quarta-feira, 30 de abril de 2014

Racismo! Racismo em toda a parte!


Fujam, fujam! Chegou o racismo! Esqueçam a gripe aviária, qual dengue qual carapuça; o racismo está aí, e veio para ficar. É pior que o carbúnculo da lepra, o antraz que nos come por trás. Ainda hoje fui ao banco tratar da mudança da morada do cartão de crédito, e depois de ter esperado mais de meia hora disseram-me que precisava de preencher uma declaração e juntar um recibo da água e da electricidade para confirmar o novo endereço. Para quê? Porque sou branco??? E era capaz de jurar que antes de me atender o rapaz segredou com uma colega da mesa do lado aquilo que me pareceu ser um comentário anti-semita. Não sou judeu? Pois não, mas podia ser. Não está escrito na testa que não sou, pois não? De volta a casa vinha uma menina de dois ou três anos no elevador, acompanhada da mãe, e passou o tempo todo a olhar para mim. Senti de imediato os grilhões a apertar-me nos tornozelos, o chicote a bater-me nas costas, e desatei a cantar "When the saints go marching in". É preciso acabar com o racismo antes que o racismo acabe connosco. Onde não há racismo, invente-se um qualquer, e depois acabe-se com ele!


Depois do incidente com Dani Alves, jogador brasileiro e mestiço do Barcelona, foram várias as figuras públicas que aderiram à campanha inicialmente lançada no Twitter por Neymar, colega da vítima quer no clube catalão quer na selecção brasileira. Aqui vemos o uruguaio Luis Suárez, acompanhado do seu companheiro de equipa no Liverpool, o brasileiro Philippe Coutinho, a deliciarem-se com uma saborosa amarelinha. Pelo menos Suárez teve o bom gosto de criar outro grupo na rede social a que deu o nome de #somostodosiguales, que sempre é melhor que #somostodosmacacos. Como já aqui expliquei ontem, não posso simpatizar de todo com esta ideia; quer dizer, os hábitos de higiene e os rituais de acasalamento de cada um só a eles diz respeito, portanto o Neymar tem a liberdade de se auto-intitular do que quiser, mas eu não me sinto macaco q.b.. Lamento.


Também o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi, aqui de banana na mão (literalmente) e o selecionador de futebol da "squadra azzurra", Cesare Prandelli, aderiram à campanha que pôs toda a gente a comer mais fruta. Daniel Alves, por seu lado, está a recuperar bem, dispensa cuidados médicos e não necessita de quarentena. O autor do horrível atentado, esse terrorista que faz das inocentes bananas paus de dinamite do ódio, foi identificado, purgado, banido, esconjurado até à sétima geração. No more bananas for you, mudafucka!


Aproveitando a onda, qual Mick Fanning do politicamente correcto, eis que o campeão olímpico do triplo-salto em Pequim 2008, Nélson Évora, vem à praça pública denunciar um caso de racismo que se passou com ele um dia destes. O atleta mais um grupo de amigos, num total de 16 pessoas, foram comemorar o seu aniversário na discoteca Urban Beach, em Lisboa, e alegam terem sido impedidos de entrar pelo porteiro, que se justificou dizendo que "existiam pretos a mais" no grupo. Um responsável do grupo que gere esta e outras discotecas diz ter sido feito um inquérito, e nega que tal incidente tenha ocorrido, e que Nélson Évora podia ter optado por apresentar queixa na polícia, ou registar o sucedido no livro de reclamações do estabelecimento. Sem querer estar a chamar mentiroso a Nélson Évora ou estar a branquear a atitude racista do porteiro, a confirmar-se a sua veracidade, lógico, não posso deixar de concordar com este ponto de vista. Assim dá-me a entender que subitamente atiram uma banana a um jogador de cor do Barcelona que dá início a uma campanha anti-racismo, e o Nélson Évora de repente lembra-se que "ah e tal pois é, no outro dia também me aconteceu assim uma coisa semelhante, há mais de dez dias, mas por acaso esqueci-me de contar", e toca a escarrapachar a história no Facebook. Nélson Évora acrescentou ainda que "mais de metade” do grupo era formado por atletas que representam Portugal internacionalmente, como Francis Obikwelu, Naide Gomes, Carla Tavares, Susana Costa e Rasul Dabó". E...? Se calhar o porteiro não segue atletismo, prefere voleibol, sei lá, mas para mim parece-me mais uma razão para denunciar o caso com um pouco mais de imediatez.


