sábado, 4 de abril de 2015

O profeta da desgraça anunciada


O empresário David Chow é um personagem que surge referido ocasionalmente neste espaço por motivos normalmente "divertidos", muito à medida da sua "persona", um "dínamo" com pouco mais de metro e meio, mas muito pêlo na venta (e um pequeno bigode, também). A última referência que fiz ao ex-deputado foi no ano passado, aquando da campanha de Chui Sai On para a eleição do Chefe do Executivo, onde durante um jantar fez uma intervenção ao seu estilo, apelando ao CE que "se faça ouvir", dando a entender que Chui era um pouco "mole" demais para impor autoridade. O que eu penso de David Chow é que por um lado me diverte, com a boa disposição que irradia, mas por outro lado não confiava nele para me dizer as horas do dia. Não tenho queda para os negócios, nem para o mundo da alta finança e do investimento, e cheira-me que se tivesse, este seria um concorrente em que eu teria de ficar constantemente a olhar por cima dos ombros. Não é o que se pode descrever por sentimento de "amor-ódio", mas a dar-lhe um nome, seria "um olho no burro, outro no cigano cómico". Foi na condição de empresário que voltou hoje a ser destaque, ao fazer uma previsão algo tenebrosa do futuro de Macau em matéria de finanças: se as receitas do jogo continuam a cair, o céu desaba em cima das nossas cabeças.

Para o homem que está por detrás de projectos da área do entretenimento, tal como o Landmark ou a Doca dos Pescadores, vulgo "Elefante Branco do Porto Exterior", estamos actualmente numa situação de "alerta amarelo", depois de terem saído os últimos números das receitas dos casinos que indicavam um saldo de 17,5 mil milhões de patacas de saldo. Para Chow, se este número baixar para 15 mil milhões, o Governo será obrigado a recorrer à reserva financeira, e é inevitável que se desinvista, com as concessionárias de jogo a reduzirem o contingente de mão-de-obra e a suspenderem a construção de projectos em curso, além de se acabar com o plano de comparticipação pecuniária aos residentes permanentes, ou trocando em miúdos: cheques, "moah". O empresário disse isto com a maior calma do mundo, quando para alguns esta imagem é tudo menos o que se desejaria para uma economia que depende na sua totalidade das receitas do jogo - e acho que é altura de cortar o "quase", pois parece que ninguém quer saber desses "trocos" para nada: as receitas do jogo são o base, o tronco, a cabeça e os membros da economia de Macau, e só com esse dinheiro para "tapar os buracos" da balança comercial (que deve ser a mais díspar do mundo) Macau não se transforma numa aldeia perdida nas montanhas do interior do Nenhuristão, em Longequesefarta, perto da fronteira com o Kudejudas. Nem David Chow nem nenhum de nós pode prever quanto vai ser a queda das receitas no próximo trimestre, sabendo de antemão que com toda a certeza que haverá novamente queda, neste, no próximo, e nos seguintes, pelo menos até final de 2016. Contudo não é preciso ser bruxo para adivinhar que a "red zone" delineada por ele, os tais 15 mil milhões, são uma inevitabilidade - com quedas na ordem dos 40%, o anormal seria não acontecer.

Não sei se os restantes analistas concordam com a previsão de Chow, não quanto aos números, mas quanto ao cenário pouco animador que desenhou do futuro próximo. Se há uma coisa que Macau nos ensinou foi a "esperar o inesperado", mas até agora as "surpresas" têm sido todas boas, se bem que o aproveitamento que se faz de tanta bonomia deixa muito a desejar. A reserva financeira, ou seja, o superavit de cada exercício fiscal anual, é algo que possivelmente ninguém se deu ao trabalho de calcular com exactidão, mas depois de vários anos a ouvir que em Março as receitas já superaram as previsões, que são sempre feitas em alta, deverá ser um número astronómico, com dígitos que não cabem numa linha de uma folha de cálculo. Agora, esta "almofada" imbuída em éter tem deixado os mais cépticos a dormir todas as noites o sono dos justos, confiantes que este "pé de meia" chega e sobra para fazer frente a uma crise, mesmo das mais prolongadas. Recordo-me de Francis Tam ter dito numa ocasião que a reserva "chegava para cobrir a eventualidade de um ano e meio sem qualquer receita", ou seja, Macau ficaria 18 meses a gastar sem entrar um avo nos cofres, e não ficava a dever a ninguém. E isto foi muito antes desta recente recessão, numa altura em que a subida das receitas era (ainda) superior às actuais quedas.

