sábado, 23 de fevereiro de 2013

Foi sem querer


A polícia transporta pelos membros o activista Jason Chao, um tipo com um ar verdadeiramente ameaçador.

Wu Bangguo, presidente da Assembleia Nacional Popular e nº 2 do Governo chinês esteve em Macau esta semana por altura do 20º aniversário da Lei Básica, a mini-constituição que é o garante do segundo sistema na RAEM. A visita decorreu sem sobressaltos de maior até quinta-feira, ultimo dia de Wu no território, quando a Polícia Judiciária deteve três activistas, dois que tentavam entregar ao político chinês uma carta onde pediam o sufrágio directo e universal no país, e outro que filmava os primeiros. Até aqui tudo normal, mas a certa altura a pintura ficou borrada quando alguns agentes à paisana arrancaram das mãos dos jornalistas uma cópia da carta, um acto que foi visto como um atentado à liberdade de expressão e de informação que a mesma Lei Básica consagra – irónico, é o mínimo que se pode dizer. O jurista António Katchi afirmou ontem à Rádio Macau queos agentes da PJ podem ter mesmo cometido o crime de coacção.

Os manifestantes eram os nossos conhecidos Jason Chao, do Novo Macau Democrático, e os rapazes da Associação do Activismo para a Democracia, Lei Kin Yun e Ng Sek Io. Os suspeitos do costume. Para eles o dia ficou ganho, pois foram detidos, fotografados e espernear e enfiados na viatura da polícia, e tudo isso que implica essa nobre arte do activismo. Apesar de Jason Chao ter afirmado que estava a filmar Lei e Ng “na qualidade de jornalista” e todos terem contestado a detenção, já sabiam muito bem que não seria simplesmente chegar perto de Wu, entregar-lhe a cartinha e ainda apertar-lhe o bacalhau, com o dirigente chinês a agradecer a atenção. O que aconteceu a seguir foi o bonus que certamente não estariam à espera; a gaffe das autoridades gerou certamente uma onda de “high-fives” entre os activistas pró-democracia.

E foi mesmo disto que se tratou, uma “gaffe”, ou “excesso de zelo”, chamem-lhe o que quiserem. As opiniões, mesmo as mais conservadoras, são no sentido que a polícia errou – é apenas senso comum. Talvez por isso a PJ divulgou ontem uma nota à imprensa pedindo desculpa aos jornalistas, prometendo ainda averiguar o sucedido. Ao contrário de outras situações semelhantes mais, digamos, “fracturantes” (o caso do agente que disparou cinco tiros no 1 de Maio em 2007, por exemplo), as autoridades ficaram sem uma base de apoio que lhes permitisse justificar seja o que for. Ficou feio arrancar papéis da mão dos jornalistas. E logo quando se comemora o aniversário do documento que garante que este tipo de coisas não aconteça. Domage!

Fico um pouco sem perceber muito bem a imagem que Macau quer passar quando se cometem estas extravagâncias em nome da “segurança”. Já a proibição da entrada no território de alguns académicos, jornalistas e activistas de Hong Kong por “razões de segurança interna” deixa algumas dúvidas. Será que a RAEM quer mostrar à mãe China que é um filho bonzinho e obediente, ao contrário dos seus irmãos rebeldes de Hong Kong? Serão alguns dos sermões que nem a própria China encomendou uma prova de “amor à Pátria”? É isto uma forma mais velada de dizer “estamos convosco, vão em frente”? É difícil entender a motivação, uma vez que é um dado adquirido que no segundo sistema temos direito a escrever e dizer o que nos apetece, pensar de maneira diferente, discordar e até de nos manifestar-mos. Penso mesmo que este incidente deve ter deixado o próprio Wu Bangguo a revirar os olhos e a pensar: “qual foi a parte da Lei Básica que não entenderam ainda?”.

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