Pára já tudo, chegou...O RACISMO!
Em Portugal não se tem falado de outra coisa toda a semana: o alegado racismo da parte dos agentes da PSP de Alfragide, junto do problemático bairro da Cova da Moura. Digo "alegado" porque é disso mesmo que se trata. Os agentes foram indiciados pelo Ministério Público de vários crimes, e são inocentes até que esses crimes fiquem provados, e o juiz da sede do último recurso diga que são culpados, caso seja esse o desfecho. Isto tem dado pano para mangas, pois os factos ocorreram em Fevereiro de 2015, chegou a ser aberto um processo que viria a ser arquivado, mas o SOS Racismo interveio, pedindo a reabertura do mesmo. Após subsequente investigação e o aparecimento de novas provas, o MP indiciou a esquadra inteira de vários crimes, e de imediato se levantou o debate sobre o "racismo" e - pasme-se - um tal de "racismo inverso". Bom, mas antes disso, passemos então aos FACTOS.
A agora infame esquadra de Alfragide, onde aconteceu...RACISMO!
O que se segue é um relato dos factos que levaram à acusação feita aos agentes da PSP da esquadra de Alfragide, publicado na segunda-feira no Diário da Notícias. Um trabalho notável da jornalista Valentina Marcelino, que podem ler
aqui na íntegra, mas da qual destaco as seguintes passagens:
Tudo começou com a detenção, que o MP concluiu ter sido arbitrária e violenta de um jovem (não na sequência do apedrejamento por parte deste contra uma viatura da polícia, como contou a PSP), Bruno Lopes, no bairro, levado para a esquadra pelas 14.00 do dia 5 de fevereiro de 2015. Ao contrário do que foi descrito nos autos de notícia da PSP, Bruno não resistiu à detenção nem agrediu os polícias. Tal como contou, estes encostaram-no a uma parede, de braços e pernas abertos e disseram-lhe "estás a rir de quê, macaco? Encosta-te aí à parede!". De seguida espancaram-no violentamente e caiu no chão a sangrar da boca e do nariz.
Sendo conhecido da Associação Moinho da Juventude, uma instituição que desenvolve vários projetos de inclusão social no bairro, foram alertados amigos, entre os quais Flávio Almada e Celso Barros, conhecidos, até pela polícia, por serem ativos mediadores desta associação. Seis deles (não 20 a 25, como contou a PSP) dirigiram-se à esquadra para saber da situação de Bruno. O MP diz que, sem que fossem provocados, os agentes começaram a agredir os jovens, arrastando-os para a esquadra enquanto gritavam palavras de ódio racial. Dois deles ainda conseguiram fugir por entre as estreitas ruas do bairro. Ficaram Flávio, Celso, Paulo e Miguel. Um quinto elemento, Rui Moniz, que estava nas imediações, a sair de uma loja de telemóveis ao lado da esquadra, acabou por ser também arrastado para dentro pelos polícias. Um dos agentes, apontando para Flávio Almada, exclamou para os seus colegas: "Apanhem aquele que tem a mania que é esperto", indo atrás dele e espancando-o com o bastão.
Flávio Almada, uma das vítimas de...RACISMO!
Este é o tal que "tem a mania que é esperto", segundo o tal agente menciona no relato dos factos. Não sei bem se "tem a mania", pois este Flávio Almada não é "um preto qualquer". Segundo o seu perfil no Facebook (as páginas amarelas para as pessoas do século XXI), é licenciado em Humanidades e Tecnologia pela Universidade Lusófona, e realiza trabalho social junto dos jovens do bairro da Cova da Moura através da tal associação referida no artigo, o que é algo de louvar. E penso que todos concordarão com isso. Mas há mais, e não é nada bonito:
Algemados, foram atirados para o chão da esquadra. "Vão morrer todos, pretos de merda!", ouviram dizer a um dos polícias. Pontapés em todo o corpo, socos, bofetadas, incluindo na cabeça, pisadelas, tiros com balas de borracha. Rui Moniz, que teve um AVC aos 9 anos e sofre de uma paralisia na mão direita, gritava por ajuda, mas ainda era mais agredido. Gozando com a doença, um dos agentes quis humilhá-lo: "Então não morreste (do AVC)? Agora vai dar-te um que vais morrer. Ainda por cima és pretoguês filho da puta!" Bruno, Flávio, Celso, Rui, Miguel e Paulo estiveram detidos dois dias.