Mas tudo isto é um exemplo acabado da velha máxima "nem tudo o que luz é ouro", e de facto a autonomia financeira de que Macau goza é tudo menos independente. Achei sempre que andamos a pagar a demasiada gente para mandar "bitaites", mais uma prova de que o dinheiro é tanto que dá para pagar altos vencimentos a quem só fala e ainda por cima não diz nada de jeito. Quantos "face-palms" fiz eu, Deus meu, que ainda não sei como não tenho a testa em carne viva, ao ouvir esses analistas da treta com um ar muito sério a alertar para os perigos dos casinos no Japão, Filipinas, Singapura e não-sei-que-mais. Podia haver um casino em cada cidade asiática, que em circunstâncias normais Macau não perdia um centavo. Aquilo de que o jogo depende, e por inerência toda a economia, e até a própria existência de Macau é simples, e resume-se numa palavra apenas : China. Nem a China deixaria os seus "jogadores" irem jogar na Singapura ou no raio que os parta, nem Macau tem qualquer voto na matéria se Pequim decidir "fechar a torneira". Isto deixa-nos numa situação de segurança e risco de morte ao mesmo tempo, e nunca seria possível ter a primeira sem aceitar graciosamente a possibilidade da segunda. Se por um lado temos a consciência de que o Governo Central nunca deixaria Macau ao "deus-dará", por outro lado o mesmo "deus-dará" não coloca de parte a hipótese de tomar conta da China. Passo a elaborar.

O grosso das receitas, e ao mesmo tempo a "parte de leão" sem a qual o resto nem sequer serviria para assoar a ranhoca vem dos jogadores VIP. Estes "jogadores VIP" não são o Rei das Berlengas, o Conde de Talmourol nem a madrasta da Branca de Neve - não são sequer pessoas apaixonadas pelo risco, adeptas da jogatina "per si", mas sim altos funcionários e empresários corruptos, que usam a RAEM como a sua "máquina de lavar" privada, e aqui temos a fama de "lavar mais branco", como o detergente Omo. Desde que o presidente Xi Jingping deu início à "caça" aos mais abusadores, que chegaram ao ponto de nem sequer disfarçar a sua natureza de salteadores do erário público e espremedores dos centavos de orfãos e viúvas, que Macau vem acarretando com as consequências. Em retrospectiva, aquilo que agora olhamos para trás e chamamos "os belos tempos" implicavam obrigatoriamente que alguém com poderes para o efeito subtraísse de forma ilegítima vários milhões de dólares, dos quais uma parcela viria parar as mesas de jogo de Macau: ele comia, nós comíamos, todos iam para casa de barriga cheia e ainda a emitir sonoros arrotos para atestar a opulência da refeição. Mas helas, perante o risco de falência do regime, com a população cada vez mais consciente e menos satisfeita com o conceito de "equidade" do partido único e a intensificação das lutas internas no seio do próprio partido, Xi Jingping precisou de fazer apenas o que tinha que fazer: era fazer, ou ficar "feito". A agitação que teve lugar o Verão passado na RAEM, com a insatisfação a sair à rua e a fazer-se ouvir com eco no continente é um factor não despiciendo da falta de confiança do Governo Central em abrir livremente a torneira ao capital vindo do continente, mas aí está, esses foram ecos da própria situação delicada que se viveu (e ainda vive, a certo ponto) na China; sem descontentamento, não há protesto, e ninguém protesta de barriga cheia.

