Estas são as imagens que chocaram os portugueses na última semana. gerando uma indignação tamanha, que nem um Oceano Pacífico de justiça lhes mata a sede. Não se trata da agressão que quase custou a vida a um agente da PSP no Vale da Amoreira, concelho da Moita, nem a do atentado terrorista naquela estância balnear na Tunísia que teve desta vez uma vítima mortal portuguesa a lamentar. O que indigna a minha gente é um "fait-divers", que muito reprovável que seja por princípio, toma proporções exageradas e ridículas, e pior que tudo, colocam em xeque as nossas liberdades e os direitos que usufruímos, emanados das leis, que são para todos cumprirem - todos sem excepção. E o que aconteceu afinal que deixou Portugal em polvorosa? A população de uma localidade transmontana completamente desconhecida até à última quarta-feira leva todos os anos a cabo durante as festas de S. João uma tradição perversa, que consiste no abuso de um animal. Em Mourão, concelho de Vila Flor, distrito de Bragança, parte da sua população de 104 (cento e quatro) habitantes queima um pau onde está colocado em cima, a vários metros de altura, um cesto, e dentro do cesto está um gato vivo. Pela primeira vez desde que a tradição se cumpre, que pode ser desde 1990, como desde 1143, alguém obteve um filme onde se vê o animal a fugir do cesto, sendo possível ainda ver parte do seu pêlo a arder. Vê-se isto e pouco mais, não se chega ver o gato morto, ou sequer ferido, e não, não entrevistaram o felino, dizendo estar "em agonia, por culpa da crueldade dos humanos".
Vou deixar por instantes o tom trocista com que abordo estes temas de difícil "digestão", fazendo da chalaça um substituto das pastilhas Rennie, e vou falar a sério, pois isto é deveras preocupante. Há quem pense que a minha "frieza" na abordagem destes assuntos é indicativa de passividade, indiferença, ou até simpatia por quem maltrata outros seres vivos, quer por desporto, por maldade, ou até por prazer sádico. Julgo que não estamos em guerra para se tomar uma ou outra das posições extremadas, pois ambas me parecem assentar em emoções com que não me identifico de todo: de um lado temos gente que não bate bem e considera que assistir à morte ou ao sofrimento de um animal é o "máximo", e do outro lado os que acham que os primeiros deviam ser castigados, fazendo-lhe igual ou pior do que eles fizeram com o animal. Noção estranha, esta, de justiça. E já agora, o que os impede de exigir que o mesmo aconteça com os humanos que matam outros humanos? Porque será há um "lobby" tão grande contra a pena de morte, e nele encontramos pessoas que paradoxalmente defendem castigos pesados para quem comete abusos contra os animais? Bem, para começar, é menos arriscado ir atrás de quem mata animais do que quem mata humanos, e por outro lado há quem cometa o erro de pensar que na eventualidade de uma causa ser considerada "justa", ou legítima, vale tudo, até violar a lei - afinal foi por uma boa razão, ou não? Não. E a experiência diz-me que se não fosse pela ténue linha que separa o "devia ser" do "efectivamente", já teríamos assistido a muitas desgraças.
