quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Regresso às aulas


Foto: GCS (duh...)

Teve hoje início a V Legislatura da Região Administrativa Especial de Macau, com a apresentação dos 33 deputados que cumprirão um mandato de quatro anos, até 2017 - 14 eleitos pela via directa, 12 pela via indirecta, e sete nomeados pelo Chefe do Executivo. Registam-se apenas algumas alterações em relação à IV Legislatura, com acentuação no lote dos nomeados, que têm apenas uma cara nova e uma "troca" com um dos eleitos pela via indirecta. A primeira sessão de trabalhos contou com a presença do Chefe do Executivo, Chui Sai On. Uma das poucas ocasiões em que o nosso dirigente-mor vai à AL com prazer. E por falar nisso, espera-se que estes próximos quatro anos sejam mais tranquilos para o Executivo, uma vez que 26 dos 33 deputados pertencem ao sector empresarial, e a maioria é cúmplice do Governo. A AL arrisca-se a passar de uma função de fiscalizadora para uma função de "negociadora". Desde que Chui Sai On não lhes atrapalhe a vida, eles não chateiam. Além disso o Chefe tem no elenco um irmão e um primo, que podem puxar as orelhas a quem se atrever a levantar a garimpa.

No topo da ordem de trabalhos do primeiro dia esteve a eleição do president da AL, que sairia de um dos deputados. Susana Chao foi a presidente durante as primeiras três legislaturas, e em 2009 sucedeu-lhe o histórico Lau Cheok Wa, que foi uma tremenda desilusão. O veterano da política, membro do orgão legislativo de Macau desde os anos 70, preferiu retirar-se a fazer mais figuras tristes, e acabou por cumprir apenas uma legislatura. O favorito à presidência era o empresário Ho Iat Seng, outro "monstro sagrado" da política indígena, um homem cordato, ponderado, bem-falante e com boas ligações ao governo central. Apontado em tempos como potencial successor de Edmund Ho como CE, vinha sendo falado como sucessor de Lau Cheok Wa há meses, e não se lhe afigurava um rival à altura. E quem ganhou foi exactamente Ho Iat Seng, com o voto de 30 dos 33 deputados, contra um de Chan Meng Kam e dois em branco. Aposto o rim direito que o voto em Chan Meng Kam partiu do próprio ou de um dos outros deputados eleitos pela sua lista (provavelmente um destes), e os votos em branco são de Ng Kwok Cheong e Au Kam San, os "sobreviventes" do naufrágio democrata do dia 19 de Setembro. A política a Macau é como a Matemática: uma ciência exacta.

O primeiro dia ficou marcado por uma polémica estranha. Digo "estranha" para não dizer ridícula, partindo do princípio que os 33 elementos que vão compôr a AL são gente crescida e mentalmente sã. O deputado Pereira Coutinho levantou a lebre, queixando-se de que alguns deputados mais antigos reservaram o assento que vão ocupar nos próximos 4 anos, o que deixa grupos com interesses análogos "partidos". Maior razão de queixa terão Chan Meng Kam, que elegeu três deputados com a sua plataforma dos Cidadãos Unidos de Macau, e o próprio Coutinho, que leva pela primeira vez um parceiro eleito pela Nova Esperança. Concordo quando o presidente da ATFPM defende que os elementos da mesma lista devem sentar-se juntos, para delinear estratégias e debater os assuntos do plenário, e não entendo essa coisa dos lugares marcados. Mas aquilo é a tourada ou o futebol, onde se compram cadeiras, a missa, onde as beatas se sentam à frente, ou a escolar primária, onde os meninos-bem querem um lugar à frente do quadro? Uma polémica escusada, e embaraçosa para senhores tão distintos e endinheirados. Já não lhes bastava ocupar o cargo por inerência, como ainda fazem questão de moldar a cadeira que ocupam à forma do rabiosque? Mas já que falei de escolar primária, tenho uma sugestão para os deputados que tenham a infelicidade de ficar afastados dos seus companheiros de armas: podem mandar-lhes recados num papel, embrulhado na forma de um aviãozinho. Mas certifiquem-se que o prof. Ho Iat Seng não está a olhar, senão arriscam-se a ir parar ao canto da sala com a cara em frente à parede e orelhas de burro.

Cá fora o ambiente estava agitado, com a Associação Consciência Macau a manifestar-se contra a composição do novo elenco da AL, com um caris acentuadamente empresarial. E o povo, pá? Dá vontade de dizer. O "homem da luta" foi Jason Chao, fundador da referida Consciência e presidente da Associação Novo Macau - se não é ele é Lei Kin Yun "y sus muchachos". O jovem activista queixa-se de que "a AL não representa a vontade da população", e insiste na eleiçã de todos os deputados pela via directa, bem como a eleição do Chefe do Executivo "pelo sufrágio directo e universal". Ui, cuidado com o que pedes rapaz, que ainda arriscas a que venha a acontecer. Os resultados de 19 de Setembro não são prova mais que suficiente que aqui o melhor é ninguém votar, e ficar em casa sossegadinho em vez de fazer merda? O alvo principal de Jason Chao foram os deputados nomeados e eleitos pela via indirecta, que compõem 60% do hemiciclo. Sim senhor, que a eleição indirecta foi uma espécie de renovação de contrato, e as nomeações de Chui Sai On foram algo infelizes, mas e o resto? É fácil puxar as orelhas ao selectivo colégio que elegeu os 12 deputados que representam os variados sectores do território, ou a Chui Sai On, que nomeou sete empresários. Isso faz-se numa tarde. Mas o que fazer aos mais de 50 mil eleitores, gente do povo que Jason Chao quer ver a eleger o Chefe do Executivo, que meteram na AL ainda mais empresários, a troco de jantaradas e "lai-si" de 500 patacas? Vamos de porta em porta censurá-los e mandá-los "back to school"?

Jason Chao foi um dos grandes derrotados das eleições, no conseguindo sequer constar dos 20 candidatos mais votados. Agora diz que "teve pena" de não lhe poder ser dada a oportunidade de criticar o sistema "de dentro", mas vai continuar a lutar por fora, nas ruas camaradas, com o povo pá, ele e mais uns 20 ou 30 cum camano. Como compreendo Jason Chao, e de como é alarmante que a AL se tenha transformado num clube dos empresários, mas ele pensa que mais ninguém sabe disto? Todos têm a plena consciência que Macau está nas mãos dos empresários, do capital, dos grandes interesses que limpam o rabo aos problemas sociais e acendem os charutos com as leis de carácter progressista ou outras que colidam com os seus interesses pessoais. E que tal ir com a maré em vez de remar contra ela? No fundo isto é assim um pouco como os sapatos novos: no início apertam um pouco, provocam calos e fazem doer os pés, mas ao fim de uns tempos a gente habitua-se, e quase que "salta" para dentro deles.

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