Nunca simpatizei com Charlie Sheen, actor que pertence a uma geração de onde o maior exemplo de sucesso é Demi Moore, e nem passei a gostar mais dele depois daquilo que vou mostrar a seguir. Sheen não me convence por razões puramente artísticas: é um actor mormente de comédia, mas não tem lá muita piada. A película de 1990 "Hot Shots" (em português "Ases pelos ares", oh oh oh) é possivelmente uma hora e meia perdida da minha vida que lamentarei no meu leito de morte, mas pasme-se, fui ver ao cinema porque um amigo meu me garantiu ser "hilariante". O problema deve ser meu, realmente, que devo ser demasiado obtuso para entender a comédia em Charlie Sheen - em 2010 era este o actor mais bem pago da televisão norte-americana, devido ao sucesso de uma "sitcom" que dava pelo nome de "Two and a half men", que lhe valeram várias nomeações para os Emmy e Golden Globes. Só que isto de ser talentoso e rico "não chega" para Sheen, que viu a carreira desmoronar-se graças ao abuso de álcool e drogas, com acusações de violência doméstica pelo meio, que lhe valeram a rescisão do contrato com a CBS. Tido como um exemplo do que "não fazer" quando se fala em sexo seguro, o actor anunciou em 2015 que era seropositivo, e que sabia ser portador de HIV desde 2011. Aparentemente tudo isto faz com que Charlie Sheen não tenha o direito a abrir a boca, ou emitir qualquer opinião, mesmo que "só a brincar". Como neste caso, que deu que falar:
"Trump next" - "Trump o próximo", ou "Trump a seguir". Posto assim nestes termos, nada de grave, mas o contexto em que é feita esta chamada ao presidente eleito dos Estados Unidos é a morte do artista, e usando agora o termo "morte" no sentido literal, Sheen referia-se à mais recente razia no mundo artístico, que na mesma semana registou o desaparecimento do cantor George Michael, da actriz Carrie Fisher, e da mãe desta, a também actriz Debbie Reynolds, que faleceu no dia seguinte à filha. Dramático. Naquilo que muitos podem entender apenas como um simples desabafo, Sheen sugere que a próxima celebridade a quinar bem podia ser Trump, e atendendo ao estilo de vida que o actor leva e a que fiz referência no primeiro parágrafo, duvido que seja uma pessoa religiosa, e não estaria a apelar a Deus que "limpasse o sebo" ao próximo ocupante da Casa Branca. De mau gosto? Bem, levando a coisa um bocadinho a sério, até concordo, mas...
...não me peçam para atingir este nível de indignação. Estes são alguns dos comentários mais "leves" de entre os muitos milhares deixados nas redes sociais entre quinta feira e hoje, reprovando o "tweet" de Charlie Sheen. Talvez estes sejam mais contidos por se tratarem de seguidores do actor, e se repararem na sua entrada inicial, foram registados mais de 100 mil "likes", possivelmente de pessoas que deram às palavras de Sheen o valor que têm: entre "relativo" e "nenhum", e não de pessoas que querem ver Deus a matar Trump. Quanto ao "resto", bem, desconfio que nesta operação de divisão, estamos perante uma dízima infinita:
Ah, o Breitbart, aquele "site" que se diz "independente", e solto das "amarras do politicamente correcto" impostas pelas "elites globalistas", ao serviço das "grandes corporações" - das outras, que não aquelas que comercializam as porcarias que se vêem na página inicial do "site" do Breitbart, publicitadas de forma tão evidente que eu quase chamaria de "pornográfica". E o que diz este repositório de "verdades alternativas", esse novo eufemismo para designar a comum mentira? Ah? Que Sheen "calls on God to kill Donald Trump"? Estas duas palavras da língua inglesa, "calls on", pode ter diversos sentidos, desde "convocar", "chamar", ou "apelar". Dando aqui o benefício da dúvida ao Breitbart (não devia, mas pronto, estamos na quadra natalícia), suponho que quisessem dizer "apelar". Não posso é deixar de detectar naquele cabeçalho uma leve nota de "certeza absoluta", como se Deus fosse uma figura deste presépio do disparate. Mas enquanto o Breitbart e quejandos dão o mote, a América profunda(mente retardada) prossegue com a sinfonia dos enganos, em urro maior:
Barbara Messer, que destila indignação de cada um dos cabelos grisalhos e encaracolados que lhe cobrem o focinho (é o que me dá a ver a fotografia, queriam o quê?), acha que Charlie Sheen "devia ser preso". Viva a liberdade de expressão! Viva a América! Sabem onde é que sugerir que um alto dignitário de uma nação "devia morrer" dá direito a prisão? No Irão - ou nem isso! Curioso como ninguém foi preso, interrogado ou inquirido quando Hillary Clinton foi acometida de uma pneumonia no período antes do início da campanha, e muitos "Trumpistas" a davam como morta, ou tinham sonhos molhados com a perspectiva da candidata democrata ficar cadáver. E já para não falar do verdadeiro festival de lavagem de roupa tão imunda que nenhuma marca de detergente ousou patrocinar, que envolveu detalhes da vida íntima de Hillary Clinton e da sua família. Isto por falar em "big mouths" que desempenham a mesma função do recto. Mas isto "melhora", querem ver?
