidade do território são baseados na implementação da Lei Básica" - ou seja, tudo o que não se insere no enunciado da Lei Básica que tenha qualquer relação com o articulado da mesma no que toca à soberania de Macau, e à eleição do seu orgão Executivo, só pode ser inerentemente considerado ilegal. Pasme-se, minha gente, mas este é o melhor argumento de todos os argumentos contra este referendo, mas mesmo assim não colhe - ali não se está a eleger o Chefe do Executivo, mas apenas uma recolha de opiniões, que leve o nome que levar, é um direito contemplado na própria Lei Básica.

É evidente, e cada vez mais os que inicialmente se vetaram à neutralidade e à indeferença ao tema começam também a entender, que os democratas aproveitaram um "vazio legal" que não os impede de brincar com coisas sérias. Mas quando se brinca com o fogo, mesmo mantendo uma distância segura, nada nos diz que as labaredas não se possam de repente soltar, a reclamar um dos olhos dos brincalhões, confiantes no cumprimento das regras mais básicas de segurança. O tempo começa a correr mais depressa, sexta-feira entramos em Agosto, e daí até às três semanas que no separam do referendo é um pulo. Temo que mais cedo ou mais tarde se levante a possibilidade de se considerar que quem participe no referendo, ou vote, estará a cometer uma ilegalidade. Chegando a esse ponto, tudo é possível, menos que as coisas tenham um final feliz. Se o problema é o nome, que começa irritar os mandarins, talvez Jason Chao e os restantes devessem considerar a mudança de nome, hipótese que aliás já tinham avançado, se for esse a único entrave. Sugiro que se mude para "aquilo", ou "aquela coisa", ou ainda "é segredo". Ou podem também optar pela estratégia que alguns contrabandistas na China adoptam para adulterar produtos de marca, e em vez de "referendo", chamam-lhe "refrrndo", ou algo do género. O que o orgão da RAEM parece estar a querer passar com este "nim" é para mim muito claro: da lei cuidamos nós, da política tratem vocês. E os burros são eles?


1 comentário:

Pedro Coimbra disse...

No Totobola jogaram X
Não decidiram agora, vão ter que decidir no futuro.
Porque a questão que agora não ficou resolvida vai dar origem a muitas outras.