segunda-feira, 6 de abril de 2015

Os "Bonsais"


Boas, caros leitores! Continuação de boas férias para quem está de férias, e caso contrário deixe lá isso, que se foi trabalhar isso hoje em dia é "bom sinal" - é para que veja em que estado a deixar o mundo. Pelo menos tive uma surpresa quando passei hoje pelo Consulado Geral de Portugal e, pasme-se, estava aberto! Acho que é o único dia em que isto acontece, enfim, devia ter comprado o "Mark-Six". Posto isto deixo-vos com o artigo de quinta-feira do Hoje Macau, ainda na versão PDF (p. 21), e para quem gosta desta rubrica (?) saiba que quinta-feira sai outro fresquinho, fresquinho (ainda a ver qual, exactamente). Fiquem com os anjinhos.

A arte milenar do “Bonsai” está inevitavelmente associada ao Japão e aos japoneses, mas pouca gente sabe que foram os chineses os pioneiros da técnica de cultivar árvores anãs. A prática remonta ao século VI, e terá sido importada por monges budistas e diplomatas nipónicos que se deslocavam ao continente chinês com frequência, e das 17 missões enviadas pelo Japão à côrte dos Tang entre 603 e 839, provadas pela existência de documentação, as pequenas pernadas de árvore eram como que um “recuerdo” indispensável. O próprio nome “bonsai” tem origem no chinês “penjing” (), que quer dizer “cenário num tabuleiro”, referindo-se aos pequenos recipientes onde as árvores eram plantadas e que se podiam transportar facilmente, e mudadas de lugar conforme o gosto de cada um, contando que tivessem a sua quantidade indispensável de luz e de ar fresco. O cultivo deste arbusto, do qual existem muitas espécies idênticas às árvores comuns requer arte e persistência, mas o nunca se deve confundindo com qualquer tipo de constrição ao desenvolvimento natural da planta – o “bonsai” cresce conforme o tratamento que lhe é dado, sem que se apliquem técnicas que de alguma forma possam sugerir estrangulamento, ou outra crueldade. Conta-se que um dos segredos desta cultura passa por escolher um local onde os objectos que rodeam o “bonsai” sejam pequenos, eliminando assim a necessidade da planta de se elevar ao nível do meio, inibindo o seu crescimento.

Na era moderna o termo “bonsai” generalizou-se, e diz-se de tudo o que se pode criar em miniatura. Existem mesmo os controversos gatos “bonsai”, tidos pelo Ocidente como um exemplo de maus tratos a animais, e para quem não faça disso um “cavalo de batalha” (ou “gato de batalha”, neste caso), trata-se apenas de mais uma “maluquice” dos nipónicos, equiparada talvez às melancias quadradas ou outras extravagâncias. Há quem defenda que estas modas pouco consensuais são um sinal de inteligência, ou manifestações próprias de uma cultura sempre um patamar acima das restantes. Talvez em alguns casos seja melhor mesmo continuar “atrasado” do que aderir a certas modas, quem sabe? O que não é certamente uma demonstração de cultura de espécie alguma mas que também está na moda são as “pessoas bonsai”, e destas encontramos facilmente em Macau, mesmo que não lhes seja atribuída essa designação, e que eles próprios desconheçam que partilham com os famosos arbustos essas qualidades. Isto explica-se pelo facto de ter sido involuntário e completamente acidental, e terá sido o tal segredo que leva a que os “bonsais” não cresçam ao nível dos objectos que os rodeiam que os levou a adquirir as mesmas características.

Ao contrário das árvores, a maioria das “pessoas bonsai” que encontramos em Macau são originárias do Ocidente, e por motivos de ordem histórica, Portugal é o principal exportador de “bonsais” – nunca é demais repetir que se trata de uma exportação inconsciente e involuntária, pelo que não constará da balança comercial entre os dois países. Ao mesmo tempo é como se sentissem a necessidade de se “exportarem” para cá, ou para qualquer outro local onde a pequenez não seja factor dirimente de grandes feitos, ou que mate à nascença as suas pretensões em se tornarem famosos, e que mostrem aos pais que afinal “valeu a pena” não estudar para engenheiro ou para médico, e em vez disso ir atrás do sonho. Tal como “bonsai” original é em si uma arte, são normalmente os “artistas” a espécie de “pessoa bonsai” mais comum.

Primeiro gostava de excluír desta equação os jogadores de futebol, que escolhem Macau não tanto por motivos de pequenez, mas mais por pragmatismo; o futebol de Macau pode ser o que é (ou que “não é”), mas aqui os clubes pagam. Pagam melhor? Não sei, mas pagam, ponto final. É nas belas-artes que as “pessoas bonsai” atingem toda a sua glória anã. Os cineastas, por exemplo, que em Portugal vêem as  suas ambições esbarrarem de frente com o IPACA, encontram em Macau a terra do subsídio na sua forma mais cândida, a do “toma-lá-e-depois-não-digas-que-não-apoiamos-a-cultura”. Os artistas plásticos montam ou promovem uma exposição, que por mais desinteressante ou banal que seja tem sempre a cobertura dos média, e para os próprio média o conceito de “notícia” é tal e qual como os “bonsai”: aqui tem uma dimensão considerável, lá fora há quem a pise e nem dê por isso.

É assim que neste ambiente em miniatura que os rodeia as “pessoas bonsai” não sentem a necessidade de “crescer”, de evoluir, e passado pouco tempo chegam à conclusão que afinal o seu tamanho é o ideal, e aí acomodam-se: querer crescer mais que os outros é despeito, e a certo ponto é Macau que se torna pequeno, aventuram-se de novo no mundo dos gigantes, e são recordados da sua pequenez. Macau e o mundo são como uma loja de roupa onde só existem dois tamanhos: destinado-a-ser-pequeno e maior-do-que-a-encomenda. Para quem não pode aspirar a mais do que ser um “bonsai”, que os deuses protejam este pequeno jardim à beira-China plantado, onde podem livremente florescer. E quem é que lhes vai pedir mais do que isto?



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