quinta-feira, 19 de junho de 2008

A nação e a coesão


Estava esta manhã a seguir um interessantíssimo debate no programa “Prós & Contras” da RTPi sobre o tema “é o futebol um factor de coesão ou alienação?” Apesar de me identificar com os argumentos do pró e do contra, penso que sim, que será de coesão. Estive em Portugal durante o Euro 2004 e depois do jogo festejava com indivíduos que não conhecia de lado nenhum, e durante os jogos chegavam mesmo a haver abraços e carícias entre estranhos. Sim senhor, aí estamos de acordo.

Mas durante o debate falou-se sobretudo do quase inato fatalismo lusitano, que tem muito a mania de falar ou muito bem ou muito mal de qualquer coisa. Somos sem dúvida um povo de extremos, sem conseguir encontrar um balanço, um ponto de equilíbrio. Somos acima de tudo um povo orgulhoso, teimoso, quem sabe ainda derivado do facto de termos sido no século XVI a maior potência mundial. A questão do gosto tem muito que se lhe diga. Nós dizemos que “gostos não se discutem”, e isto serve para justificar muito mau gosto que por aí anda. Os ingleses dizem “there’s no account for taste”, qualquer coisa como “não há medida para o gosto”, o que apesar de soar ao mesmo, é completamente diferente. Dizer “gosto não se discute” serve para aniquilar à nascença uma discussão que podia levar horas e acabar ao estalo.

Mas quanto ao gosto propriamente dito, e por exemplo considero que os filmes de Manoel de Oliveira, a nossa quasi centenária referência cinematográfica, são uma autêntica esturcha, a melhor cura que há para a insónia. Já a minha tia Conceição refutava este argumento com um “pelo menos ele ganha qualquer coisa lá fora”. Claro que ela se referia às inúmeras menções honrosas, meros prémios de participação, que o realizador recebeu das centenas de vezes que participou no Festival de cinema de Cannes, agora o “qualquer coisa” propriamente dita, ou seja, a Palma de Ouro, nem vê-la. E este “lá fora”, distante e misterioso, produto da nossa posição geográfica periférica, tem muito que se lhe diga.

Um português que faz qualquer coisa “lá fora” é para estas pessoas a prova cabal de que os portugueses são um povo engenhoso, empreendedor e talentoso e que não vêem o seu mérito reconhecido entre portas. Dizem isto até com uma certa ironia bacoca e malandreca como quem diz “Ah tás a ver? Aqui ninguém lhe ligava nenhuma, agora toma! Viram o que perderam?”. É escusado explicar que em todo o mundo há emigrantes gregos, russos, filipinos e outros, às vezes até mais que portugueses, que alcançam enormes sucessos nas mais diversas áreas.

Outro exemplo é José Saramago. Pessoalmente não gosto nada do gajo, que ultimamente só diz asneiras cada vez que abre a boca. Por acaso até não escreve mal, mas não figura nem no meu top-10 mundial. Mas ai de quem falar mal do senhor, que afinal ganhou “para Portugal” o prémio Nobel. Mesmo quem nunca leu um livro de Saramago defende-o com unhas e dentes. “É o melhor escritor do mundo, ouviste? E é português!”.

Depois há as posições radicais que os portugueses gostam de tomar em quase tudo. Os imigrantes africanos, por exemplo. Em Portugal, ou se adoram ou se detestam os africanos. Ou se exerce aquele racismo latente tão típico dos povos latinos, do tipo “eu não sou racista, mas…”, ao que se segue um comentário extremamente infeliz e xenófobo. Ou no extremo oposto há os que mergulham de cabeça no africanismo, não perdem uma festa, dançam kizomba, comem cachupa e muamba, ficam furiosos cada vez que há uma notícia sobre um bairro problemático qualquer, e vêem racismo em toda a parte. Conheço muito pouca gente que entende estes indivíduos como imigrantes, a ganhar a vidinha longe do seu país, e como toda a gente lutam pela vida e fazem discretamente as suas festinhas para matar a saudade.

E por falar em kizomba, tenho oportunidade de observar no programa “Dança comigo” da RTPi aquela apresentadora, Catarina Furtado, que se pela por tudo o que é música dos trópicos. Chama “mérengue” ao merengue, diz que a rumba tem um ritmo “caliente” e começa a abanar-se que nem uma tontinha e a fazer uma cara de quem está quase a ter um orgasmo quando ouve uma nota de salsa. A mensagem que passa é que somos um povo sem ritmo, sem cadência, que precisa de importar e consome avidamente outros sons e danças que nada têm a ver com o nosso clima, língua ou cultura.

Depois há os brasileiros, hoje em muito maior número no nosso país. Mas para quem a memória não é curta, lembra-se certamente de nos anos 80 assistir à idolatria de tudo o que vinha no Brasil. Qualquer pé-torto era um “grande jogador” desde que viesse do Brasil. Alguns portugueses saíam do dentista a falar com sotaque, e qualquer cabotino fazia sucesso como músico. Os pobres turistas tinham que aturar muitas vezes conversas do tipo “Ah você é brasileiro? Como é que acaba a novela?”. Novelas essas que passavam em Portugal anos depois do Brasil e paravam completamente o país. Não se via vivalma nas ruas depois das 8: 30 da noite.