Jan McNall acha que o "tweet" de Sheen devia ser "crime de ódio" - "hate crime". Uhh...crime, uma palavrão tão feio que nem se deram ao trabalho de arranjar palavras distintas nos idiomas inglês e português. A figura do crime de ódio, segundo o nosso Código Penal, tem como finalidade punir quem ataque "pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, religião, sexo, orientação sexual ou identidade de género". Ora bem, quer o malucão do Sheen, quer o não menos mentalmente salubre do Trump são brancos, norte-americanos, do género masculino, tarados sexuais e têm como religião o dólar, e não sendo o presidente eleito um "grupo de pessoas", não, não encaixa. Paciência. Gostava de saber onde é que parava a indignação da sra. McNall no momento em que Trump incluiu no rol das suas promessas eleitorais o "escrutínio rigoroso à entrada no país" de um determinado grupo religioso, ou durante as suas muitas tiradas de misógino militante e assumido. Quem sabe se ela também considera que "by the pussy" é como as donzelas devem ser "grabbed"? Sim, porque o Donald "apalpa-as para ver se estão maduras" Trump pode ser muita coisa, mas pelo menos não é...
...SIDOSO! BANDIDO! SODOMITA! Desculpem, mas deve ser contagioso. Não entendo bem se a Christie Cottrell quer dizer que o Charlie Sheen "não tem moral para falar" porque é seropositivo, ou se o facto de ter sido infectado com HIV torna a sua sugestão quanto à morte de Trump um paradoxo. Enquanto George Michael, Carrie Fisher e Debbie Reynolds foram desta para melhor e não eram portadores de HIV, o bom do Sheen anda aí para as curvas. Pois é, a SIDA já não é uma "sentença de morte" como foi até há 20 anos - sabia disto, minha senhora? Claro que não, nem disto nem de muitas outras coisas, aparentemente. A juntar à costumeira tentativa de homicídio de carácter muito comum nesta gentinha, há ainda o "rigor informativo" que os caracteriza, bem patente naquela deturpação do comentário do actor que podemos ver em baixo na imagem. Charlie Sheen NUNCA escreveu "Please God, kill Donald Trump", mas apenas "Dear God: Trump next, please!". Ai é "a mesma coisa"? Considerando que o autor da gracinha é Herman Cain, presidente do Federal Reserve Bank de Kansas City, republicano, candidato à nomeação do seu partido nas primárias para as presidenciais em 2012, e elemento do "Tea Party" (um tipo "do povo", e nada corporativista, portanto), não é bem "a mesma coisa". Se calhar o sr. precisa de óculos. Ou de alfabetização urgente.
Na mesma bitola temos um tal site que dá pelo nome de "Smokeroom", uma outra daquelas "fontes alternativas" de informação, e que conclui das palavras de Sheen que o actor "quer Donald Trump morto". Ó ié, má da foca! O Sheen não tem que querer ou não, pois mais cedo ou mais tarde a natureza encarrega-se de fazer o Trump voltar à forma de matéria orgânica de onde inicialmente partiu. Sim, meus caros Trumpistas, pode ser que esta constatação vá cair que nem uma bomba nas vossas áridas cacholinhas, mas Donald Trump...NÃO É IMORTAL! Lixado, uh? Não prendeu a Hillary, é improvável que construa aquele muro ridículo que tanto apregoou, e agora isto? Não passa de um mero e comum mortal? Digam lá se não estão a começar a ficar arrependidos? E o que dizer do comentário da Ellen Rister, ali em cima na imagem? Não vale a pena a malta chatear-se com as bocas do tipo; a SIDA ou "um dos homens e mulheres que ele infectou" encarregam-se de lhe limpar o sarampo. Nada mau, exteriorizar o descontentamento com um comentário que sugere que uma entidade divina cuja existência é improvável devia tirar a vida a alguém com outro comentário sugerindo que uma doença real e pessoas de carne e osso o façam. Isso é que ia ser irónico cumó caraças, pá. E para quem pensa que a idiotice se cinge à língua de Shakespeare na sua norma transatlântica, desengane-se, pois...
