A vida tem corrido mal a José Mourinho, treinador dos ingleses do Chelsea, que ultimamente tem sido notícia pela sua terrível mania de não conseguir ficar calado quando tem qualquer coisa para dizer, e também quando não tem - nada de novo, portanto. A diferença é que este ano o "special one" não executa a sua rotina do primeiro lugar da classificação, de onde pode atirar esse facto na cara dos potenciais críticos, mas sim do sexto lugar...a contar do fim. É mesmo assim tão grave, e a juntar a isso foi eliminado a meio desta semana da League Cup pelo Stoke City, ainda que no desempate por pontapés da marca de grande penalidade. Mas esqueçam lá o Mourinho, ó orgulhosos lusitanos sempre à procura de encher o peito de orgulho pelos sucessos alheios, com o pretexto de ser "um compatriota", pois o sabor do mês em terras de Sua Majestade é Carlos Carvalhal, que desde Agosto, data em que começou a treinar o Sheffield Wednesday, tornou-se o ídolo da rapaziada daquela cidade de South Yorkshire. E não é para menos, pois neste vídeo podemos atestar a grande forma dos "owls", que eliminaram o Arsenal na mesma League Cup que Mourinho venceu na época passada, mas que agora viu fugir-lhe uma possível revalidação desse título. E para que Arsene Wenger não se ficasse a rir do rival de Londres, o onze de Carvalhal espetou três "secos" nos "gunners", que devem ter deixado o treinador francês a pensar que ali estava alguma espécie de "Mourinho dos chineses" - das lojas chinesas, entenda-se.
Mas e que nada, e se pensavam que Carvalhal era ainda pior no domínio do inglês falado do que Mourinho e os seus "I 'sink' boringue is ten years-aidout a teitle", e outros atropelos à língua de Elias Chequespirro, engana-se! Vejam aqui como analisa "like a boss" a vitória que poucos estariam a imaginar ser possível, e logo por aqueles números. Sim, podia praticar um pouco mais o uso correcto dos artigos, melhorar um pouco a pronúncia, e aquele "probably" que sai "prubábli" é o mais gritante, e em comum com Mourinho tem aquele terrível hábito de traduzir directamente expressões em Português que noutras línguas não fazem sentido, ou que não são conhecidas. Mas tudo bem, isto é um elogio a Carvalhal, que nunca jogou nem treinou em Inglaterra até Agosto último, e como se sabe os jogadores da bola nunca foram alunos brilhantes a coisa nenhuma. E o que importa, se outros do calibre de Mancini (que depois aprendeu, e depressa), Benítez, Pellegrini ou Ranieri chegaram a clubes que o cobriram de ouro e nem um "thank you" conseguiam fazer sair da boca? Mauricio Pochettino, treinador argentino do Tottenham, vive há vários anos em Inglaterra e ainda fala como o Speedy Gonzalez, e Wenger é o pior de todos: em mais de 20 anos a treinar em Londres ainda diz "vee lust too playerz", e "a team vit qualetee of Sháfilde". E falando de Wenger...
Carvalhal o britânico, parte II: conferência de imprensa. Mais uma vez é de tirar o chapéu, a calma com que o homem chega aos microfones da nação do futebol, e fala de como fez gato-sapato com um dos seus três maiores emblemas. Eu começava aos pulos em cima da mesa, fazendo gestos de despeito e berrando: "TOMA! CHUPA! ARROTA! AH AH!" - assim como eu só consigo pensar no Maradona. É comovente ver o vídeo, e até se perdoa aquele momento em que Carvalhal fala da "geração perdida" dos fãs do Wednesday, que devem ter ficado muito bem sem entender o que senhor estava para ali a dizer deles. Wenger, por seu lado, que saiu do célebre estádio de Hillsborough com "trois melons" no saco, justificou-se com "a juventude da equipa", e outras desculpas de mau pagador, com destaque para o facto de ser ver obrigado a substituir Oxlade-Chamberlain aos 5 minutos por lesão, entrando para o seu lugar Theo Walcott, que doze minutos mais tarde sairia também ele lesionado. Ora bem, isto não é nada. Vejam só:
...tem os fãs a entoarem cânticos com o seu nome, Deus meu! Ai se o homem soubesse disto nunca tinha ido para o Sporting levar com tomates daqueles gajos que querem tudo para ontem (como se estivessem habituados a ganhar, coitados), e ia antes responder a entrevistas na Inglaterra - nem que fosse numa equipa da "National League", o quinto escalão do futebol britânico. E isto que vemos nas imagens foi durante um jogo em Londres contra o Brentford, a contar para o Championship (assim se chama o segundo escalão do futebol inglês), no dia 26 de Setembro - UM MÊS antes deste desafio com o Arsenal, e apenas dois dias depois de terem vencido o Newcastle na eliminatória anterior. E para nós que estamos (mal) habituados a julgar as coisas pela medida do futebol português, as surpresas não ficam por aqui. Vide:
Esta era a classificação do Championship a 16 de Setembro, após a sétima jornada, e as coisas não andavam lá muito famosas, com um 18º lugar entre 24 equipas, e apenas um ponto acima da zona de despromoção. Depois de uma estreia vitoriosa na prova, seguiram-se seis partidas sem ganhar, o que em Portugal já lhe teria valido uma guia de marcha, e quem sabe nem era preciso esperar pelo sexto "tropeção", e de nada lhe valeria o facto da prova em questão ter um total de 46 (!) jornadas. É improvável, mas não é de todo impossível que uma equipa perca os primeiros dez jogos, e ainda consiga conquistar o título, e o equilíbrio é a nota dominante, com as equipas de topo a desperdiçarem pontos constantemente. Sobem só os dois primeiros classificados, mas há o aliciante da terceira vaga para a Premier League da época seguinte ser discutida num "play-off" a quatro, entre os terceiro e sexto classificados. Pode até ser que as duas eliminatórias da League Cup que o Wednesday venceu durante este período de seis jogos sem vencer para a liga tenham ajudado Carvalhal a ficar bem visto junto da direcção do clube, mesmo estando aqui a falar de partidas em casa contra Mansfield Town e Oxford United, ambas do quarto escalão. Mas valeu mesmo a pena ter paciência, porque agora:
E aí está, seis jogos com quatro vitórias e dois empates depois, eis o Wednesday de Carvalhal no nono lugar, a quatro pontos dos lugares do "play-off", e a mais um da subida directa. A juntar isto está o recorde decorrente de invencibilidade nas quatros divisões principais, a chamada "nationwide league", com nove jogos sem derrota em todas as competições. Se antes os adeptos entoavam cânticos, agora devem ter construído templos em homenagem a Carvalhal, que chamam simplesmente por "Carlos". O nome de Carlos Carvalhal traduzido directamente para inglês ficaria qualquer coisa como "Charles Oakfield", que nem fica nada mal. Se fosse um dos jogadores que conquistou o mundial de 66 pelos bifes, seria "Charlie Oaks". E tem sido crescente a adoração dos ingleses por quem em Portugal foi despedido de uma mão cheia de clubes por ficar um mês sem ganhar, imaginem só. Ali só o despedem se fizer maus resultados, E se não estiver a fazer um bom trabalho - há clubes com treinadores que ficam anos, onde chegam a subir e descer de divisão mais que uma vez (exemplo recente e sem precisar de puxar pela cabeça: Steve Bruce no Hull City). E neste clube em particular, pode-se dizer que tem feito melhor que todos os seus antecessores desde...o século passado!
Este é mais um vídeo onde se vê como os adeptos e os cânticos em seu louvor têm seguido Carvalhal nesta aventura. Desta feita foi em Rotherham, no fim-de-semna passado, onde o treinador português obteve mais uma vitória por 2-1. O Wednesday foi campeão de Inglaterra quatro vezes, a última delas em 1930, e cinco anos mais tarde levantaria também a sua terceira FA Cup, que também foi até hoje a sua última. Contudo conseguiu manter-se várias décadas entre os grandes, e chegou mesmo a conquistar uma League Cup em 1991, e participou algumas vezes nas competições europeias. Sheffield divide paixões entre os "owls" e um outro emblema também em tempos ganhador: o Sheffield United, que agora anda pela League One, um escalão mais abaixo. Esta cidade era considerada "a fábrica do Reino Unido", ou ainda "a capital do aço", desde o período que se seguiu à Revolução Industrial, e até à falência do sector, que é no fundo igual a todas as falências, que eventualmente se seguem a anos de decadência, e nem nós próprios escapamos à regra: hoje feitos de aço, amanhã começa a aparecer a ferrugem, e quando mal damos por isso, a fábrica "fecha de vez". Após a despromoção da Premier League em 1999/2000, o Wednesday não mais voltou ao convívio dos grandes, chegando a ter duas passagens pelo terceiro escalão, e o melhor que conseguiu foi o 9º lugar no Championship em 2006/2007. Isto vale por dizer que o clube está neste momento mais perto da divisão principal desde que foi despromovido, já lá vão quinze anos. E aparentemente graças ao contributo de Carvalhal, pelo menos em grande parte.
Como se pode ver pela apresentação da sua página pessoal, Carvalhal preocupou-se com a imagem, apresentando-se como um "internacional man of...uh...coaching". Pois. A julgar pelos vídeos é também um autêntico cavalheiro, e nem os ingleses vão querer meter-se com ele, "prubábli" - um verdadeiro anti-Mourinho. Eu confesso que me enganei a respeito da ida de Carvalhal para o futebol inglês, e ainda bem que me enganei. Não sou nenhum "velho do Restelo", mas regi-me apenas pelos números e pela história, e nunca pensei que a ida do contingente luso para Sheffield (Carvalhal levou os atletas Marco Matias e Lucas João, que se juntaram a Filipe Melo e José Semedo, que transitaram da época anterior) fosse ter sucesso, ainda por cima com este destaque. De repente, e se a memória não me atraiçoa, só Mourinho triunfou na velha Albion, e Paulo Sousa teve passagens mais ou menos discretas pelo Leicester e pelo QPR. Sem "gimmicks" de ordem alguma, Carlos Carvalhal mete os exigentes adeptos ingleses a cantar para ele. Qual o truque? "No trick. Everything step by step" - como diria o nosso Carvalhal, que é o "Oakfield" mais conhecido dos britânicos.