Neste caso do gato, fico perplexo com todo o alarmismo que se gerou à volta, e mais ainda com o aparecimento de um dia para o outro de um sem número de especialistas em Mourão, sabedores de exactamente tudo o que se passa por lá, o que aconteceu, como se sentem os animais domésticos e de quinta, das intenções malignas dos seus habitantes, e de como é preciso "travar Mourão antes que seja tarde demais". Eu confesso que não fazia a mínima ideia onde fica Mourão, e como podem ver precisei de recorrer ao Google Maps para localizar aquela merda, e foi o que já suspeitava: fica lá para o cú de Judas, atirado por Portugal para a Espanha, e desta para Portugal, ficando perdido algures junto do Montesinho (de esterco?). Nada contra o local ou contra as pessoas, que devem estar a ter um gozo tremendo com todo este mediatismo - finalmente deram pela existência desta aldeia, que pelos vistos ficou parada algures no Paleolítico Inferior. Porque lá está: não estou nem nunca estive a favor da tal tradição, assim como nunca fui a favor do regime de excepção feito a Barrancos - ai podem-se matar os touros em Espanha? Então vão para lá matá-los, bolas! Porque temos nós que cumprir a lei e eles não? E isto aplica-se a qualquer lei, e não porque nos dias em que oiço a colectânea ¡Ole! - Los grandes éxitos de pasodoble de Andaluzia y Navarra me dá vontade de ceifar a vida a um touro. Se concordo com touradas e afins é outra conversa, mas não concordo que num lugarejo que esteja sob a alçada da mesma jurisdição que eu existam pessoas que "fazem o que querem", ora porque "acham bem", ou/e "foi sempre assim desde que se lembram". Pois, quem dera às vítimas da peste negra poderem dizer o mesmo.
Não tem a ver com a legitimidade que alguém tem ou não de maltratar um animal - porque não existe essa legitimidade, e mesmo o abate para o consumo de carne animal pelos humanos está regulado por lei, que obriga a que aconteça em locais apropriados e por pessoas registadas e autorizadas para o efeito. Neste caso devia alguém, quem sabe um jogral, ler de um papiro a ordem d'el rei que anuncia a proibição da "queima do gato", como eles lhes chamam. Ordem? Sim, lei. Existe? Existe, pois, vejam:
E pronto, aqui está a lei que temos, que até prevê pena de prisão de dois anos em caso de incapacidade parcial do animal! Uma lei feita para quem nem imagina que está protegido por ela! Ou por qualquer outra! Aliás, ia agora fazer uma piada parva, com o gato a ir ao posto da GNR de Vila Flor apresentar queixa e citar o artº 378º do Código Penal quando me lembrei: será que existe polícia em Mourão? A GNR já se sabe, estava a "analisar o vídeo", e depois de lhes explicarem 60 vezes o que aconteceu, eles abrem um processo. É que depois de anos a fio sem se saber que existia um lugar lá no meio do nada chamado Mourão onde se fazia a "queima do gato", uma queixa na polícia foi o suficiente para que se criasse esta bola-de-neve, e que de repente aqueles rústicos que nunca devem ter visto o mar, e desconhecem que existe internet, ou que foi inventada a vacina da gripe fosse de repente ordenada pela "civilização" para "parar com aquela prática cruel", e até se fez um abaixo assinado para o efeito, que já vai com 11 mil assinaturas! Uau! Para quê? Para fazer uma lei que já existe? Para proibir o que já é proibido? A lei é demasiado branda e é preciso chegar lá com forquilhas e tochas em chamas para lhes ensinar que a violência é horrível e não resolve nada? Ah, bem, fico mais esclarecido. Já tinha ficado com isto:
Epá isto é gravíssimo! Juro que estou a falar a sério: nunca tinha visto nada que fosse quase 100% mentira, fabricação ou exagero. Tudo com excepção dos artigos: se, das, um, de, à, e...desconfio um bocado daquele o e daquele outro as, mas tirando isso, dou-lhe o benefício da dúvida. Este Bruno Braga esteve lá e viu tudo, pois só assim pode ter tantas certezas daquilo que afirma, e só não se entende como foi capaz de permitir que se fosse em frente com o horrível acto. Começa logo com um exagero descomunal: "EM PORTUGAL QUEIMAM-SE GATOS POR DIVERSÃO NO S. JOÃO". Isto é terrível! Queres ver que daquela vez que fui ao S. João no Porto deram-me gatos e disseram-me que se chamava alcachofra? Achei aquilo um bocado fininho para ser um gato. Mas e um estrangeiro que pergunte se é verdade que isto é uma tradição dos portugueses no S. João, o que responder? "Bem, dos portugueses todos, todos, não...de 0,0000104% deles, e até à semana passada nem fazíamos ideia de que existia esta tradição". Cuidado se isto chega aos americanos, que quando eles detectam algo assim vão até lá e despejam napalm em cima de tudo o que vêem à volta e arredores, just in case, mudafucka.