Agora podíamos começar a chorar sobre a diversificação da economia derramada, ou perguntar "afinal onde está o problema, que certamente há dinheiro que chegue para esta vida e metade da outra". Sim, era uma boa ideia passar esta batata quente para os filhos e para os netos, e essa conversa da "diversificação", quer dizer, não pensavam que era a sério, pois não? Quem é que ia largar a árvore das patacas, deixando lá os outros a comer à farta, e ir plantar outra coisa, para depois ficar sentado à espera que cresça? Era bom, era. Além disso é o que há: Macau é pequeno, isso toda a gente sabe, e quando cresceu foi para alargar a esfera do negócio do jogo e da sua prima direita, a especulação imobiliária. E não vale a pena perguntar onde está o porquinho de barro com as economias do jogo, o tal excendentário, o que ficou dos exercícios fiscais onde no fim não se gastou e ainda se ficou com mais dinheiro. "Porquê, acabou? Não há?" - pergunta o leitor fingindo-se de distraído. Lá haver há, mas não está disponível por "dá cá aquela crise", o dinheiro tem dono, e é todo dele. Isto do jogo não é o mesmo em matéria de negócio que uma padaria ou uma casa de ferragens: não existe a noção de "longo prazo". O dinheiro que se joga nem sempre é limpo, e no caso de Macau quase nunca é - ninguém vai pegar no dinheiro que é produto do seu esforço e apostá-lo, atirando-o ao abismo da incerteza e esperando que se multiplique "por magia". As receitas - e aqui a casa faz o que pode e o que não pode para sair por cima - são depois canalizadas para outros negócios ou aplicado de várias formas, e nem preciso de dizer que não é em leitinho para os orfanatos ou em remédios para os velhinhos. O melhor nem pensar nisso. Onde se faz dinheiro com o jogo, investe-se para fazer mais, e mais, e mais, quando a fonte "seca", arruma-se a trouxa e vai-se "espremer o sumo" numa outra paragem, onde exista gente com dinheiro, de preferência sujo, que queira, e aí está, "lavá-lo". Uma vez que o lucro atinge proporções desmesuradas, com aconteceu em Macau, não há como voltar para trás, e a paciência acaba por se esgotar, mesmo que para o comum dos mortais 1% daquele lucro seja mais dinheiro do que alguma vez conseguiria com trabalho honesto.

Aqui o jogo funciona um pouco como a droga, e nesse aspecto ambos justificam a fama de "viciante" que granjearam; assim como um traficante não vai dar descontos ou ofertas a um cliente antigo quando este se encontra "nas lonas", nem as concessionárias do Nevada vão manter a barraca aberta a lucrar "apenas" bastante só por "consideração, quando podiam pegar na trouxa e ir para outro sítio lucrar muito mais - mais que "bastante", entenda-se. É aquilo que eles chamam de "pragmatismo", que para as pessoas normais leva a seguinte interpretação: "têm tanto pragmatismo, estes filhos da puta" - "pragmatismo" aqui é eufemismo. Mas o Governo de Macau sabe disto - sabe de muita coisa, mas da sabedoria à acção parece existir um "bloqueio" que se estende para além disto do jogo - e vai por enquanto desfazendo-se em salamaleques para Pequim, e este ano pela primeira vez nos 15 anos de RAEM tomou medidas políticas, renovando o Executivo na tentativa de mostrar que leva a governação e o interesse público a sério. E ninguém diz que não leva, mas em tempos de vacas magras, e quando antes estas eram morbidamente obesas, a tendência é para para tirar delas o mais que se puder, e chupar-lhes o tutano nem se coloca como uma "possibilidade" - é tido como parvo que mnão o fizer. Não se pensa, não planifica, não há "backup plan": se as receitas baixaram por causa da China, toca a implorar à China que repense essa conduta. E nesse momento são todos mui patriotas, sim senhor. É transparente como a água da nascente que Macau não está pensado para vir, ver e viver, mas sim para vencer e desopilar daqui para fora. O que aqui falta e a forma como alguns problemas persistem, sem parece que haja vontade de os combater de raíz e assim os tentar resolver, revela a verdadeira concepção da RAEM (não de Macau) da parte de quem a governa: é uma máquina de fazer dinheiro.