E na América, nos Estados Unidos, o país mais racista do planeta, o dono dos L.A. Clippers, um clube de basquetebol da NBA, meteu-se num sarilho do caraças. Don Sterling viu divulgada uma conversa privada com a sua amante, onde lhe dizia para "não se relacionar com pretos", ou "com tantos pretos", não tenho bem a certeza. Aqui as questões da devassa da vida privada ou do adultério saltaram todos pela janela com a chegada do factor racismo, elemento absorvente de qualquer argumento. A verdade é que em apenas dois dias o proprietário dos Clippers perdeu patrocínios, viu os seus próprios jogadores a entrarem em greve, foi banido da NBA e multado em 2,5 milhões de dólares, ou 20 milhões de patacas na nossa moeda. Uma nota preta, oops, perdão, uma nota "afro-americana", e tudo por causa de uma parvoíce que o homenzinho disse, como tanta gente diz todos os dias, porque como pessoas livres que somos, sabemos que não anda por aí ninguém a registar tudo o que nos sai da boca, para depois ser usado e abusado em segundas e até terceiras leituras. O próprio presidente Barack Obama, actualmente em périplo por alguns países asiáticos, condenou Sterling, dizendo "Quando ignorantes querem promover a sua ignorância, não há muito para fazer, só tens de os deixar falar... Foi isso que aconteceu ali". Muito bem dito, só que depois estraga tudo quando acrescenta: "Os Estados Unidos continuam a lutar contra um legado de racismo, de escravidão e segregação. Ainda lá estão os vestígios de discriminação. Fizemos enormes progressos, mas vamos sempre continuar a ver estas situações de vez em quando". Ai sim? Problema vosso pá. E eu com isso?


É assim meus amigos, não estou aqui com este discurso a querer dizer que "não faz mal" produzir comentários racistas ou discriminatórios de vez em quando, ou que é a mesma coisa que dar um sonoro e gasoso traque: fical mal mas alivia. O que eu entendo por "racismo" é muito mais do que meras palavras. Racismo é negar o acesso aos direitos fundamentais com que cada ser humano nasce, independente de ter nascido na América, na África, no Pólo Norte ou no Japão. Não estamos em guerra racial uns com os outros simplesmente porque um tontinho qualquer resolveu atirar uma banana a um atleta que é pago a peso de ouro para aturar esse tipo de coisas e muito mais. O próprio Dani Alves nem se queixou; comeu a banana e foi marcar o canto. O Neymar, que andava com sede de protagonismo, é que lançou este caos da fruta, a que todos aderiram como se tivesse ido a Fátima Lopes à televisão dizer que nesta Primavera-Verão a banana é uma coisa que se vai usar i-men-so. Fosse o Eto'o a ser "agredido" com a banana, por exemplo, e começava a choramingar, pedia para sair e ia até à loja de CDs mais próxima adquirir a discografia completa do Tupac Shakur. E isso é outra coisa que eu não entendo: porque é que cada vez que um branco faz comentários depreciativos sobre um negro ou um asiático ou outra criatura qualquer do arco-íris da humanidade é apontado como "racista", mas quando se dá o oposto chamam-lhe de "cultura"? Os tipos do "hip-hop" e do "gangsta rap" e do raio que os parta podem dizer as maiores barbaridades e vendem milhões de discos, que até os brancos compram - aqueles com mau gosto, entenda-se. Mesmo aqui na China, onde vivemos, somos tratados por "ngao chai" (rapaz-vaca), os homens, "ngao pou" (senhora-vaca), as mulheres, e "kwai-lou" (diabo branco) para ambos, e é "normal". Será isto devido aos séculos de predominância das potências europeias, portanto brancas, sobre estes povos? E que culpa tenho eu disto? A escravatura acabou há 150 anos, já não há ninguém para contar como foi, e mesmo a tal segregação racial, sendo recente, sem dúvida, é uma coisa do passado. Custa muito olhar para a frente e deixarmo-nos de merdas? Não tenho amigos racistas, não gosto de racistas e quero que os racistas vão todos levar na peida, mas não sinto que deva especial reverência a alguém só porque é diferente de mim, e por isso Ai Jesus que é melhor ter cuidado com o que digo, não vão eles levar a mal, e lá vou eu para o canto de castigo fazer companhia ao adepto do Villarreal, ao porteiro do Urban Beach e ao proprietário dos LA Clippers. Se pensam assim, aplica-se o mesmo que disse dos racistas, e levem uma bisnaga de KY que pode ser que ajude. Ah sim, e para terminar, há racistas de todas as cores, sabiam? Acreditem, é mesmo verdade. E enquanto for assim, podem comer quilos de bananas até vos dar uma diarreia de arrancar a tripa, que vai continuar tudo na mesma. Ui o racismo...será que existe uma vacina? Uma mezinha, vá lá, outra que não as bananas, que mais que uma por dia deixa-me enjoado.

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