De seguida o bacano, um globetrotter da paz e do amor pelos animais (especialmente os cavalos) "ainda a semana passada andou a lutar contra um festival onde se comem cães na China, e agora isto". Realmente não há sossego para os heróis do bem, uma vez que o mal não tira férias. Escuta lá, ó palerma, andaste a "lutar" contra o quê? Não te vi lá em Tiananmen nem nada. Andaste aos gritinhos feito uma galdéria, a pensar que estavas a tornar o mundo melhor, foi ou não foi, sua maluca? A seguir apela a que as pessoas "denunciem". Primeiro basta que uma (1) denuncie, o que já aconteceu, e nem é preciso escrever aos James Bond, ao Papa e ao Peter Pan, e àquela gente toda que ali está para que se investigue. Finalmente penso que as autoridades têm televisão, vêm noticiários e antes que lhes venhas dar esta importantíssima informação já eles estão carecas de saber.
No último parágrafo dá-nos a receita do "gato assado", descrevendo ao mínimo pormenor um processo que ninguém conhecia até quarta-feira passada. E depois de toda aquela assadura, o gato não morreu - deve ser primo daquele outro a que "atiraram o pau", naquela cantilena entretanto censurada pelas associações dos direitos dos animais, que amam a liberdade (dos animais apenas, entenda-se). Agora uma coisa que eu gostava de esclarecer, antes de continuar. Quando soube desta notícia fique i obviamente perturbado, e continuo a achar que não se deve fazer aquilo com o gato ou nenhum outro animal de sangue quente (nem outro qualquer, para quê?), mas o que me chamou a atenção foi a forma como a notícia foi dada: "Gato queimado vivo". A sério, pensei que tivesse sido alguma brincadeira infeliz de uns adolescentes perdidos quaisquer, e estranhei, pois a juventude portuguesa normalmente respeita certos limites. O que se entende por "queimado vivo"? Que agora está morto, claro. Não me digam "não necessariamente", pois toda a gente vai deduzir que a ênfase do vivo significa que morreu uma triste e violenta, queimando e sufocando lentamente. Perguntem a qualquer profissional da imprensa, porra!
Está vivo mas não vai estar, pois segundo o Bruno Braga, o bicho vai agora passar por um "doloroso processo, em que as feridas das queimaduras vão infectar, causando-lhe uma morte lenta e horrível".
-. Credo, e não há esperança, sei lá, do bichinho sobreviver? Não é necessário que morra e seja mártir por esta causa para a qual já toda gente ficou sensibilizada, quando inicialmente se sugeriu que tinha sido "queimado vivo".Até parece que nem tinha piada se não morresse. Mas não faz mal, pois vai servir uma causa maior: não mais será permitido este horrível espectáculo, e pouco importa que já não fosse, de qualquer jeito, pois a lei proíbe - só que a malta ainda não tinha feito barulho, por isso a proibição ainda não estava "baptizada". Pouco importa que as pessoas de Mourão, que, repito, tem mais ou menos 100 habitantes e na sua maioria maiores de 50 anos garantam que "nunca morreu um gato durante a queima". E eles sabem lá, se só fazem aquilo há décadas, enquanto o resto do país viu o vídeo uma vez pela primeira vez e sabe logo que aquilo é o equivalente felino do Holocausto? Só podem estar a mentir, vejam só:
- Nope, vai morrer e pronto. Lenta e dolorosamente.
- Mas ele saiu a correr, pode ser que tenha a energia para recuperar, já que aparenta gozar da sua integridade física, e tal...
