segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Bouche pas amusée (Le péché presque véniel de M. Concalves)


Eu sei, eu também vi. Não queria acreditar. Dizer que "fiquei estarrecido" não faz justiça ao que senti, quando deparei com o negrume das palavras, que já por si juntas adensavam o breu na pristina alvura do pasquim da liberdade onde eu próprio tenho a honra de exprimir o que me vai na alma. E perante isto, na alma vão pas de très bonnes choses. Diria mesmo que fiquei algo petit jeune de ma vie com os filets de merlu disparados pelo meu colega (*grunhido de resignação*) no seu artigo desta semana do Hoje Macau, nomeadamente no que toca ao ponto 2), o qual reproduzo na imagem acima, bem como tomo a liberdade de assinalar algumas das passagens, e ao ponto 3), que seria risível, não fosse este um assunto sério, sintomático da falência de valores que existem, em nome de não-valores que também existem, infelizmente, mas que no seu artigo o colunista entende como valores...que simplesmente não existem. Ou existem na Terra do Meu Pequeno Pónei, sei lá, ufa! 

Agora permitam-me um desabafo em jeito de "disclaimer", ou désistement: não esperava isto, sinceramente,  mesmo vindo de quem num passado recente deu provas de alguma arrogância e pedantismo. Sim senhor, o cavalheiro tem todo o direito a ter a sua opinião e ainda mais direito a expressá-la, e no seguimento dessa opinião expressa no exercício desses direitos, fico eu igualmente na posição de poder manifestar a minha discordância ao abrigo dessas mesmas valências. Penso que não será necessário referir que não se trata aqui de nenhuma questão pessoal, pois quem me conhece sabe como normalmente lido com essas situações, e esses casos levo "na desportiva". Aqui falamos de coisas sérias, e por isso falemos a sério. Portanto vamos ao que interessa, pois qui s'attend à l'écuelle d'autrui a souvent mauvais dîner. Ou isso.


A primeira parte deste segundo ponto do artigo de Arnaldo Gonçalves até nem está muito mal, do meu ponto de vista, mas começa pessimamente: "Na Europa", como se as eleições de que fala a seguir não se tivessem realizado apenas na França. Não, nada disso, tenham calma, que andam  ultimamente com uma tendência irracional para o pânico, e eu explico o que quis dizer com a afirmação anterior. Apesar das preocupações actuais dos franceses serem partilhadas por alguns países vizinhos, nomeadamente a Alemanha ou a Holanda, e especialmente a Bélgica, o problema no imediato é olhado pelos franceses como sendo apenas e somente seu. E aqui entra nas contas uma contradição que me causou assobios nos tímpanos cada vez que a escutava - e foram muitas, essas  vezes, acreditem - e que no fim só me leva a pensar uma coisa: na eventualidade de Le Pen chegar ao poder em França com a sua Frente Nacional, acaba a Europa. Ai sim, sim, ou pensam que os franceses que foram votar nela no Domingo tinham vocês ou o vosso bem-estar e segurança, ou o dos restantes "europeus" em mente? Não me lixem, que nem em Portugal se é solidário na hora deste tipo de crise, mesmo estando a falar de uma realidade completamente irrelevante às dos outros países que referi, mas que mesmo assim se foi "encostar" aos problemas da "Europa", sem que tenha lá rebentado um tubo de escape, quanto mais uma bomba. E olha lá que pensei que íamos assistir a sérios problemas de "amnésia de identidade". Querem ver?


Pronto, aí está. Deixo à vossa interpretação o porquê daquele panilas de Famalicão, Europa (LOL), ou em francês Célébrité-je lis-chien, Europe o porquê da chamada de atenção para aquele comentário do Leandro Pula. E o que tem este de tão especial, além de ser de boa tez, ou pelo menos é transmitido na forma de frase com pés e cabeça, ao contrário de muitas outras que vemos nestes mesmos fóruns, que em alternativa têm "pez e cabessa". E porque é que o panilas do Fernández, apelido aliás nitidamente famalicense, está a chamar o outro panilas para ver "o que se faz fora da Europa"? - E já agora expliquem-me o sentido desta "partilha de informação", que não deve ter o nulticulturalismo como pano de fundo, com toda a certeza. E porque julga ele que o Leandro Pula não é ele próprio também natural da "Europa"? Será por ser oriundo de outras paragens mais solarengas, que o deixaram naquele estado tão "bronzeado"? Impossível, pois ao contrário do intolerante Islão, fundado um dia destes por uns malucos da Síria que acharam que andar por aí a explodir em sítios, cortar cabeças e enxovalhar mulheres era um passatempo mais recreativo que o dominó ou que a bisca, estamos aqui a falar de uma "civilização quase milenar": a europeia, que se estende da Vila Nova de Famalicão dos provincianos sacaninhas, até à grega Atenas, que na actualidade é dos caloteiros mas na sua versão clássica era dos pensadores - isto só prova que pensar muito não enche a barriga a ninguém, e muitos menos os bolsos. Assim sendo, o ideal é pensar o menos possível, mas que se pense um bocadinho, nem que seja às escondidas, que assim se pode capitalizar à custa dos que nada pensaram, pois foram estes que ainda vão puxando um bocadinho da massa cinzenta que lhes disseram que "fazia mal", e impingir-lhes um chorrilho de mentiras com que eles ficam depois entretidos, e no caso de ser necessário fazê-los baixar a crista, acciona-se o "alerta de terrorismo", e fica-se com Bruxelas inteira à disposição durante o Domingo todo, para se levar o cão a mijar nos postes, sem ficar sujeito aos olhares de reprovação destes tipos, coitados, que até pensam que têm direitos e não sei quê. 


