sábado, 19 de outubro de 2013

Partido por inteiro


Uma das notícias mais curiosas da semana foi a pretensão de Lee Kin Yuen, líder da Associação do Activismo para Democracia, em formar um partido político. De facto a política em Macau sofre da falta de partidos políticos. Nas eleições para a AL concorrem associações, sozinhas ou em grupo, e aquela que tiver mais associados tem também mais votos. Depois de eleitos, os candidatos dessas listas defendem apenas os interesses das associações que a compõem e dos seus eleitores, fracturando assim os princípios do bem geral e do interesse comum. A existência de partidos com um leque de interesses mais abrangente diminuia a confusão, e em vez de 18 ou vinte listas imprimidas num boletim do tamanho de um rolo de papel higiénico, teríamos meia dúzia de partidos, e algum deles atenderia certamente aos anseios do eleitor mais exigente.

Não existem partidos em Macau, mas chegaram a existir dois, em tempos idos. Quer dizer, dois semi-partidos, paridos pela revolução de Abril, e que existiram apenas até à alteração do estatuto de Macau para “território chinês sob administração portuguesa”. A China não olharia com bons olhos para a existência de partidos em Macau, que poderiam constituir uma ameaça para o a hegemonia indisputada do partido único. E mesmo assim existem tantas facções dentro do Partido Comunista Chinês que valem quase por dez partidos, cada um a puxar para si o lençol do poder. Imaginem o que seria se os sectores tradicionais, os “kai-fong” e os operários, formassem um partido, encontrando assim uma convergência que abrangesse todo o seu eleitorado, e ainda lhes trouxesse mais algum com a nova imagem de solidez e unidade. Iam andar ao estalo para decidir quem ia assumir maior protagonismo. Reparem na quantidade de listas concorrentes às últimas eleições que se diziam reprentantes dos operários. Além da UT da sra. Kwan Tsui Hang, a única levada a sério, haviam mais três ou quatro, encabeçadas por indivíduos estranhos, cada um mais maluco que o outro.

Quando este Lee Kin Yuen, quem nem mil votos obtém nas eleições, pensa em formar um partido, só pode estar a sonhar. Se calhar ouviu falar disto na televisão e quer imitar. Seria a mesma coisa que um tipo que olha para o McDonald’s a abarrotar de fregueses e pensa ele próprio em abrir um restaurante, apesar de não saber estrelar um ovo, ou de que lado ficam os talheres. Formar um partido político não é o mesmo que registar uma sociedade, onde o único requisito especial é que não exista outra sociedade com o mesmo nome ou semelhante. Um partido requer uma ou mais matrizes ideológicas concretas, que não difiram muito nos princípios elementares, a criação de bases, uma hierarquia estabelecida, um objectivo comum dos seus elementos, uma unidade, aquilo que se chama “camaradagem”, um líder que é eleito por todos os membros e depois aclamado. Mesma que exista uma oposição interna, esta respeita a orientação estabelecida pela liderança. Agora imaginem que os sectores ditos pró-democratas de Macau formavam um partido, e Pereira Coutinho era eleito secretário-geral. Paul Pun, Agnes Lam e o Novo Macau batiam logo com a porta, e o próprio Lee Kin Yun ia formar o seu partido, onde mandasse só ele.

Não podia terminar sem referir o nome que Lee Kin Yuen escolheu para o seu partido: Partido dos Trabalhadores. Ahahahahah. Assim de repente lembro-me de dois com o mesmo nome, o partido único na Coreia do Norte, e o PT brasileiro. Não creio que Lee tivesse em mente o regime norte-coreano quando cunhou este nome, e não é lá muito parecido com Lula da Silva, e muito menos com Dilma Rousseff. A ideia de um partido em Macau agrada à maioria, mesmo que não saibam muito bem o que isso é. Ao contrário de um braço ou de um copo, a palavra “partido” no contexto da política soa bem. Ouviram dizer que pertencer a um partido “dá massa”. Na improbabilidade de existirem partidos em Macau, como se chamariam? Existiriam dois grandes partidos: Partido do Dinheiro (e da Harmonia), ou PDH, neo-liberal, assumidamente de direita, onde se incluiriam os empresários, casinos e outros sectores comerciais, e o Partido da Harmonia (e do Dinheiro), ou PHD, que abrangeria os operários, os sectores sociais, funcionários públicos e restantes esquerdistas. E qual seria o vencedor? Quem pagasse mais jantaradas e distribuísse mais “lai-si”, ora. Esqueceram-se que estou a falar de Macau? Seja com partidos ou com inteiros, a política aqui “sã assim”.

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