- Ah aquilo era ele a gastar as últimas forças, e correu porque estava com pressa para...ir morrer uma morte lenta e dolorosa. Nada a fazer.
Aqui, num dos muitos comentários nos muitos média em que saiu a notícia temos este comentário de um usuário que se diz natural de Mourão - uma ave rara, portanto - e que garante que não morrem gatos durante a queimada, ao contrário daquela série infantil dos anos 60 cujo herói era um canguru-bombeiro, e que cada vez que era necessário fazê-lo entrar numa floresta em chamas mandavam um canguru-figurante, que depois não voltava. (Epá, pena que foi nos anos 60, senão o Bruno Braga ia lá "lutar" contra aquilo). Pode ser que este senhor esteja a dizer a verdade, e se concordamos ou não isso é outra conversa. Apresenta um discurso muito mais normal (e sóbrio) que o do Bruno Braga, que no fim de contas nunca poderia ter sabido o que aconteceu com o gato em Mourão se estava...na China, a "lutar" contra os CÃOnibais! Ora essa.
Mas se está a falar a verdade, este tal Trigo, então...não pode ser, pronto. Porquê? Ainda perguntam? Porque assim não há porrada, ameaças, violência, comparações parvas entre seres humanos e animais...Ainda não me responderam ao seguinte: se cada vez que um animal é agredido, fica doente, sente dor, fome ou frio, solidão (a sério) são-lhes conferidos os mesmos direitos a ser assistido, alimentado ou acarinhado como um ser humano - ou deviam ser, e não faltam defensores que é "exactamente o mesmo" - gostava já agora de saber quando é que vou poder exercer o meu direito a defecar na rua, ou a praticar o coito com a minha fêmea no passeio em frente de toda a gente - da minha ou de outra qualquer, como fazem os cães, esses felizardos. E para quem pensa que estou a levar isto para a gozação, permitam-me que recorde a vez que tive uma discussão "online" com uma tipa que censurou uma página da net que falava de uma gata mutante, e tudo porque lá dizia que era "feia", e a coitadinha podia ficar "magoada" com aquilo. Juro, podem ler sobre o episódio aqui, e já agora recordo a aparência da gata:
Olha que linda que ela é, que dá vontade de ficar a dar beijinhos o dia todo, chuac, chuac. Garanto que iam adorar, logo que se habituassem ao cheiro a pus. Portanto, aqui esta gata arraçada de louva-a-deus ia ler o comentário por ela própria, ou esqueceu-se dos óculos naquele dia e pediu à tartaruga que lesse, e depois de ouvir que era feia chorou e foi escrever poesia para o Cais das Colunas? Este arraial de disparate que estou aqui a fazer desfilar não é mais do que a mesma coisa que dizem os fanáticos defensores dos direitos dos animais, que lhes chegam atribuir algumas das características mais especiais da espécie humana: saudade, remorso, sentido de ironia, sei lá, delírios. Aos que dizem que "quanto melhor conhecem as pessoas mais gostam dos animais" (e são cada vez mais estes adeptos da bestialidade), deixem-me dizer-vos que têm razão, e eu próprio assino por baixo: as pessoas são uma merda, e eu também adoro animais - são deliciosos! E por falar nisso:
Não podia faltar numa discussão sobre a queimada de um gato uma opinião parva e despropositada sobre "o sofrimento dos outros animais". Permitam-me agora ser tão honesto como muitas das pessoas com que falei hoje sobre o caso do gato: ESTE GAJO ACHA QUE O GATO TER MORRIDO NÃO INTERESSA! VAMOS CAPÁ-LO COMO SE FAZ AOS CACHORRINHOS! É isso que ele diz, realmente? A certo ponto desvaloriza o sofrimento do gato, pois as vaquinhas, coitadinhas, não têm sequer um T1 onde possam dar uma cagadela sentadas enquanto lêem a Elle - e nós aqui preocupados com a habitação em Macau, onde chegam a viver nove ou dez pessoas na mesma casa, enquanto as galinhas passam a totalidade do seu estado pré-KFC ou Frango da Guia num espaço onde os pintainhos não podem fazer os trabalhos de casa. No fundo a mensagem que ele quer passar é que a revolução dos bois está próxima, e vai tê-la como líder.