E o nosso amigo Arnaldo é outro que também deve ter ficado "em choque", pois ali no artigo  fala de uns "franceses flagelados por vários atentados", e apenas "no último ano". Ou se esqueceu de como se conta, ou neste "vários" inclui-se o número 2, que foi o número de atentados que se atribuíram ao que podemos considerar "terrorismo": o ataque à redacção do Charlie Hebdo em Janeiro, e a sexta-feira há exactamente um mês, e aí sim, podemos falar de "flagelo", com centena e meia de mortos. Claro que não terão sido os únicos crimes de sangue, mas são aqueles que aconteceram em território francês que foram acima de qualquer suspeita atribuídas a grupos terroristas. Se querem tirar nabos na púcara, vou-vos buscar o Correio da Manhã que a esta hora deve estar pejado de notícias que dão conta de actos isolados de "terrorismo cristão", do norte a sul de Portugal. Ai, ai, sr. Arnaldo. E A propósito, o que é isso de "terrorismo islamita"? Uma pessoa com o seu traquejo e uma visão mais alargada do mundo, um homem da política social, do Direito, especialista em "Assuntos Mediterrânicos", vai meter o Islão inteiro e o ISIS no mesmo saco? E vai mesmo, como vamos ver daqui a pouco, mas em primeiro lugar vamos ver como pobre sra. Le Pen foi tão "envilecida" nas redes sociais. COITADINHA! 


Olha para esta canalhada de esquerditas, abortocionistas, casamentistas e adopccionistas gayistas, ATEUS! (aibenzamenossasenhoradoscasosmalparadosedascausasperdidasquedoismabençói) NÃO HÁ TRABALHO, É? Ali aos 97, 61 e 50 de cada vez e envilecer a sra. Le Pen, que mais "vil" não fica, apesar de estar bem mais gorda - deve ser das orgias nazis, que dão nessas coisas. Epá, desculpem esqueci-me que em democracia temos que respeitar todas as opiniões e aceitar todos  os ideais. MENTIRA! Mas isso vamos ver daqui a pouco. Mas já agora, será que a senhora não tem quem a apoie nessa rede social por excelência, o Facebook? Vá lá, uma meia dúzia, pelo menos? Então, não tenham medo que a senhora também não; então se recordam de quando andavam todos enfiados debaixo da cama a bater os queixos de medo, com os alertas de terrorismo a rebentar com a escala, e a Le Penosa andava nas ruas, a dar o peito às balas que nunca apareceram, apesar dos vários anúncios de um grupo terrorista de que iria levar a cabo atentados terroristas? Eu ainda estou para saber o que será que esta gente pensa que o terrorismo é, ou no que consiste. Então apoiantes de Le Pen nas redes sociais? Vão deixar aí a súcia canhota a fazer a farra sozinha? 


Uou! Epá o que é isto, será que o Arnaldo viu mal? Ou...A SRA. LE PEN VIROU SOCIALISTA!! OU DE  ESQUERDA! Não, claro que não. O nosso simpático é que se esqueceu de renovar o seu reportório de retórica de chacha, daquela tão comum de encontrar na extrema-direita: 

"ai que horror, tudo contra nós....e os refugiados são terroristas...ai que nos chamam "xenófobos", que é uma coisa pior de fdp...refugiados assassinos...ai a nossa querida liberdade de expressão, coitadinha, que nos foi deixada pelos nossos ancestrais....menos em Portugal que só chegou há menos de meio século...bu,  uh, uh, e agora vêm aí 5000 terroristas entre os 50 refugiados "verdadeiros"...cortar-nos a cabeça e rebentar com isto tudo, para depois construir mesquitas e obrigarem a converter-nos ao Islão...uh, uh, uh...mas primeiro é melhor encontrarmos a cabeça, só não contem é com os olhos para procurá-la...buh, uh...porque estão lá agarrados...buáá!

