terça-feira, 22 de outubro de 2013

Os nossos pobres deputados, coitados


Há deputados que nem um tecto têm para morar

A notícia que está a marcar a actualidade em Macau no início desta semana é a divulgação "online" dos bens patrimoniais de detentores de altos cargos públicos, nomeadamente os deputados da Assembleia Legislativa. Olhando para os números, percebemos que os quatro ou cinco deputados mais abastados têm mais bens imóveis e outro património do que dois terços da população do território. Curioso como se faz referência ao número de anos de deputado, como se toda esta riqueza tivesse sido adquirida com a remuneração deste cargo. Fosse isto mesmo assim, e significava que os vencimentos lá no hemiciclo andam pela ordem dos cem milhões de patacas mensais. Epá, assim vale mesmo a pena concorrer ao sufrágio, e a compra de votos e a oferta de jantaradas paga-se com o primeiro cheque.

Já sei que a maioria dos deputados são empresários, e que o seu património é sobretudo resultado dos seus negócios, da participação em sociedades, empresas, etc., etc.. Só que divulgar isto assim, sem anestesia, é violento. Chega a ser pornográfico. O que vai dizer um jovem casal que não junta os trapinhos porque não tem meia dúzia de milhões de patacas para adquirir uma habitação decente, quando olha para esta lista? O que vão dizer as famílias que aguardaram anos pela famigerada habitação económica, e foram finalmente contemplados com um buraco pelo qual ainda vão ter que andar a pagar a vida inteira? O que vão dizer os ratos, obrigados a habitar o esgoto húmido e as latas do lixo, pois pedem-lhes um preço astronómico por uma toca em condições? É revoltante, caro leitor.

Chan Meng Kam é o deputado que mais património tem em seu nome: 53 apartamentos, 239 lojas, 28 escritórios, 87 lugares de estacionamento, sabe-se lá o que mais. No fim ficamos a saber que entre os cargos que ocupa está a vice-presidência das Associações de Beneficência do Hospital Kiang Wu e da Tong Sin Tong (olha que duas). Uma mera curiosidade, certamente. Nada a ver com o património adquirido pelo empresário. Quer dizer, o homem, coitado, não tem praticamente onde cair morto. Olhem bem para ele, que até arrancou o cabelo todo em desespero. Ainda bem que a nossa mui caridosa população foi votar nele em massa nas últimas eleições, pobrezinho. Temos os eleitores mais caridosos do mundo. Interessante como no Domingo a TDM transmitiu uma reportagem sobre Chan Meng Kam, que fala das suas origens humildes, da sua infância na China maoista, onde nem sapatos tinha para calçar, e de como chegou a Macau em 1980, 17 anos, cabeleira farta, e sem um tostão no bolso. Um verdadeiro "self-made man", sem dúvida. Se eu me comovesse com finais felizes, deixava uma lágrima rolar pelo rosto, mas eu não me cu-movo (eheh).

Angela Leong é um exemplo de como às vezes as pessoas falam mal só por falar. Além de mais uns bagulhos que comprou com as suas parcas economias, a sra. deputada, que ainda por cima tem o marido doente, coitada, tem 1 (um) prédio. Quer dizer, há por aí gente que tem dois televisores em casa, e famílias com três motociclos na via pública, apertados contra centenas de outros tantos, e vão censurá-la por ter 1 (um) prediozinho? Tenham dó. E vendo bem deve ser um prédio daqueles assim pequenitos, com 40 andares, 1200 fracções com mais de 100 metros quadrados cada, 800 parques de estacionamento e atirado ali para os lados do NAPE, onde nem sequer vivem naturais de Macau, e predominam chineses do continente. É preciso ter mau coração para quem vive da sua prole, e ainda tem a dignidade de declarer na internet, mostrando ao mundo quão sofrida é a sua batalha, uma mulher só neste mundo, com filhos para sustentar. Malvados. Deviam ter vergonha.

Uma curiosidade interessante desta lista é o número de cargos ocupados por alguns deputados em organizações. Chui Sai Peng, primo do nosso Chefe do Executivo, sem ter culpa disso, coitado, ocupa "cento e quarenta cargos". Isto é um trabalhador a sério, um homem do povo. Vinte e quarto horas num dia não lhe chegam para tomar conta disto tudo, pá. E já pensaram cada vez que perguntam ao homem: "ó senhor Cheong, exactamente em quais organizações ocupa V. Exa. cargos?". O homem precisa de puxar de uma cábula maior que os boletins de voto das últimas legislativas e fica quinze minutos a ler tudo aquilo. Alguém lhe traga uma cadeira, faz favor. Outro exemplo de abnegação e entrega, de sacrifício pelo bem da população de Macau é Chan Chak Mo. O homem está aqui a trabalhar para nós, longe da sua Hong Kong natal, responsável por cargos em 80 organizações, o que mal lhe deixa tempo para pregar olho. E ainda lhe apontam o dedo por querer correr com o Lvsitanvs da casa amarela, que nem sequer é dele, mas de uma tal "Future Bright", que é apenas uma das 80 organizações para que ele trabalha. Que descaramento.

E assim os senhores divulgam isto assim, sem mais nem menos, como quem não tem nada a esconder. Quem não deve, não teme. Sim, temos meia dúzia de casitas, uma lojita aqui e ali, participações em empresas, acções, investimentos no exterior...porquê? Vocês não têm? Não? A sério? E o que fazem com os salários que as nossas empresas vos pagam? Olhem que as dez mil patacas mensais que recebem saem-nos do couro. Vamos lá a ser poupadinhos, que o dinheiro não cai do céu (sim, não cai, e alguém tem dúvidas?). E não se esqueçam da transparência, que é muito importante. Como podem ver, abrimos o jogo, e isto é tudo o que nos resta depois de perdermos a juventude a trabalhar para o bem de Macau. Tudinho, tudinho, nem um pintelho nos esquecemos de declarar. Ilhas Virgens Britânicas? Não sabemos onde fica. Mas...virgens britânicas? Não têm antes umas russas ou umas brasileiras?

Uma referência final ao deputado Fong Chi Keong, o "faz tudo" do elenco desta comédia, um autêntico "Passpartout". O empresário que arregaçou as mangas e construíu a Macau moderna não tem uma casinha que seja em seu nome, vejam só. Paga uma renda absurda e ainda é mal tratado pelo senhorio. Mas não esperem, isto não pode ser verdade, e de facto não é. Segundo o próprio, trata-se de "um engano", que "é normal", pois "é a primeira vez que este tipo de relação sai na internet". Ora pois, aí está, uma saída airosa. A internet está muito verdinha, e o sr. deputado é uma velha raposa. Quem parece andar a faltar às aulas é o seu braço direito, Mak Soi Kun, que meteu os pés pelas mãos a hora de explicar porque não divulgou o seu património. Ainda tem muito que aprender com o seu mestre, mas um dia chega lá.

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Leocardo, será que podia facultar o link online destas declarações de património obrigatórias por lei? Andei à procura mas sem sucesso.

Abraço
João Monteiro