quinta-feira, 12 de abril de 2012

Iscas com elas


Quando era chavalinho, vivia longe da escola, e almoçava com regularidade na cantina. As cantinas escolares, uma daquelas "despesas" com que os novel-anti-despesistas lá do rectângulo querem acabar, eram um mimo. Quantos jovens cresceram fortes e saudáveis a comer aquelas sopinhas e aqueles pratos quase-caseiros que vinham com pão e fruta e tudo? E se fossem simpáticos com a "xôra contínua" ainda podiam repetir. Que saudades daquelas malgas de metal, que os sádicos raspavam até ao fim com a colher para irritar as meninas com os dentinhos mais sensíveis. Não era apenas o valor nutricional da comida que contava; era também a camaradagem. O almoço era quase sempre uma festa.

As refeições eram sempre deliciosas - sou boa boca e gostava de tudo - mas dias havia em que a cantina estava praticamente vazia. Isso mesmo, quando havia peixe, favas ou iscas. Tudo coisas deliciosas. Por outro lado a cantina estava sempre cheia quando o prato era "de carne", o que me levava sempre a pensar que os meus colegas eram pobrezinhos e famélicos, e não comiam carne em casa. Quando era "frango assado", por exemplo, as senhas (que custavam qualquer coisa como 100 escudos no início dos anos 90) esgotavam num ápice. Coitadinhos do frangos, que eram devorados desde a pele quase até ao tutano. Mas voltemos aos pratos que os putos "detestavam".

As iscas, por exemplo, são uma iguaria bem portuguesa e bastante original. Sou grande adepto das nossas Iscas com Elas - "elas" serão as batatas cozidas que ficam um mimo quando ensopadas no molho das iscas. Quase toda a gente que conheço que detestava iscas quando era pequno come iscas agora. Tem piada que quando se era jovem e não se pensava no colesterol e no mal que todas as coisas que sabem bem fazem. Talvez a razão dos mais novos (ainda) não gostarem de favas é o facto de ser "fígado". Isso do fígado tem muito que se lhe diga. Na não menos deliciosas canja de galinha com miudezas, ninguém quer que lhe calhe o fígado. O coração e as muelas sim, mas o fígado é como a fava do bolo-rei (outra coisa que os mais novos não gostam).

Muitos de nós que viemos para Macau já comemos coisas que nunca nos passou pela cabeça comer. Pior que as tais iscas que tantos rejeitámos na escola: intestinos de galinha, barbatanas de tubarão, placentas de peixe, coisas asquerosas que nunca figurariam no menu da cantina da escola. Quem não trocaria isto por coisas como salada de orelha, pézinhos de coentrada, peixe-espada frito com arroz de tomate ou salada de ovas? Tudo petiscos divinais. Quanto às iscas propriamente ditas, como de vez em quando para matar saudades. Mas tive a minha dose de cavalo quando era pequeno, e é por isso que sou um rapaz tão bonito e saudável. Por isso deixo o meu conselho aos adolescentes imberbes: comam iscas, enquanto ainda podem.

1 comentário:

Sonia Gonçalves disse...

... e poderemos saber onde em Macau se deliciou com as iscas?