quinta-feira, 30 de abril de 2015

Animais até demais



À saída de mais um curto período de férias fora do território, deixo-vos com o artigo desta semana do Hoje Macau, esta semana um pouco mais cedo que o habitual. Até segunda-feira.

Das recordações que guardo da infância e que comigo levarei da minha passagem pelo mundo estão certamente os anos que vivi com a minha avó paterna, e da criacção de animais de capoeira que mantinha no quintal nas traseiras da sua casa. Tomei contacto muito próximo com animais desde que nasci, e que me recorde só deixei de ter um cão já na idade adulta. Agora não tenho cão, não porque não goste de cães, mas antes pela razão oposta: gosto tanto que não seria capaz de o fazer infeliz, na eventualidade de não lhe poder dispensar a atenção necessária. Por outro lado não aceito que alguém negligencie, abandone ou inflija maus tratos a um cão ou a qualquer outro animal de sangue quente, que sinta dor, tanto ou mais que um ser humano. Assim sendo penso que qualquer sociedade que se preze deve dotar os animais de protecção legal contra a crueldade de alguns humanos, os que persistem em não dar a outro ser vivo um tratamento humanitário. Repare-se que aqui “humanitário” é no sentido de bondoso, benfazejo, e não significa necessariamente que se tenha que tratar um animal da mesma forma que se trata um ser humano. Esta é uma confusão que muitas vezes se tem feito e que tem levado à perversão de uma ideia inicialmente boa – o que inicialmente foi pensado para dotar os animais de protecção, tem sido usado pelos humanos como arma de arremesso contra outros humanos.

Esta forma de activismo é relativamente recente, datando ao início dos anos 70, pelo menos de forma organizada. A ideia partiu de um grupo de filósofos da Universidade de Oxford e ganhou rapidamente aceitação pública, muito graças às imagens fortes que ilustravam o uso de animais em experiências médicas e científicas, ou a crueldade dos abates nos matadouros ou ainda a lucrativa indústria de peles, tudo evidências de que num mundo em situação de relativa paz, existia uma espécie de “holocausto animal”, causado pela inconsciência e desprezo dos humanos, com as suas práticas supremacistas que levaram à extinção prematura de algumas espécies, bem como a danos irreversíveis nos biossistemas. Nos anos 80 o mundo falava de um tal “buraco” na camada de ozono, de uma “consciência ambientalista” e estava em marcha a reciclagem, após se perceber finalmente que retirar da mãe natureza sem dar algo em troca levaria a que os recursos fossem ainda mais escassos. E é isso que temos feito sempre, retirar da natureza aquilo que precisamos, desde os alimentos aos combustíveis fósseis, passando pelos metais, pela madeira e lá está, os produtos animais.

E são exactamente os animais a face mais visível do consumo da natureza pelo Homem. E porquê? Porque gritam, porque sofrem, porque sentem dor. Não porque eles nos dizem, é evidente, e não passa pela cabeça de ninguém que uma vaca ou que um porco se divirtam enquanto estão sujeitos a uma dolorosa e penosa matança apenas porque vão ser convidados especiais num churrasco ou num banquete dado pelos humanos. E é aqui que gostaria de regressar novamente à infância e ao quintal da minha avó, onde como já se fazia criacção de animais ditos “de capoeira”, nomeadamente galinhas, patos e coelhos. De todos os bicharocos que habitavam no quintal o cão, ou neste caso a cadela, era de longe o mais inteligente, respeitado por todos os outros, pois protegia-os dos intrusos e colocava um pouco de ordem quando as galinhas se comportavam ... como galinhas. E é aqui que eu queria: uma galinha não serve para mais nada senão para dar ovos ou para ser comida; uma galinha não pensa, não faz companhia, não nos diverte e nem sequer é um animal higiénico ou musical. Se amanhã as galinhas fossem deixadas à sua sorte rapidamente se extinguiriam, pois nem de um simples rato se conseguem defender. Já os coelhos, por exemplo, eram um caso especial. Via-os nascer, crescer, e eventualmente acabava por comê-los. Isto pode parecer horrível, mas só para quem nunca criou coelhos. Para mim o que estava no prato feito à caçadora ou de cabidela não era o animal que vi crescer ou com o qual convivi: era uma carcaça de animal destinada ao consumo dos humanos.

É claro que para se dar essa transformação convém submeter o animal a uma morte rápida e com o menos sofrimento possível, mas lá está para que é nos vamos lembrar disto para depois ir fazer comparações descabidas com o Holocausto nazi? Uma galinha que vê outra morrer não tem o discernimento de saber que mais cedo ou mais tarde o mesmo vai acontecer com ela. Não é um animal racional, ponto. Não consigo entender como é que alguém pode comparar tal e qual a morte ou o sofrimento de um animal com o de um ser humano. Se me quisesse rebaixar a pensar dessa forma perguntava a estes activistas e afins se os animais lhes agradeciam. Ai não? Ingratos, todos já para a panela. É de louvar que alguém opte por ser vegetariano, mesmo sendo discutível que no geral esteja a contribuir mais ou menos para o equilíbrio ambiental. Eu não sou vegetariano mas não tenho nem nunca tive carro, e bens vistas as coisas serei mais ecológico que qualquer vegetariano que conduz um automóvel.

O problema com as causas, e neste particular o da preservação das espécies ou do tratamento mais justo dado às mesmas peca por excesso: quem não adere começa a ser visto como um “inimigo” de quem luta – e aí está a palavra chave – por essa causa. Quando se chega a um ponto em que se respeita mais a vida de um animal do que uma vida humana, dá-se a falência do princípio inicialmente nobre, e gera-se um efeito preverso, com as pessoas que querem contribuir para um mundo melhor a afastarem-se por não quererem ser confundidas com fanáticos com queda para o terrorismo. Mesmo algo tão nobre e justo serve para que os humanos se ataquem, se odeiem, e se acabem ressentidos. E o que diriam os animais disto, se pudessem falar?

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