E ao que se deve esta ENORME popularidade da sra. Le Pen nas redes sociais, onde pontifica sobretudo a "malta fixe"? Ah, sei lá, talvez por causa da proliferação que se deu no último ano de coisas como estas:

  

Hmmm, isto começa bem, com um grupo que dá pelo nome de "Islam will dominate the world", mas que a julgar pela descrição onde se lê não ser permitida a entrada a "enrabadores de cabras", deve ser um aviso, e não uma promessa. De resto, temos coisas como "Fuck Islam", "Burn the Quran", além da sede de várias delegações internacionais anti-Islão, e até grupos em francês, marcadamente opositores ao que chamam de "invasão", mas que dos oito perfis que vemos nos dois últimos rectângulos em baixo, apenas três dão a cara (apenas um nitidamente). Pitoresco é observar como num grupo que dá pelo nome de "Islam the cold hard facts and truth", que se pode traduzir como "a verdade e os factos sobre o Islão, doa a quem doer", está um membro cujo avatar é uma imagem da Miss Piggy de burqa (?). Ah, e não se deixem enganar por aquele grupo onde se lê apenas "Islam", porque...

Só lá vão encontrar coisas destas e piores. Mas espera lá, isto não é "Islamofobia"? Bem, lá ser é, mas..


Bom, entre outras páginas de elevado conteúdo "educacional", destaco ali a primeira, "O Lado Negro do Islão", que se anuncia mesmo sendo isso mesmo, "educacional". Mas reparem naquela ali em baixo, que nos fala de uma tal de "Cristianofobia" - é como a Islamofobia, mas ao contrário. É que enquanto os cristão tremem que nem varas verdes quando deparam com aqueles tipos zarolhos, com barba de bode e um napron na tola, os Islâmicos correm para casa e trancam as portas e janelas quando vêem...


Uhhh...que medo...olha ele ali, a querer evangelizar...e construir capelinhas...que coisa tão maluca, na nossa cultura não há...e apregoar aquele profeta...uh...casto! Hum. Pois, que a coitadinha andava ali com uma comichão que já nem podia, a sofrer. Sofrem, as mulheres no cristianismo, forçadas a evitar o sexo pré-marital, e...os bebés! Coitadinhos, ali enfiados numa pia baptismal por um....porra...pedófilo! Pois...epá sei lá. A Igreja é que tem imenso jeito para chamar estes nomes lindos às pessoas. Este tipo na imagem em cima nem precisa de ser zarolho ou ter barba de bode para assustar. Olhem para a expressão na sua cara, evidente da devoção que ali vai.


E é também aqui que Arnaldo comete um pecado que tem sido seu timbre, mas aqui perde o charme pathétique que teve em momentos, esses especiais, como quando chamou de "ururu" a Saramago, ou "verdugos" a Fidel Castro ou Mao Zedong. Reconheço-lhe o talento para fou de cour da direita, quando naquele jeito muito datado de cascar na esquerda, dá-lhe para...cascar na esquerda. Mas mesmo aí cai-lhe que nem uma luva a expressão Il ne sert à rien de montrer les dents lorsqu'on est édenté, se é que me entendeÁs vezes exagera com tanto pêcher à la traîne.

Não sei nem quero saber como é que o senhor foi identificar quem são exactamente os "simpatizantes do Estado Islâmico" - os tais que só apoiam quando a equipa está a ganhar, e quando está a perder muitos vão embora antes do jogo acabar, sabem? Ou se andou com eles ao colo, em suma, nada de novo, uma vez que já nos tinha presenteado com esta misteriosa aura de James Bond paraplégico, e que verdade seja dita, apanhava os bandidos todos "à unha" se quisesse, mas neste momento "tem imenso material irrelevante para rever", que depois converterá em mais peças destas de literatura urbana, com que depois nos brindará, deixando-nos absolutamente indiferentes, provocando em quem o lê uma epidemia de bocejos. 

Como é que este senhor, que tão educado, diplomado, publicado, cagançado, bazofiado e tudo mais, me explicaria o que queria dizer com aquela última parte do segundo ponto do seu artigo, que não fosse outra coisa que não 1) "Falo do que não percebo, e não tinha nada que fazer, e como não gosto de gente castanha, então que se f..., e já agora aproveito para dar o meu contributo para a descasca nos refugiados, confirmando que sim senhor, eles andam aí e ui, cuidado que se chegarem perto, bum!, como diz o outro. Ah desculpem os meus modos, eu há pouco disse "gente"? Queria dizer "lixo", e mais uma vez peço desculpa, que isto é da idade"; ou 2) "Ah yá, nesse mesmo dia e horas antes dos ataques estava lá eu sentado na Paris, what a city e o meu bat-radar captou a frequência de uma conversa de uns tipos que se tratavam uns aos outros pelo nome, morada e rendimento total do agregado familiar a combinarem entre eles ir a um concerto e a um jogo de futebol nessa noite, e antes de sair a mãe de um deles disse-lhes que ficou a saber do caminho que iam tomar, e recomendou que levassem as Kalaschikoves. O resto já se sabe, esta juventude só está bem é a estragar, e a partir e o camano, quando deviam era ler bons livros, que é o que eu faço, mas antes disso escrevo-os primeiro. Sou tão atraente..."