E vejam aquelas acusações que o gajo faz não sei a quem, ainda por cima em tom provocatório, como se o resto da humanidade fosse culpada por se tratarem mal alguns animais para obter o leite e os ovos e o atum e o tanas. Ora bem, estes são os que um dia acordaram grávidos, e por culpa dos enjoos deixaram de comer carne, acharam que essa é a opção correcta para ele, e assim sendo, é também a opção mais correcta para o resto da humanidade. Quem discordar desta nova tomada de consciência que os animais "são iguais a nós", e por isso não os devemos comer, pois nunca nos comeríamos a nós mesmos - é mais ou menos isto o que estes defendem, os Ricky Gervais desta vida e companhia. - não merece respirar. Mas para vocês um recado - melhor, dois: primeiro, quem já comeu um bife ou uma tijela de canja na vida, é tão culpado dos "cadáveres" naquela "morgue" a que chamam os supermercados, quanto alguém que come carne todos os dias - não vai ser porque Estaline ordenou matar milhares de russos que Charles Manson se livrava da prisão com o argumento de que "só" matou meia dúzia de pessoas, e isso "não é nada". Segundo, se os animais fossem dotados de raciocínio e possuíssem uma capacidade cerebral igual à dos seres humanos, era tanto ou mais filhinhos-da-puta que eles. Podem crer, arranhar e morder é para meninas; traição, burla, chantagem - eis alguns dos "truques" que falta aos animais aprender para sobreviver na cadeia alimentar, onde estamos sentados no topo.
Este gato bem podia ser parente da gata cuja imagem deixei mais acima, ou podia ser ainda uma descoberta feita por arqueólogos nas pirâmides de Gizé, de algum gato mumificado, bem como simplesmente uma fotografia qualquer retirada da internet. Esta imagem tem andado a circular como sendo o do gato usado na queima de S. João em Mourão. Ai sim? Eu acho que foi este:
Possivelmente. Ou quem sabe este:
E já agora o tareco do ano passado manda cumprimentos, também:
E podia ficar aqui o dia todo a fazer isto, pois o que estas imagens têm em comum é o facto de qualquer uma ou nenhuma poderem ser a do gato em questão. No entanto bastará espalhar nas redes sociais uma delas, e temos os defensores dos direitos dos animais mais radicais prontos a julgar e deliberar no sentido de que "quem fez isto, merece um castigo igual ou pior". É possível que tenha andado a pregar aos ventos todos estes meses em que tenho publicado comentários de pessoas que imaginam os castigos mais atrozes e inumanos a outras que maltrataram animais, e em alguns casos outras que recolhem e abrigam animais abandonados, mas são criticadas por não dar a comida indicada ao gato, por não colocar o cão com a perna partida na posição correcta, ou por deixarem qualquer um destes engordar, por não os levarem "a fazer ginástica". Estas críticas vão da sugestiva à insultuosa, chegando em muitos casos a atingir o insulto. Postar uma imagem destas alegando ser a do gato de Mourão e ter estes fanáticos do seu lado é como pescar peixe num barril, ou pôr uma cenoura na frente dos olhos de um burro para o fazer andar. Contudo, aos olhos da justiça que (felizmente ainda) vigora, isto é uma desonestidade, e em sede própria, ou seja num julgamento, poderia muito bem constituir crime de falsificação de prova. Pensem nisto: qual é o tipo de casos em que se recorre à falsificação de imagens, testemunhos ou outro meio de prova? E faz-se por uma causa que valha a pena?