Durante esse tempo, sustenta o MP, foram humilhados, vítimas de enorme violência física e psicológica por parte de agentes da autoridade dominados por sentimentos de xenofobia, ódio e discriminação racial. "Não é nada comigo", respondeu uma agente a quem Rui Moniz suplicava que o salvasse. Outro agente dizia, apoiado pelos colegas, olhando para os seis jovens do chão: "Não sabem como odeio a vossa raça. Quero exterminar-vos a todos desta terra. É preciso fazer a vossa deportação. Se eu mandasse vocês seriam todos esterilizados." Ou, como contaram ainda os jovens, declarava outro agente: "É melhor irem para o ISIS", "vocês vão desaparecer, vocês, a vossa raça e o vosso bairro de merda!".
Só no dia 7 de fevereiro os jovens foram presentes ao juiz de instrução criminal. Regressados à esquadra, quando aguardavam pelos bombeiros e o INEM, finalmente chamados, para os conduzirem ao hospital, ainda assistiram a uma última cena, que ficou registada pelos investigadores: uma subcomissária de serviço, com o objetivo de esconder vestígios do sangue provocado pelas agressões, pegou numa esfregona e limpou o chão manchado de vermelho.
A Cova da Moura, "mothership" de todo este...RACISMO!
Ora bem, todos aqueles factos, a serem comprovados, são gravíssimos. Houve quem não tivesse o cuidado de ler tudo aquilo com atenção, e desatasse a fazer juízos diversos, na maioria inspirados na má fama que o bairro dos arredores de Lisboa leva, e foram referidos outro casos em que agentes da autoridade são mal recebidos e até por vezes agredidos na Cova da Moura. Andei estes dias a reflectir sobre isto, e a ler o que outros pensam do assunto, e não tenho dúvidas quanto ao lado da barricada que devo tomar. Para melhor ilustrar, reproduzo aqui e com a devida vénia, parte de um comentário do meu amigo facebookiano Miguel Andrade:
Só quem está disponível para tolerar abusos xenófobos é que pode condescender relativamente à actuação policial na esquadra da Amadora, invocando como justificação ou comparativo as agressões diárias que as forças de segurança sofrem no exercício da sua actividade.
A PSP faz bem em não pactuar com...RACISMO!
Nem mais. Isto não é nada contra as autoridades e as forças de segurança, de quem os cidadãos precisam, que os cidadãos pagam com os seus impostos (detesto este argumento, mas tecnicamente é verdade) e devem ter deferência para com TODOS os cidadãos. Eu quando era miúdo e via um polícia, sentia-me seguro. Quando tinha 9 anos e entrei na esquadra da PSP do Montijo para entrevistar um sr. agente para um trabalho da escola, encontrei a gente mais simpática no local que me parecia o mais seguro do mundo. Deixem-se lá de merdas e de "racismos" e dessa porcaria, que os portugueses não são assim, o nosso país não precisa disto. Sim, os bandidos devem ser apanhados, e temos que apoiar as autoridades nesse trabalho, mas estes agentes - e mais uma vez, caso fique provado - a agir desta forma, não dignificam o bom nome da corporação. Não dignificam ninguém, nem nada. Eu quase que gostava que estivessem inocentes, mas infelizmente isto é muito sério para se tratar de um simples mal-entendido. É um momento histórico, sim, como referiu o presidente do SOS Racismo. Mas só é positivo se for a última vez que acontece.