Fosse eu fazer a revisão do artigo arnaldiano, e era só isto que ficava. Pronto, depois recomendava que usasse menos do que as 15 palavras da família de "tolerância" num único parágrafo, e voilá! E não é mesmo que se ignorarmos esse estado catatónico que leva a repetir a mesma coisa vezes sem conta, até que estava aqui uma coisa bonita? O problema foi tudo o que escreveu antes, que deixam qualquer tolerante intolerante a outras palavras que enchessem o resto dessa passagem que não sejam da família de "hipocrisia". O problema aqui é elementar: mesmo que se possa encontrar neste extracto do texto um raciocínio lógico ou uma ideia válida, toda a flatulência verbal anteriormente emanada  havia deixado no campo da argumentação um cheiro tão nauseabundo, que nem a prosa mais floreada poderia sequer fazer germinar a sua semente. Seria calada também pela sinfonia gregoriana do vómito, que havia dado lugar ao chilrear dos passarinhos que agora jazem cadáveres no solo outrora fecundo e entretanto tornado asséptico, uma terra que os ainda ingénitos chamarão um dia de "maldita". Estarei a exagerar? Ora essa, até acho que estou a ser bastante cordial - um anjinho, um bombom. Acho que nem estou num dos meus dias, vejam bem. 


Ah esta teimosia, com a esquerda práqui, a esquerda pracolá (desde que esta não seja no centro ou na direita da outra), essa birrinha com a esquerda que par perceber nem precisa de vir Freud: explica-se com a trica que os chuchas mais os comunas arranjaram para tirar o pirolito de laranja do Arnaldinho. Não acha que passou da idade para ser "boy"? E olhe que eu disse "boy", apesar da figadeira ruim patente no seu manifesto nacional-socialista se poder igualmente explicar com essa enorme dor de corno. De facto os extremos podem ser bem afiados e penetrantes, como pode ser por vezes a ironia. Exemplo? E que tal quando o Dr. Arnaldo Jekyll dá um ar de si a meio da irrasciva diatribe do sr. Hyde Concalves para citar as leis que prevêem os crimes de ódio, que nem preciso de lhe recordar, vêm descritos no artigo 240 do Código Penal. Se me permite a ousadia, recomendava então que relesse o que escreveu, e a seguir deitasse uma (re)vista de olhos na referida lei, e tirasse depois as devidas ilações. Para terminar, a e com a devida vénia, permita-me reproduzir um momento inspirado, de um autor que penso ser um seu conhecido, mas que com um enorme pesar, sinto que já não se encontra mais entre os justos.


Então o Homem não é um ser privado de razão, de sentido de humanidade. Embora marcado no início da sua vida por um desejo natural de preservar o seu ser, não é um ser mutilado, rendido ao egoísmo pessoal, à lógica da auto-suficiência dos seus interesses. É um ser social e sociável por instinto, como Aristóteles o visionara: “o Bem final é pensado ser auto-suficiente. Aplicando este conceito não podemos olhar o homem como um ser levando uma vida solitária, mas tomamos em atenção os pais, filhos, mulher, amigos e concidadãos, porque o homem é um ser eminentemente social”.  Por isso, o desejo original de preservar a sua constituição natural é apenas a tentativa instintiva de realizar plenamente a sua natureza, isto é, crescer e desenvolver-se enquanto ser racional. A racionalidade, o intelectivo, marca o homem, distingue-o dos animais e é mais importante que todos os outros desejos naturais originários porque dirige os comportamentos do homem para a Justiça. Neste sentido, os homens são naturalmente empurrados a procurar a companhia pacífica dos outros, pois possuem o discurso e a razão e estão instintivamente inclinados a se comportarem de forma justa, mesmo que seja verdade que alguns homens não sigam por vezes, a sua verdadeira natureza. E é esta faculdade racional que o leva a perceber que a Justiça é uma virtude, um bem e em si independente de toda a consideração de interesse pessoal e de comodidade. 

Então, diz-lhe alguma coisa? Ai, ai, Arnaldo, ai, ai. Olhe, as melhoras, e quando estiver outra vez do lado da humanidade, que anda com falta de pessoal, diga alguma coisa, dê notícias, mande um postal de quando em vez. Valeu?

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