Pode ser que que digam que sim, mas eu discordo. Em vez de ver pessoas (justamente) indignadas e a envidar esforços no sentido de não deixar isto voltar a acontecer, vejo pessoas com sede de vingança, mais preocupadas em "fazer pagar" pelo mal cometido, do que a pressionar junto de quem deve fazer cumprir a lei, que de tanta culpa que tem no cartório até chegou a emitir este comunicado:
Pois, agora estão a "tomar diligências no sentido de identificar os autores". Olha, deve ser difícil, entre 100 habitantes que fazem a mesma coisa há décadas, senão séculos, com a GNR a assobiar para o lado. Este ano, olha, azar, deu-se um "gatoleaks" e agora alguém tem que ir fazer de bode expiatório. Grande porra. Mas também o que se pode fazer perante a ditadura do "politicamente correcto" e ao mesmo tempo tão hipócrita que mete dó, onde ainda por cima se colam os "fixarolas"? Vejam o que escreveu no seu blogue Nuno Markl, por exemplo:
O gato, desesperado, acaba por saltar daquela altura gigantesca – gigantesca até mesmo para os dotes de salto de um gato – e, mais terrível ainda, salta de lá e foge em chamas. E o povo ri. E celebra. Numa pesquisa que fiz no Google sobre esta tradição, encontrei um depoimento de um idiota qualquer que dizia, sobre a tradição da Queima do Gato (que, no fim de contas, parece ter largado oficialmente o boneco para regressar à tortura de um animal real): “Calma, que não acontece nada ao gato – a não ser um grande susto!”
Permitam-me discordar desta frase imbecil a vários níveis. Só um “grande susto” (colocar um animal cercado a uma altura tremenda e obrigá-lo a saltar dali para escapar a uma morte pelo fogo) já é desumano. Pura e simplesmente desumano. Não tenho dúvidas quanto a isto: uma pessoa que se regozija com a ideia de celebrar uma festa pregando “um grande susto” a um gato é uma má pessoa.
Interessante, como Nuno Markl se indigna perante um gato de uma festa de uma aldeia em nenhures que até um dia destes não se sabia da existência, quanto mais da tradição cruel que ali se realiza - e sempre se realizou, com ou sem a indignação geral instantânea e sazonal - o sabor do mês. Com que então "um susto" daqueles é "desumano", e a pessoa "que se regozija" a pregar sustos aos outros "é má pessoa". Gostava de ver o que escreveria o Nuno Markl sobre as praxes académicas, por exemplo, que não sei se estão ou não recordados ainda recentemente causaram a morte a um jovem, após um infeliz e esse sim, estúpido acidente na praia do Meco. Se calhar nesse caso em particular não interessa muito condenar a tradição, ou juntar milhares de assinaturas exigindo o fim das praxes académicas, pois afinal o que é um jovem morto, perante o horror e o drama de um gato chamuscado (este raciocínio é tão desonesto que me sinto mal em fazê-lo, mas infelizmente é certeiro; paciência, fui obrigado a rebaixar-me).
E que tal ainda demonstrar a mesma fúria, a mesma raiva e o mesmo choque perante esta outra "tradição"? Sim, a comparação já foi feita por outros, mas permitam-me acrescentar isto: se UM gato que fica chamuscado (é tudo o que sabemos, digam o que disserem: que está na hospital da CUF a levar com morfina para as dores, ou em MIAUlibu de férias com as gatas dele) por culpa de uma tradição bárbara que acontece NUM festival que ocorre UMA vez por ano há toda esta indignação, revolta e apelos ao linchamento de uma aldeia inteira, então e isto? São vários touros, várias vezes por ano, a serem espetados com ferros afiados e a esvair-se em sangue mesmo debaixo das barbas de toda a gente, em recintos situados muitas vezes no centro de idades, com milhares de espectadores (selvagens?) a assistir e aplaudir! Talvez seja a minha medida que está errada, mas aqui teríamos um bom pretexto para...uma guerra civil, no mínimo? Não, claro que não é hipocrisia, que disparate, porque o gato...filme de terror...não sei quê...pois, eu sei, fica mais fácil e dá menos chatices irem meter-se com uns labrostas analfabetos atirados lá para o meio das montanhas do que com a malta das touradas, que vive em herdades enormes, e têm montes de nota, e são uns queridos, não são? Vá lá não se irritem, que eu abstenho-me de vos chamar COBARDES DE MERDA, que é a única definição que me ocorre, assim de repente. Não sou tão mauzinho assim, então?
