sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O luxo e o lixo

Texto publicado na edição de ontem do Hoje Macau. Pode ser visto aqui.

À medida que vai chegando o mês de Outubro, Macau torna-se uma cidade bem mais agradável para se passear. Temperaturas amenas, sol agradável, alguns feriados. Depois da travessia do deserto que é o Verão (três meses sem um único feriado!), uma delícia. Temos ainda o festival de Música, a Lusofonia, seguidos do Festival da Gastronomia e depois o Grande Prémio, já em Novembro. É mais animação em dois meses que no resto do ano.

Quando viajo aqui na região conheço imensa gente, e faço algumas amizades. Quando digo que sou de Macau desperta-se alguma curiosidade, talvez por causa dos resultados espectaculares da nossa economia e da ideia feita que Macau é algum tipo de paraíso no meio desta crise mundial que nos apoquenta. Recomendo sempre que visitem a RAEM durante estes dois meses, que certamente ficarão com uma boa impressão do território. O problema mesmo é onde ficar. Na minha casa não será de certeza e Macau sofre de um enorme défice de alojamento económico, mesmo para a classe média, que constitui a maioria dos visitantes do território.

Basicamente quem não está disposto a gastar perto de duas mil patacas por noite – na melhor das hipóteses – num dos resorts da moda, arrisca-se a ficar numa espelunca imunda. Existem muito poucas pensões ou vilas em condições, ou como noutros países e territórios, os chamados hostels, onde se pode pernoitar por uma módica quantia. Quem procura alojamento por menos de 500 patacas – o preço de uma noite num resort no Vietname ou nas Filipinas – arrisca-se a ficar num antro infecto e imundo, que prima pelo cheiro a bafio e a urina, onde convive de perto com prostitutas e outros elementos marginais da sociedade. Os “quartos” são muitas vezes cabines de madeira, com uma ventoinha no tecto em andares com casa-de-banho comum. E dessas casas-de-banho é melhor nem falar. O serviço também deixa muito a desejar; na “recepção” de alguns destes “alojamentos” estão normalmente os seus proprietários ou exploradores, muitas vezes sem camisola ou com os pés em cima do sofá, a beber chá e jogar mahjong, uma cena digna de taberna chinesa.

Um bom exemplo disso é o Hotel Central, localizado mesmo no centro de Macau, na Avenida Almeida Ribeiro, destino de turistas de algumas excursões “budget” da China Continental. Por cerca de 400 patacas por noite pode-se alugar um quarto, numa recepção a lembrar os anos 80, onde se encontram relógios de parede que mostram as horas de Tóquio e de Genebra, como se isso tivesse alguma importância para os seus suspeitos hóspedes. Os quartos propriamente ditos são semi-condenados, localizados em andares onde primam as carpetes vermelhas manchadas por borrões de cigarro, com papel de parede caído e uma sensação de segurança digna de um bordel tailandês, daqueles mais baratuchos. Só falta mesmo um daqueles desenhos no chão que marcam o local onde foi encontrado o cadáver, como nas séries policiais americanas.

Outro exemplo do desleixo a que ficou vetada a indústria hoteleira em Macau é o Hotel Internacional, localizado perto da Ponte 16. Um local onde chegou a ser filmado um filme da série de James Bond (“The Man With The Golden Gun”) é hoje uma ruína de vidros partidos e tapumes obscuros, como se ali tivesse ocorrido algum atentado terrorista. Ainda sou do tempo em que este hotel funcionava, e já nessa altura era uma pobre desculpa para o proxenetismo controlado pelas seitas, um travesti de hotel. O mesmo se passa com o histórico e elegante Hotel Estoril, há vários anos abandonado. Será que não existem em Macau individualidades que recuperem estes edifícios históricos e não os deixem ali apenas a ser feios e cheirar mal, mesmo no centro da cidade?

É importante para Macau que exista mais oferta turística para visitantes que não estejam apenas interessados em frequentar os casinos e as lojas de produtos de luxo. Já se sabe que dependendo dos agentes do jogo bastava apanhar os turistas das Portas dos Cerco, levá-los aos casinos, abanar-lhes os bolsos e levá-los de volta pelo mesmo sítio de onde chegaram. Mas será isso o que queremos para o futuro de Macau? Afinal temos um património reconhecido pela UNESCO, um centro histórico que se quer fotografado e perpetuado, imensos motivos de interesse, uma mescla de ruas, edifícios, becos e pátios ímpares, o produto de um encontro de culturas milenares que é único no mundo. Mostrar apenas a Macau do luxo, das lojas de marca, dos negócios milionários e da ostentação (e onde muitas vezes impera o mau gosto) é menosprezar o seu passado, e a sua rica oferta cultural.

É decepcionante que não exista uma opção de alojamento para quem procure Macau pela sua cultura, e não pela promiscuidade e pelo engodo do jogo. É vergonhoso que encontremos turistas (o)acidentais a pernoitar nos cubículos de algumas caixas multibanco, onde sempre se encontram meia dúzia de metros quadrados gratuitos com ar-condicionado. Alguns turistas de Hong Kong e da China continental aproveitam para dormir em algumas casas de massagens na zona do Porto Exterior, onde pelo menos existe uma oferta de camas a preços acessíveis e que se podem negociar. A questão das pensões ilegais, que vastas se vezes se discute, é um “problema”, mas um daqueles problemas em que não é apresentada uma solução condigna. Querem ficar em Macau? Paguem, e bem. Não podem? Olha, pudessem. Seus sovinas…

1 comentário:

Anónimo disse...

O Leocardo já pensou que se calhar é melhor ser mesmo assim? Que Macau tenha cada vez mais um turismo selectivo, e não sendo possivel usar outros critérios, que seja então o do dinheiro?

Eu cá por mim já estou farto de turistas por toda a parte que inundam Macau (especialmente aos fins de semana e feriados) e tornam a vida nesta (já de si minuscula) cidade ainda mais insuportável!!

Se além deste banho constante de gente, particularmente da China continental, fossemos agora aumentar a oferta hoteleira com preços mais baratos, então sim desciamos ao inferno. Isto tornava-se um ninho de baratas com todo o tipo de turista de pé descalço. Imaginem a cena deplorável que se vê nos edifícios junto ao Jai Alai, mas agora espalhada pela cidade toda!!

E não me venham dizer que era óptimo porque viriam imensos turistas ocidentais interessados na cultura e museus e bla bla bla. Todos sabemos que esses seriam sempre uma minoria, e que maior parte desses estabecimentos seriam ocupados por mais e mais gente do continente sem nível nem interesse nenhum para Macau. Provavelmente muitos mais viriam com intuitos menos lícitos.

Isto pode soar a discriminação mas bem no fundo, todos os que vivem em Macau sabem que é verdade.