Texto
publicado na edição de ontem do Hoje Macau, e aqui reproduzida. Mias uma vez um grande abraço à malta do Hoje, e bons feriados!
A falta de espírito crítico e de vontade de participação cívica dos chineses de Macau é impressionante. Às vezes penso que estou metido num filme de zombies verdadeiros, daqueles que em vezes de “brains” querem iPhones, carros, férias, a papinha toda feita. É mais fácil encontrar os oumunyan no lançamento da última edição de selos ou notas comemorativas de qualquer coisa do que no protesto contra uma atrocidade ou disputa territorial. Interessa apenas aquilo “que dá dinheiro”, que nunca é demais, e nada de confusões, atritos, disputas ou qualquer coisa que seja objecto de discórdia ou pontos de vista divergentes.
Para isso basta ver a reacção dos indígenas aos temas da moda. A última fricção com o Japão por causa das ilhas Diaoyu não merece quaisquer comentários. Os fogos de artifício do próximo Sábado, integrados no Festival de pirotecnia e da responsabilidade do país do sol nascente, foram cancelados. Talvez para não ofender sensibilidades. Se calhar era “perigoso” deixar os nipónicos entrar em território chinês com explosivos, nunca se sabe. Mesmo assim em Macau reina a calma; os Toyotas e os Hondas continuam a circular nas ruas, as fotografias continuam a ser tiradas com máquinas da Canon e os filmes realizados com câmaras da Sony. Os restaurantes japoneses continuam cheios e as lojas da Daiso não se ressentem da última onda de animosidade contra o Japão.
Os tais oumunyan andam um bocado tristonhos por não ser agora muito politicamente correcto ir de férias ao Japão. Os pacotes turísticos para este país são normalmente os mais concorridos, e os locais pelam-se por ir às compras em Tóquio ou em Osaca. Mas será que esta crise os incomoda? Nem por isso, viram a cara e entretêm-se com outra coisa qualquer. Pode ser que a maluquice passe um dia destes e lá podem ir eles beber outra vez o leitinho de Hokkaido. Por enquanto compram-se os pacotes para a Coreia ou para Malásia que também são muito “giros”, e depois logo se vê.
É um pouco assim em quase tudo. Não falar, não comentar, e sobretudo não reclamar. Existem muitos temas tabu. Por exemplo, quando da prisão do ex-secretário Ao Man Long, a conjugação destas três palavras juntas passou a ser proibitiva. Bastava dizer “Ao Man Long” em qualquer sítio que rapidamente surgiam indicadores em riste à frente do nariz a fazer “shush!”, não vá algum espião estar a olhar e fazer queixinhas ao chefe. Basta observar algumas recomendações emitidas por alguns serviços públicos, que advertem os seus funcionários a não aderir a actividades “pouco saudáveis”, como seja protestar ou participar em manifestações. Não há nada mais “preto” do que ficar “queimado”, e muitos pensam a atitude contestatária os pode condenar até à quarta geração – no fundo idêntico ao que aconteceu com Ao Man Long, amaldiçoado desde os primos afastados até aos tetranetos.
Assim como não se podia dizer Ao Man Long, também em tempos não se podia dizer Pan Nga Koi (ou Wan Kwok Koi, conhecido por “dente partido”, o líder da seita 14 quilates) ou mais recentemente Bo Xilai, o político chinês caído em desgraça. Qualquer menção destes nomes serve para dispersar um grupo de convivas, com receio que algum deles seja um bufo, e denuncie alguma posição mais polémica ou divergente da restante carneirada – que só sabe ficar calada, no fundo. Ter uma opinião formada significa ser um “rebelde”, um “mau patriota”, uma pessoa problemática, um grão de areia na engrenagem daquele conceito que vigora em Macau, o da “harmonia”.
Isto tem tudo a ver com a educação, de influência confuciana, que ensina a ter respeito primeiro pelos pais, depois pelos professores, e finalmente pelos chefes e pelos dirigentes, que “têm sempre razão”, que os benza o Buda. Isto tudo temperado com um cheirinho de quartel e de lápis vermelho, que vigorava durante os antigos tempos do colonialismo puro e duro, e o produto final desta caldeirada só pode ser mesmo um ente obediente, previsível e curvadinho, sem opinião própria e mais preocupado com a sua qualidade de vida – que nem é grande coisa, diga-se de passagem. Se tiverem mesmo alguma razão de queixa, sempre podem votar no Novo Macau Democrático – sempre secretamente, claro – , que esses “malucos” vão lá fazer barulho por vocês, que é para isso que são pagos. E vai sendo assim mesmo, com a anuência do povão, que não está para se chatear.
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