...em português "coum xôtaqui" também há, pôxa vida! Bumba meu boi, desculpe o auê, nossa, nossa, assim você me mata. Com toda a certeza que a boçalidade na sua forma mais bruta (e burra) se traduziu em todos os idiomas um pouco por todo o mundo, mas escolhi este exemplo do Brasil para ilustrar aquilo que venho dizendo desde que o cheiro a podre se começou a notar. Olavo de Carvalho, do Brasil, tira da cartola um coelho em avançado estado de decomposição na forma do conceito absurdo de que "quem não gosta de Donald Trump ou não o apoia, é invariavelmente de esquerda". A tua tia, pá! Este senhor,quer na sua página do Facebook, quer
no seu site pessoal, identifica-se como sendo "filósofo, crítico, escritor e ensaísta, um dos intelectuais mais respeitados do Brasil". Claro, e quem diz o contrário? Faltou foi acrescentar "...quando era novo e se encontrava na plena posse das suas faculdades intelectuais". Senão vejam isto:
O que é uma "regra universal infalível" é que está faltando alguém no sanatório, ó vovô. E isto é apenas uma selecção aleatória de "pérolas" publicadas por este indivíduo nas últimas 24 horas! E se ainda restam dúvidas:
Suponho que um "anti-olavette" será alguém que discorda das "iluminadas opiniões" deste evaporado mental. Da parte que me toca, obrigado - vindo de si é um elogio. Talvez a próstata do senhor tenha ficado inflamada a tal ponto que atingiu o crânio e lhe assimilou o encéfalo. Voltando ao Charlie Sheen, como é que ele reagiu a esta "quantidade de chorrilhos" (eh eh) que foram escritos a seu respeito?
Ah! Genial, apesar de não fazer com que suba um ponto que seja na minha consideração. Ao recorrer a um vocabulário tão elaborado como enigmático (o que é que "timidez" tem a ver com alguma coisa neste caso???), Sheen confunde os grunhos, com os mais lestos a retorquir prontamente "Ai é? És tu, e ainda por cima com SIDA!", e ainda termina com uma nota humorística: "Estava a falar com Deus, e não com vocês". Ora toma.
Agora como conclusão, gostaria de deixar no ar meia dúzia de questões que ficam por responder:
1) Teria sido mais grave se fosse o "tweet" da polémica fosse da autoria do Papa Francisco, e não de Charlie Sheen? E em caso afirmativo, Deus atenderia ao apelo do seu emissário, e Trump não chegava a 2017 com um sistema cárdio-respiratório funcional?
2) Será que Charlie Sheen devia ter optado por dizer "Que Deus me perdoe, mas que o próximo seja o Trump", redimindo-se assim do ultraje?
3) Ou em alternativa, em vez de apelar ao criador, terminar o seu desejo para o Ano Novo com "o Diabo seja cego, surdo e mudo"? E isso faria dele um satânico?
4) E se Deus realmente eliminasse o Trump da face da Terra? Será que os "social media" urdiriam teorias da conspiração a Seu respeito, implicando-o como cúmplice de Obama, George Soros e a "Nova Ordem Mundial"?
5) Sugerir que Deus elimine Trump, que alguns veneram como se de UM deus se tratasse, pode ser considerado blasfémia?
6) E o que tem Deus a dizer sobre tudo isto? Alguém sabe se Ele tem uma conta no Twitter?
Como podem ver, foram mesmo "meia dúzia de questões", ou seja, seis. Isto é facilmente verificável, basta contar. Já quanto a pedir a Deus isto e aquilo, trata-se da segunda coisa mais imbecil que alguma vez assisti. A primeira é levar a sério quem o faz, e armar um chinfrim destes, sem pés nem cabeça.