quarta-feira, 15 de abril de 2015

The Last Temptation of Alexis


Alexis Tam foi na semana passada à AL apresentar as LAG para a área Assuntos Sociais e Cultura para o que resta de 2015, mas isso é secundário: Francis Tam foi à AL. Não foi surpresa que lá tenha tratado toda a gente por "tu", pois não seria de esperar outra coisa de quem foi porta-voz do Executivo durante quatro anos, mas o grande destaque foi para a lufada de ar fresco que trouxe ao debate das LAG. Vendia qualquer coisa ele, desde salpicões a metros ligeiros, enquanto cantava e encantava - sem cantar, que é uma das qualidades que lhe faltam. Uma das duas, atenção! A outra é voar. Nem de propósito se marcou a data da semana depois da Páscoa para que o secretário fosse plantar as sementes e polinizar a tutela que tem dado muitas dores de cabeça ao Executivo, e tirar a cartola os coelhos ressuscitados da prestação de serviços essenciais - a população de Macau quer usufruir de um sistema de saúde o mais próximo possível do gratuito, e ainda com qualidade, um outro de educação que ensine mais qualquer coisa que ler, escrever e contar, equipamentos sociais para crianças e terceira idade, e ainda entretenimento sem descurar a sua vertente cultural. Esta gente deve pensar que estamos no paraíso segundo as Testemunhas de Jeová, com certeza, mas Alexis Tam vai tentar pelo menos que não chegue o Apocalipse, e já tomou mesmo medidas, algumas até bastante...melhores que nada. Olha, decidiu "decidir", e como dizia o poeta, "decidir é preciso".

A decisão de substituir o director do Hospital Conde S. Januário decorre numa altura um tanto ou quanto tardia, precipitada e curta. Primeiro, como pode ser "tardia" e "precipitada" ao mesmo tempo? Peca por tardia porque o S. Januário atravessou década e meia de decadência sem que se tivesse mexido uma palha que fosse, e é precipitada porque surge exactamente numa altura em que - e pasme-se - o atendimento, acessos, tempo de espera e uma ou outra valência começavam a apresentar algumas melhorias. Claro que haverá quem discorde, que no outro foi lá e esperou dois dias, outro dirá que foi atendido em cinco minutos, ou outros ainda que vão achar aquela a pior morgue onde alguma vez ficaram. Tenho ouvido ultimamente mais apreciações positivas do que negativas, e se querem que vos diga, o tempo de espera na urgência do Hospital Kiang Wu começa a deixar de compensar o preço que se paga em comparação com o hospital público. A própria queda do Kiang Wu em termos de qualidade tem sido outro daqueles "mistérios do arco-da-velha" de Macau, pois com o dinheiro que recebe de fundos públicos devia já ter pelo menos encontrado a cura para o cancro. E para o casamento.

Esta súbita e implacável mudança de gestor foi aparentemente baseada num estudo realizado num período de 100 dias que concluiu que o "estrangulamento" do número de pacientes se deve exactamente ao tempo de espera no Hospital Conde S. Januário, e não nos Centros de Saúde em cada freguesia que encaminham para lá os utentes. "Sim, mas..." no primeiro caso, e "tá mas é tudo maluco" no segundo - a última vez que fui a um Centro de Saúde fazer uma colheita de sangue era o nº 200-e-qualquer coisa, que era ainda menos que o número de pessoas que tinham marcado exactamente para mesma hora. Sim, sem dúvida que isto de ficar doente ao mesmo tempo que outros beneficiários do sistema de saúde gratuito é uma chatice, mas está longe de ser uma coincidência. O "mas" a que me referi não era propriamente este último, e sim um muito mais óbvio: a falta de um segundo hospital público, uma daquelas coisas que tem ficado para as calendas gregas, que em alguns casos têm morrido na sala de espera, coitadinhas. Ah...calendas são datas, pois...ah é isso, estava a confundir com "cadelas". Peço desculpa, e nem se a veterinária do sr. secretário, e nem Fong Chi Keong nos ajudou a esclarecer a dúvida. Isto do segundo hospital público, que em princípio seria construído na Ilha da Taipa, tem tido exactamente no "construído" o seu maior impedimento. Não porque falte quem o construa, mas porque falta o...bem, esse também há mas "é deles", que quando ficam doentes não vão com toda a certeza ao hospital público. Era o que faltava.