Também não sou "insensível", mas estas coisas não me chocam, e não é por ter visto demasiados filmes de "Tom & Jerry", onde o gato era normalmente o saco de pancada, não sei se estão recordados. É que praticamente todos os dias vemos imagens piores do que a do gato a correr feito o "Speedy Gonzalez", miando histericamente, e nem tenho certeza se o som foi editado (já viram que os miados são muito, mas muito mais altos que o som no resto do filme?) Imagens piores em que as vítimas são seres humanos, e às vezes crianças, também queimados, degolados, a verter sangue e tripas, a loja dos horrores completa. Devo pedir desculpa por não fazer como os mui sensíveis e "civilizados" partidários da "igualdade de direitos" para os animais, se quando olho para imagens ou leio notícias de maus tratos aos mesmos "me dá uma pontada no coração", e depois "cerro os punhos de raiva", e já "com uma lágrima a escorrer-me do rosto", juro vingança: "malditos...que vos aconteça cem vezes pior mas com ácido sulfúrico, e no fim vos seja removida a pele e mergulhados em salmoura", ou ficar a desejar que aconteçam tragédias onde morram milhares de pessoas, ou ainda...
...alegar que outras catástrofes se devem à "ira divina", que destruiu aldeias inteiras, como castigo por causa de um festival onde se matam uns búfalos e cuja maioria das vítimas do terramoto não tem qualquer relação. Eu não pactuo com isto nem reconheço qualquer legitimidade nestas pessoas. Não lhes desejo a morte ou nenhum mal porque não sou um troglodita como elas, mas espero muito sinceramente que se f..., e especialmente que não me chateiem.
Mais uma vez recordo: não aprovo a tradição do gato queimado em Mourão, mas não vai ser na posição de antagonista e chamando as pessoas de "selvagens" que lá vamos, meus amigos. Basta pedir que as autoridades cumpram a sua obrigação e façam cumprir a lei. Simples. Chega-se ali e diz-se: "pois é meus amigos, eu sei que isto é lá de tempos remotos, e tal, mas o escorbuto também era, portanto acordem para a vida, bem vindos à modernidade" - aliás é engraçado como vetamos as pessoas ao isolamento e depois esperamos que sejam tão "up to date" como nós. Ir lá insultá-los, ou humilhá-los à escala nacional, como estão a fazer, recorrendo à ameaça (que é um crime público, só para que se lembrem) sugerindo que "se não forem a bem, vão a mal", não os vai tornar mais dóceis ou obedientes. Nem a eles, nem a ninguém, especialmente quem está ciente que nós não temos autoridade para lhes impor seja o que for. Na pior das hipóteses reagem, nós respondemos, gera-se um ciclo de violência atrás de violência, e no fim acabamos todos mortos, helas. Quando isso acontecer, vem o gato de Mourão, com o pelo imaculado, frondoso e bonito, já sem medo de água fria (gato escaldado...perceberam?), e tudo graças ao fim da tradição que o punha a dar pinotes e a miar tão alto que já se ouvia em Zamora, e mija em cima dos cadáveres. Exacto, pois de todos os actores desta paródia, o gato ou qualquer outro animal no centro das brigas entre os humanos pela sua protecção são os únicos que não fazem a mínima ideia do que se passa. Deve ser uma missão gratificante, ao ponto de fazer certas figuras. Animais sim, fanáticos nunca. Tenho dito.