segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Cristãos em "part-time"


Ontem foi um dia especial no Vaticano, com consagração do mundo ao Sagrado Coração de Maria foi hoje celebrada perante a imagem de Nossa Senhora de Fátima, "emprestada" da Capela das Aparições em Fátima. Da retórica do costume - e sabem como sou alérgico a estas coisas - o Papa Francisco disse algo muito válido, quando apelou aos fiéis que sejam sempre cristãos, e não apenas "às vezes": "Sou um cristão às vezes ou sempre um cristão? A cultura do provisório, do relativo, entra também na vida da fé. Deus pede que sejamos fiéis todos os dias, nas coisas ordinárias", disse o pontífice. De facto é mesmo assim. Há por aí muita gente que se diz "cristã", mas depois contradiz-se com actos e condutas muito pouco dignas desse nome.

Ser cristão não é ser católico, ortodoxo, evangélico, calvinista-luterano, testemunha de Jeová nem nada disso. Aliás são essas denominações fracturantes que me afastam dos caminhos oficiais da fé, pois não acredito que o cristianismo e a sua mensagem de união e consenso sejam compatíveis com tantas ramificações partindo da dessa matriz inicial. Ser cristão é aceitar a mensagem de Cristo, um homem genial que nos deixou um rol de "tarefas" que teimosamente insistimos em não cumprir, ou em corromper. A mensagem de Cristo é boa, a sua filosofia, e não posso senão adorar o homem e a obra. As igrejas é que não, nunca.

Ser cristão, um bom cristão, implica fazer o bem, ponderar nos momentos de crise, ser moderado e humilde nos tempos de prosperidade, saber perdoar, resolver os conflitos pela via da paz, até que esta se esgote, procurar consenso entre duas partes desavindas, ser mediador em vez de provocador, estar ciente dos conceitos da partilha, de caridade, da misericórdia. E não, dar uma pataca a um pobrezinho e lavar a boca com sabão quando se diz uma asneira não chega para ser um bom cristão.

Quem se diz crente e cristão, cumpre com os rituais básicos do baptismo e da comunhão, expia os pecados através da confissão e da oração, e não perde uma missa aos Domingos e segue todas as procissões, tem que ser cristão todos os dias, e em tudo o que faz. Do que vale ser o maior sacana, um gajo mau como as cobras, um devasso e um corrupto da pior espécie, e depois fazer olhinhos de carneiro mal-morto enquanto se ajoelha nos bancos de pau da Igreja em frente a uma estátua de pau? Só pode mesmo ser um...cara-de-pau. Um carapau de corrida.

Existe uma ideia errada de que ser 100% cristão é ser parvo, ou maluquinho. Ser cristão não significa ser uma fanático que reza de hora em hora onde quer que esteja, em frente de toda a gente, ou que usa "deus isto" e "deus aquilo" em cada conversa. "Dar a outra face" não quer dizer isto, literalmente, que se alguém nos agredir devemos deixar-nos ficar e permitir que nos continuem a bater. Ser cristão em tudo o que se faz é adoptar a mesma boa conduta em todos os aspectos da vida, quer na familiar como na profissional, sem esquecer o relacionamento com os outros, amigos, desconhecidos, necessitados, todos e sempre com a mesma positividade que Jesus Cristo ensinou.

Há cristãos, e falando dos casos que conheço, católicos, que tomam atitudes reprováveis, muito pouco ou nada cristãs, optando pelo conflito quando a opção devia ser o diálogo, pela mentira quando devia ser a honestidade, pela intriga, vingança e outros sentimentos de ódio quando o que deviam escolher era a via do amor, do perdão, da compreensão. Muitos perdem-se nos labirintos da inveja, da ganância, da violência física e verbal, desprezam os mais fracos, bajulam os poderosos, e pensam que o dinheiro lhes pode comprar até um lugar no céu.

A maior parte desculpa-se com a competição, com a necessidade de ser duro, frio e calculista num mundo rodeado de mal por todos os lados, e "se eu não lhe espetar uma faca nas costas, ele espeta uma nas minhas". Nada mais errado. Não há mal que resista à tendura dos princípios cristãos, da mesma forma que um animal feroz se pode tornar nosso amigo se lhe mostrarmos que as nossas intenções são pacíficas. Não há desculpa para "suspender" o bom cristão que existe em cada um de nós, usando um botão de "on" e "off" cada vez que se entra e sai do templo. Se gostam assim tanto do Papa e vêem nele o missionário de Deus na Terra, experimentem ouvi-lo quando transmite este tipo de mensagem.

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