Depois há ainda a questão dos profissionais, os médicos, pois não chega ter o hospital se for para ir lá ficar o dia inteiro de roupão e chinelos a ver televisão, beber água, falecer e tudo isso sem ter lá alguma ordem na casa, com pessoas que assinem a declaração de óbito e dêem aquilo pelo menos um aspecto de coisa séria, que valha as sucessivas derrapagens orçamentais que depois ninguém explica. Aqui Alexis Tam diz-nos que vai fazer aparecer o segundo hospital, e se ele diz que vai, vai mesmo, portanto o melhor mesmo e começar a olhar com mais atenção para cima quando se anda na rua. O problema mesmo vão ser os médicos, e aí é que Alexis Tam diz que a RAEM "não tem capacidade para contratar os melhores médicos", o que nem sequer muita importância: em vez de médicos que tenham uma taxa de sucesso entre os 90 e os 100%, pode sempre optar por aqueles com 80-90% de pacientes que escapam à sua oops! indiscrição. Estranha-me no entanto não existir problema em comprar equipamento hospitalar de topo de gama, que depois em muitos casos fica na dispensa por falta de técnicos que saibam com ele operar.

O que poderia mudar era a situação dos vales de saúde, e mudar para que instância? Nenhuma, acabavam com eles simplesmente. Se por um lado os cheques atenuam em parte e durante um certo período as dificuldades financeiras de algumas famílias mais numerosas ("por um lado","em parte","um certo" e "alguns" também não tem uma força por aí além) os cheques são nada mais que uma rolha para calar a boca dos queixinhas. Se calhar é por isso que usam os tais vales para tudo menos para limpar os dentes, que se calhar era uma coisa que até estavam a precisar. Quem ainda vai beneficiando dos tais vales são os médicos particulares, que podiam ser uma solução para suprir a falta na rede pública de saúde. Claro que era preciso fazer uma triagem de quais poderiam ser patrocinados pelo Governo, e não chegariam para as encomendas, mesmo assim. Mas antes de mais nada era preciso de acabar com alguma falta de vontade entre as partes se entenderem.

De tudo isto que está à volta de saúde em Macau, está um e apenas um único responsável: Lei Chin Ion, que tem exercido o cargo de Director da SSM desde 1999. A partir de 2000 tem sido sempre a cair em termos de qualidade e quantidade, muito mais neste último ponto, mas convém ter sempre a qualidade como um valor prioritário. Isto não é nada contra a pessoa do dr. Lei Chin Ion, e já tinha deixado isso claro na altura da entrevista do Dr. Rui Furtado, a que fiz referência aqui no blogue. A ficha do director das SSM não é propriamente um espelho reluzente de boa gestão hospitalar, e não querendo ser injusto, pode-se mesmo afirmar que ele é o rosto da decadência do sistema, e só se pode chamar no mínimo "bizarro" que tenha recebido uma medalha de mérito e tudo. Pode ser que não seja o único nem o principal culpado deste estado de coisas, mas daí a manter-se no cargo 16 anos e ainda ser medalhado? Reparem como nestas LAG veio dizer como "melhorou o serviço no Hospital S. Januário", e como se apresentaram melhorias após vários anos em queda livre...despede-se o director. Aqui está uma tarefa complicada para Alexis Tam: encontrar um ponto de equilíbrio entre o ser pragmático e o ser político.

Agora não na saúde mas "something like it", ficou mais ou menos confirmado que se vão construir lares da 3ª idade na Ilha Montanha para idosos de Macau, e tudo indica que essa decisão já tivesse sido feita antes de Alexis Tam assumir a pasta, e coube-lhe apenas anunciá-la. Tem-se falado muito neste tema de um ponto de vista que eu considero paternalista, errado e que não toca no essencial: vão-se mandar os idosos para fora de Macau. Se quiserem dizer que se vai "correr com eles" também podem, pois o resultado é igual, assim como destino depois do lar de idosos é comum para todos eles, e para bom entendedor já se sabe como é. Perder-se em detalhes como se a legislação vigente será deste ou daquele lado é tem tanto interesse como se dez minutos depois de morrerem lhes perguntarmos se foi mais difícil morrer lá ou aqui, e não me façam fazer piadas com a Pena de Morte, vá lá. Que os idosos saiam de Macau não é necessariamente algo de mau, mas não me agrada lá muito a ideia de fazer o mesmo com deficientes e toxicodependentes, e mete-los todos no mesmo saco. Sei que é uma preocupação extrema e improvável, mas qualquer dia fazem o mesmo com filipinos, portugueses, africanos, etc. Já começaram por meter lá os estudantes universitários para não chatearem.

