sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Gente feliz com lágrimas


Fez-se recentemente um estudo sobre o nível de felicidade da população do território. Gosto deste tipo de inquéritos, e só é pena que não se realizem mais no sentido de apurar o que quer a nossa gente, o que ambiciona, quais os seus anseios. O resultado foi o que se esperava: os mais pobrezinhos são felizes porque não são muito exigentes, a classe alta não se queixa porque a vida lhe corre bem, e é quem está no meio, o tal “mexilhão”, que se lixa, como no jargão que todos conhecemos tão bem.

A classe média, designação que custa a sair em Macau, é a que mais se queixa da sorte. E quem é exactamente a classe média? Gente que aufere entre 15 e 30 mil patacas mensais, funcionários públicos ou técnicos com ou sem formação superior, a maioria com menos de 40 anos de idade. Um segmento onde eu próprio me incluo, sendo residente permanente de Macau há quase 20 anos. Isto é gente que tem dinheiro que chegue para viver, mas que actualmente sofre com a crescent inflação e com a especulação que grassa no mercado imobiliário, e que lhes impede de adquirir habitação própria, o que era bem mais fácil até há 10 anos.

É paradoxal que quem viva com menos dinheiro ou tenha obtido menos habilitações seja mais feliz que este segmento médio da população, mas é claro que tudo depende das expectativas e da própria ambição. É normal que quem mais tenha investido na sua própria formação e não consiga almejar a uma qualidade de vida muito melhor do que quem não o fez sinta uma certa dose de frustração. Afinal em Macau o mérito é premiado ou não? Para quem não tem as “costas largas” ou não nada nas mesmas águas da elite que domina os principais sectores económicos do território, obter uma formação superior que lhe permita competir por um lugar ao sol é irrelevante: não se premeia o mérito, pelo menos em termos de gratificação pecuniária. As regras do jogo cortam-lhe as pernas à partida.

É complicado para um jovem de vinte e poucos anos adquirir habitação própria, um “must” para poder reclamar a sua independência e considerar a possibilidade de começar uma família – uma família macaense, da RAEM que se quer um exemplo no âmbito do princípio “um país, dois sistemas”. Resta-lhes depender dos pais, que puderam adquirir uma ou duas fracções antes da “lei da selva”. Um apartamento considerado “decente” não custa menos de 4 ou 5 milhões de patacas, e actualmente os bancos só emprestam metade desse valor, ou menos, garantindo que não ficam com um “elefante branco” nas mãos. Longe vão os tempos em que as instituições de crédito financiavam qualquer delírio.

Não é surpreendente, portanto, que seja esta fatia da população que se sinta infeliz. Feito o esforço para fugir ao grupo dos “pobres”, assim evitando a subsídio-dependência, é mesmo chato olhar para cima e ver os os mais endinheirados, muitos deles de Hong Kong ou do continente, adquirir o “pedaço de céu” que a ladaínha do “Macau governado pelas suas gentes” lhe prometeu em tempos. Não estar feliz não significa necessariamente que se esteja infeliz. Na maior parte dos casos significa andar com um amargo de boca, e com a sensação que se foi enganado. E quem os pode censurar?


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