terça-feira, 23 de abril de 2013

O fosso existe


Os sociólogos estão cada vez mais preocupados com o fosso entre os mais ricos e os mais pobres em Macau. Eu também estou preocupado, pois se em Macau não existem tantos “pobres” na acepção do termo como isso, sinto-me incluído no grupo daqueles que andam à míngua. É simples: se não sou rico, então sou pobre. Se calhar Agnes Lam até tem alguma razão. Se existe uma classe média, esta anda muito caladinha, e ver os navios a passar. Os ricos, esses, vão ficando cada vez mais ricos.

Em Macau é assim, sempre foi e provavelmente sempre será. Os mais ricos nunca estão satisfeitos, enquanto os remediados e os pobrezinhos vão batendo com a cabeça numa redoma que os impede de chegar lá acima. As elites do território serão as únicas do mundo: tudo querem, tudo podem e tudo lhes é permitido. Existe um certo cheiro a injustiça no ar (talvez por isso tanta gente use máscara cirúrgica), e uma sensação de impunidade. Mas como vai dando para viver e a partir do próximo mês começam a chegar os cheques de 8000 patacas, a malta vai comendo calada. Até pode ser que estejamos a ser enrabados, mas pelo menos é com anestesia.

Mais do que olhar para números, estatísticas e factos concrectos é preciso olhar para o abstracto, e até para a próxima natureza. Quando era puto, numa das muitas vezes que visitei o Zoo de Lisboa (sempre um prazer) observei o comportamento de três macacos que partilhavam a mesma jaula. Um deles, certamente o líder, monopolizava os amendoins que eram mandados pelos visitantes. Um dos outros apanhou um amendoím e comeu-o, o que provocou a ira do “chefe”, que o perseguiu com o intuito de o castigar pela audácia. Enquanto isso o terceiro estendia a mão de fora da grade pedindo amendoins aos “primos” humanos, olhando constantemente para trás, certificando-se que o macaco dominador não o controlava. Pareciam tão humanos que me causou uma certa impressão.

Estabelecendo um paralelo entre estes macacos portugueses naturalizados e a situação em Macau, não encontramos assim tantas diferenças. Em vez de símios enjaulados temos empresários da construção, do jogo, “pang iaos” próximos do Governo central e afins que vão comendo a grande parte dos amendoíns, deixando apenas “os outros” (nós, portanto) comer quando já estão de papo bem cheio – e mesmo assim ficam a desejar tem mais estômagos para encher, tal é a ganância e a relutância em ver outros macacos a papar a fartura de amendoíns que por aqui temos. Ver um sumarento terreno onde se podia construir um empreendimento de luxo transformado em projecto de habitação social parte-lhes o coração. É como se lhes arrancassem um rim. Vão para a cama a chorar, como se tivessem perdido um filho.

Enquanto os gulosos prosseguem esta faustosa ceia, os restantes “macacos” vão apanhando o que sobra dos amendoíns, alguns já pisados, passados ou amolecidos pelo mijo do chefe. Por mais que alguns chimpanzés mais corajosos façam barulho nas redes sociais ou nos forums da radio, os macacos-omega vão fazendo orelhas moucas e encolhendo os ombros, esperando apenas que cesse a gritaria na jaula, e possam prosseguir no açambarcamento dos amendoíns mais apetecíveis. É fácil analisar isto do fosso entre os (muito) ricos e mais pobres (ou menos ricos), mas para mim este tal fosso não é muito diferente do que separava os visitantes do Zoo dos três macacos que disputavam os amendoíns.

1 comentário:

Anónimo disse...

O cheque de 8000 patacas não é mais do que o amendoinzinho atirado uma vez por ano como esmola à macacada que durante o ano inteiro não conseguiu apanhar mais nada...

Este amendoim costuma também atraír macacos da metrópole que viajam distancias longas para estas bandas para o apanhar, pois na jaula deles já nem cascas de amendoim sobram...

E assim continua este rico jardim zoológico. Já agora, como é que o Leocardo sabe que o amendoinzinho é lançado já no próximo mês?