Mas não é razão para entrar em pânico, colocar uma máscara de gás e de seguida soltar no ar antraz ou outro agente biológico nocivo, para depois sacar todo o dinheiro que se puder de todas instituições de crédito que encontrar pela frente. Nada disso, calma, que daqui a 50 anos estamos todos mortos e podres, quase com toda a certeza. David Chow pode estar enganado, e não seria a primeira, nem a segunda, nem a 46ª vez. Mesmo que esteja certo, não deve ser o único a ponderar a possibilidade deste cenário negro que agora nos vem pintar, e tal como toda a gente, não me resta senão acreditar que a China não nos vai deixar cair só por despeito, e ficar a fazer figas para que eles próprios se "aguentem à bronca". Sim, meus caros, se por algum motivo o regime cai (batendo na madeira três vezes), quem vier a seguir vai fazer tudo exactamente ao contrário do que faziam os seus predecessores, entretanto por eles decapitados (os que não conseguirem fugir, claro), e não vai haver vistos individuais para ninguém. E também não valia a pena, pois antes dos putativos golpistas sentarem o rabiosque no grande palácio do povo em Pequim, já estavam os "yankees" com a casa às costas a meio caminho do Nevada. E aqui por "casa" estou a incluir todo o património que aqui têm e a que possam deitar a mão, sendo o capital a prioridade, claro. É por estas e por outras que me dói o cabelo quando vejo pessoas que estão bem na vida, ganham um salário mais que decente e providenciam do bom e do melhor para os seus aderirem a movimentos do tipo "Occupy Central" com a mesma facilidade que as moscas aderem ao papel apanha-moscas. Será que não param um bocadinho para pensar que estão ali a berrar contra o seu próprio conforto, a morder a mão que lhes dá que comer? Se os movimentos têm ou não razão de ser é outra coisa, mas a não ser que tenha sido em vão que os milhares de caracteres que debitei até aqui neste "post", que juntos formam palavras, que juntas formam frases que por sua vez compõem ideias que no seu todo formam um raciocínio, apoiar qualquer tentativa de derrubar o regime, directa ou indirectamente, é o mesmo que dizer: "estou farto desta vida de contribuinte, empregado, com liquidez q.b. para cumprir com as minhas obrigações, ainda sobrar o suficiente para comprar o que gosto e viver numa casa; a indigência ou a morte - eis o meu lema".

No caso da previsão de David Chow estar correcta, não há dúvida que os grandes projectos que ficam suspensos podem tornar-se num problema, pois se Macau já é parecido com a Coreia do Norte em tantas coisas, juntam-se a essas os mamarrachos que ficam a meio da construção por falta de verba. Não menos grave será o fim dos paliativos cheques, que já são como chover no molhado, apesar de tudo. Sem os cheques-chucha para calar os bebés-chorões que se vendem por uma teta murcha vai haver...tchan tchan tchan....INSTABILIDADE SOCIAL, e isto como se sabe está para a apregoada "harmonia" do "comam e calem-se" como o oídio está para as videiras ou o calcário para as resistências das máquinas de lavar. Agora quanto à eliminação dos postos de trabalho criados pela indústria do jogo, que noutras palavras significa "despedimentos" não é preocupante, pelo menos para já. Para os residentes só vai ter impacto se chegar ao extremo dos extremos, e isso é que me preocupa, pois a corda vai partir do lado dos mais fracos: os trabalhadores não-residentes (TNR). Sem estes, quem é que vai "fazer o trabalho", que neste contexto é diferente de "trabalhar"? Sem os TNR no há ninguém para fazer dois turnos de 12 horas seguidos com um intervalo de seis nos dias de tufão, ou trabalhar aos domingos e feriados durante as semanas douradas sem receber o extra que a lei obriga o empregador a pagar. Os residentes não vão nessa conversa, nem na outra que os proíbe de ficar com as gorjetas e os obriga a despirem-se em frente ao supervisor caso este suspeite que enfiarem uma nota na cueca ou no sutimamas. Em suma: não são qualificados, não têm iniciativa, e pior que isso, não se deixam manipular. O pior é se o "lay out" chega os "croupiers", que ainda é terreno sagrado dos residentes, pois aí vão ser obrigados a optar pela única alternativa aos casinos: a administração pública - aí é que vai dar uma coisinha má ao Au Kam San. Por outro lado não fica muita gente para criticar os funcionários públicos, que no intervalo de mais uma greve em protesto pelos salários em atraso vão até ao "coffee shop" do Hotel Lisboa tomar um "ice tea", servido pela própria Angela Leong, na falta de quem mais os sirva. Aí sim, podem aproveitar para dizer mal e bater "forte e feio" no David Chow, que parecendo que não, tem culpa no cartório: sim, não disse nenhuma mentira, mas desde quando é que a verdade se troca em fichas?

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