sábado, 6 de abril de 2013

A cruz do Carlos


A semana ficou marcada pela detenção do apresentador Carlos Cruz, que se entregou às autoridades para cumprir o resto da pena a que foi condenado no âmbito do processo Casa Pia. Depois de Carlos Cruz, foram detidos Manuel Abrantes, Ferreira Diniz e Jorge Ritto, que juntamente com Carlos Silvino, já a cumprir a pena de 15 anos a que foi condenado, são os cinco principais arguidos do processo. O antigo apresentador que se celebrizou no concurso “1,2,3”, um dos programas televisivos de maior sucesso nos anos 80, é de longe a figura mais mediática deste vergonhoso caso de abuso sexual de menores. A sua detenção em Fevereiro de 2003 foi um autêntico choque, dada a popularidade de Carlos Cruz, um excelso comunicador que colhia a simpatia de gente de todos os quadrantes da sociedade.

Pessoalmente nunca simpatizei muito com Carlos Cruz. Desconfiei sempre do charme, da naturalidade, da facilidade com que o personagem era acarinhado por todos, de analfabetos a doutores. Chamem-me cínico, se quiserem, mas as minhas suspeitas não eram derivadas por nenhum tipo de inveja; não ia com a cara dele, só isso. Mas o que eu penso do Carlos Cruz pouco tem a ver com os crimes de que é acusado. Não desejo ao meu pior inimigo o que lhe está agora a acontecer, os dez anos a viver sob suspeita, acusado de um crime reprovável por qualquer pessoa dotada de humanidade. Se é realmente culpado, deve responder pelos seus actos e acarretar com as consequências. Se é inocente está-se a cometer uma enorme injustiça. Isto serve ao Carlos Cruz ou a qualquer outro.

O problema é que não acredito na sua inocência – mais uma vez esta é minha opinião pessoal. Custa a acreditar que num país como Portugal, de muitos brandos costumes, uma figura pública como o Carlos Cruz seja acusado de um crime desta natureza sem que existam fortes evidências. E mesmo perante provas sólidas é uma decisão impopular. Há quem acredite na inocência do apresentador simplesmente “porque sim”, porque se trata de alguém que estaria acima de qualquer suspeita. Já sei que este tipo de argumentação causa calafrios nos operadores do direito e nos partidários da “presunção da inocência”, e o facto de se tratar de um “intocável” não confere uma legitimidade especial à acusação. O próprio sistema que acusou, julgou e condenou Carlos Cruz é composto por pessoas de carne e osso, e muitos terão sentido um nó na garganta, tratando-se de alguém que lhes terá também proporcionado muitas horas de entretenimento. Penso que será necessário ter conhecimento do processo em detalhe para tirar as devidas conclusões.

Se Carlos Cruz é realmente culpado ou vítima de alguma cabala, penso que nunca saberemos com toda a certeza. A verdade é que foi acusado, julgado e condenado, teve direito à defesa e não lhe foi negado o acesso a nenhum dos direitos consagrados na lei. Carlos Cruz está presentemente aposentado, aufere uma reforma de pouco mais de dois mil euros – nada mau para o português médio, mas pouco para quem chegou a ser um dos profissionais mais bem pagos do “show business”. Perdeu a família, bem como muitos amigos e admiradores, perdeu a celebridade e perdeu a liberdade. Se realmente cometeu estes crimes deve estar agora bastante arrependido. Mais uma vez, pouco importa o que penso dele, mas está a passar pelas passas do Algarve. Sinto pena dele. Ninguém merece.

O processo Casa Pia tem-se arrastado na última década, fez correr muita tinta, dividiu opiniões e foi objecto de muita especulação. Foi um circo mediático doloroso para as vítimas e humilhante para a sociedade em geral: um delito reprovável, imoral e desumano cometido por ricos e poderosos contra marginais em risco, e para mais crianças. Os responsáveis devem pagar pelos seus actos e ser condenados às penas estabelecidas por lei, nada mais, nada menos que apenas isso. E a partir daqui que sirva de exemplo para quem ouse prevaricar. Crimes desta natureza não devem ficar impunes.

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