sábado, 6 de outubro de 2012

Um país ao contrário


A nossa querida República comemorou ontem o 102º aniversário, coitadinha. Ainda mais jovem que o realizador Manoel de Oliveira, respira no entanto menos saúde. Anda ligada ao respirador. Já sabemos que na boca dos portugueses anda agora a palavra "austeridade", um palavrão que muitos desconheciam, e que só agora aprenderam a pronunciar, para mal dos seus pecados. Isto é um povo alegre e festivo, de sangue quente, habituado ao bem bom, ao papo para o ar e ao "não me chateiem". Ao contrário dos alemães, suecos, noruegueses e outros nazis que só pensam em trabalhar e quase precisam de assistência hidraúlica para dar uma queca. É injusto que venham por aí dentro esses germânicos, lapões e o caraças dizerem-nos que devemos trabalhar mais, não devemos gastar, enfim, o que devemos e não devemos fazer. É triste que tenhamos chegado a este ponto e que estejamos nas bocas do mundo pelos piores motivos, nós que enchemos o peito lusitano de orgulho e nos chega uma lágrima ao canto do olho cada vez que vemos a nossa bandeira ou toca suíno. E quando joga a selecção? Epá aquilo é que é. E ninguém nos ganha aos matraquilhos!

Ontem as comemorações solenes do aniversário da República foram tudo menos aborrecidas, como aliás é (ou era) habitual. Contou com todos os ladrões, perdão, figurões da nação, com destaque para o presidente Cavaquinho. As hostilidades abriram com o sr. Presidente a içar a bandeira na varanda do Município de Lisboa...ao contrário. A bandeira estava ao contrário! "C...! F...-se para esta m..., era o que mais faltava", deve ter pensado o garboso algarvio, enquanto os restantes (ir)responsáveis da nação faziam um enorme "facepalm". Claro que o momento foi capturado, já extensamente ridicularizado, e é já uma imagem pop, que "espelha bem o estado da nação, que está virada do avesso", diz muito filosoficamente o povo. Por acaso virar o país do avesso nesta altura do campeonato até não era má ideia, se percebem onde quero chegar. São tantas as nódoas na camisa que pelo menos virada do avesso parecia mais limpinha. A bandeira ao contrário é, juntamente com a demissão de Sá Pinto, o tema mais comentado nas redes sociais. Mas não só...

Houve um pouco de tudo nesta sessão solene que assinala o 5 de Outubro, que para o ano deixará de ser feriado - de tão importante que é. O Pátio da Galé foi invadido por uma senhora de 57 anos que se queria aproximar do Presidente para se queixar da vida: não consegue viver com 227 euros por mês (ainda há quem consiga, nem eu sei como), e foi expulsa pela segurança, que levou a senhora para fora do edifício da câmara, enquanto esperneava e gritava "filhos da p...". Mulher valente, que se tornou imediatamente o centro das atenções da imprensa ali presente. Menos agressivo foi o protesto de uma cantora lírica, Ana Maria Pinto, que interpretou "Firmeza", de Lopes-Graça. Uma forma de protesto tão "soft" que até se pensou fazer parte das comemorações do aniversário da República. Se calhar devia ter cantado antes "A Luta Continua" dos Ena Pá 2000, ou "Vamos ao Trabalho" dos Peste & Sida. Tinha mais impacto.

Ainda aconteceram sete detenções à porta da Assembleia da República, de alguns rapazes que se calhar queriam ir lá limpar as pratas, e Mário Soares saíu cá para fora para dizer que "o 5 de Outubro é do povo!". E que "sem povo não há 5 de Outubro". Olha este anjinho, que até parece que é inocente. O que vale é que são cada vez menos as oportunidades que este tem de mandar bitaites. E como para o ano nem é feriado, pode ser que se esqueçam dele. E vai assim a nossa pobre e já centenária República. De cortes em cortes, de greve em greve, de protesto em protesto. É um doente sem melhoras aparentes, e não querendo ser pessimista...ora bolas, sou pessimista sim, que se lixe. O futuro é negro e vocês estão feitos ao bife meus amigos. Bem, aproveitem bem o fim-de-semana, enquanto ainda não for obrigatório trabalhar ao Domingo, e enfim, as melhoras. Mas eu não acredito, desculpem lá. E tenho pena.

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