E falando de estudantes universitários, estes serão um dos desafios de Alexis Tam, e recomenda-se que a sua aproximação aos problemas do ensino superior seja mais "sensível" do que a táctica do "está torto, corta-se" do seu antecessor. É que ainda vão demorar alguns anos até se verem os resultados da tão apregoada educação patriótica, que o secretário deu a entender ir mesmo para a frente, como pretendia Pequim. Engraçado como nos dias que se seguiram a estas LAG vi vários conhecidos, colegas e afins que comentavam o assunto, um tanto ou quanto apreensivos (têm filhos em idade escolar) e diziam-me com um ar aflito que "o Francis Tam disse que  a educação patriótica é uma coisa natural". E salta mais uma tradução ambígua para a mesa 5, e não exactamente que palavra ele usou, mas o que quis dizer foi a escolha era entre ter aulas de "Sinofilia" às segundas, quartas e sextas, ou tê-las às terças, quintas e sábados. Só. Eu respondi "ai é? que giro", até porque isto não é uma daquelas coisas para serem dramatizadas, tipo "cuidado com as lições da História", ou "erros do passado" e isso. É mais um pouco como quem castiga um gaiato que gamou um pacote de pastilhas na mercearia, o dono prega-lhe um tabefe e chama a polícia, e mesmo depois de já ter apanhado um "cagaço" destes vai para a esquadra ver um filme onde se ensina que aquilo que ele fez está errado. Um dia aprofundo mais este tema, agora não me apetece, mas posso ir adiantando que se o filme é sobre "amar a Pátria", com alguma sorte pode ser que seja pornográfico.

Agora as áreas onde não paira uma sombra de dúvida e incerteza: desporto, turismo e cultura. Previsões para este ano, iguais ao último e aos próximos? Mau, depende da China e boas intenções. O Desporto está entregue às associações e é o que se sabe - a RAEM só precisa de cuidar das instalações e meter os meninos num avião daqui para fora quando há provas internacionais e continua tudo mergulhado num torpe amadorismo. O turismo depende da China, ponto, e as direcções apensas continuarão a atender os telefones, a tratar dos museus, dos pandas, sei lá? Sabem que não faço a mínima ideia das atribuições da DST? Finalmente a cultura, e agora aqui a grande novidade: o antigo Hotel Estoril vai finalmente ter uso, com uma escola de música, e penso que passa  para ali o Conservatória ou lá o que é, e assim a zona da Tap Seac passa ser uma espécie de "Covent Garden" tamanho Macau. Sim, pequenino e pobrezinho, mas só em cultura, atenção.  Na segunda-feira ouvi José Rocha Dinis dizer na rubrica de Opiniões do Telejornal da TDM que o Estoril "fechou por volta de 1984" (se ouvi bem), mas permita-me que corrija já agora, pois até 1995, que penso ser a data do seu encerramento, ainda tinha aquela D. Elvira, mas tem toda a razão: foi há tanto tempo que já nem nos lembramos, e o simples facto de se ter deixado chegar àquele ponto só prova que se estava por aí a fazer "outras coisas mais importantes" - não para mim, contudo. E só falo por mim, sempre.

A adaptação do Hotel Estoril, que deve ser uma das decisões mais inteligentes de todos os 15 anos de História da RAEM - o que é preocupante, deveras - é o aproveitamento de uma infra-estrutura já existente, e ampla, até, para compensar a falta das infra-estruturas que nos prometeram e que hoje não existem, ou existem, mas têm um mamarracho em cima a vomitar dólares para o Nevada ou para as Ilhas Virgens Britânicas. Foram 15 anos para "brincar", para uns, e "acertar contas", para outros. O que se esconde por detrás destes eufemismos não vou revelar, e  não por receio, mas por não tem qualquer importância para os 15 ou 20 que se seguem, onde se vai fazer finalmente qualquer coisa, e assim preparar os restantes até 2049. Sujar, limpar, decorar, acabar - quatro verbos para aprender a conjugar. O que vamos ter no Hotel Estoril não vai ser uma alternativa para os residentes de Macau, mas num plano a longo prazo servirá para os futuros "compatriotas" de Macau. Outra vez, isto não é nem bom nem mau, antes pelo contrário. Alexis Tam terminou dizendo que "caso não cumpra o que prometeu, demite-se" - ele sabe o que diz, e essa é a única certeza que nós podemos ter. De que faz tudo ou se demite? Não. De que sabe o que diz.

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