Da música nem se fala: foram as Simones, as Joanas, as Bethanias, um sem fim de actos (ou atos) e sempre com uma legião de adeptos que dizia a viva voz que “sempre são melhores que os ingleses e os americanos, que só fazem barulho”. Isto muitas vezes vindo de pessoas que não falavam uma palavra de inglês. Não admira que os brasileiros tenham tantas "piadas do português". Mas quanto ao gosto musical, o melhor mesmo é ficar por aqui. O que dizer de um país onde o artista mais vendido é o Tony Carreira?

No futebol é o Benfica, o Sporting, o Porto. Não sei se há mais algum país, pelo menos na Europa, onde os três grandes clubes vão jogar a cidades que têm também clubes com alguma expressão e recebem o carinho dos adeptos locais. "Eu sou do Leixões, carago, mas se bem jogar aqui o FêCêPê, quero que ganhe!". Depois o brasileirismo também marca presença. A maioria dos jornalistas desportivos dizem "Cristiano Rônaldo" em vez de Cristiano Ronaldo. Noutros desportos onde Portugal não tem qualquer expressão apoiam-se os brasileiros: foi o Piquet e o Senna na Fórmula 1, o Gustavo Kuerten no ténis.

Pessimistas e derrotistas, somos, sem dúvida. Foram muitos anos a pedir, de governantes incompetentes, decisões infelizes, e um enorme complexo de inferioridade. É uma pena realmente, com aquele clima, aquelas praias, aquele peixe, todo aquele céu e campo, e o imenso sentir lusitano. Enfim, os ingredientes estão lá todos. Os cozinheiros é que estragaram o guisado.

8 comentários:

Gotícula disse...

Nem mais, nem mais...as mentalidades estão mudando, devagar, devagarinho à boa moda Portuguesa. Mesmo assim, não trocaria isto por nada. Viva Portugal, eu acredito!

Anónimo disse...

quando estamos fora de Portugal vemos melhor estas coisas

C disse...

Concordo em parte o que o Leocardo apresentou neste seu postal denunciando a questão do "gosto não se discute" o que representa em termos político-filosóficos o mal entendimento entre a moderação e o "moderantismo" (um francesismo).

Com a chamada moderação na acepção tradicional e grega do conceito, significa prudência política, sinónimo de tolerância o que é bastante diferente de "moderantismo", um conceito originado da Revolução Francesa que se tornou "religião" do século XXI - “La culture du refus de l’ennemi, modérantisme et religion au seuil du XXIe siècle” - que se traduz na «“pacificação pela neutralização”, pela recusa do inimigo o que leva o “moderado/tolerante” a recusar todo e qualquer compromisso com medo de ser catalogado de extremista ou de ser levado a tomar posição, ou seja, a assumir-se o que é algo que naturalmente lhe desagrada» (Política do Terror), ou seja uma estratégia para blindar certas posições que têm pretenções em tornarem-se dominantes.

A chamada a utopia do apaziguamento definitivo dos conflitos só agravou os conflitos em si, pois não passa de uma fórmula de fuga para a frente sem realmente obter uma solução de fundo e esta manobra não ajuda nada à chamada a responsabilização política tão importante para o bom funcionamento das democracias-liberais.

Por outro lado, na discussão do Prós e Contras foi notório dois tipos de visão política sobre a organização da sociedade portuguesa, uma assente nos pressupostos jusnaturalistas e realista (Direita), da existência do conceito de Nação e do Estado-Nação e a outra da Esquerda, idealista e jusracionalista em que não faz sentido em falar-se em Nação, no "Nós" (portugueses) porque os homens segundo a cartilha marxista "devem ser" internacionalistas, cidadãos do mundo, unir-se na luta de classes.

Ora por muitas vezes este segundo ponto de vista tem sido aquele mais conflituante mesmo nas discussões sobre a macaensidade, etc...

Daí a sintetização simplista de quem não é a favor da Nação portuguesa não dever ser considerado português.

Sobre o racismo, há aquele de gente mal formada e pouco educada, existente em qualquer parte do mundo e aquela que deriva das novas concepções revolucionárias e abrilinas sobre o que é ser português, justamente só aqueles que são do "rectângulo" - um mal que deu origem aos neonazis etc...

Na tradicional acepção do conceito do "Ser Português" deriva dos valores universalistas portugueses, do historicismo das Descobertas, o que permite que os portugueses com a sua cultura original, assimilem novas culturas pelo mundo fora, criando novas sínteses culturais, e fazendo destas últimas as suas, projectando-as de novo para o mundo. A cultura portuguesa é dinâmica mas sempre com uma matriz base, uma espinha dorsal e nesta acepção não há lugar para racismos, ou seja os conceitos de racismo e etnocêntrismo devem ser tomado como um factor inimigo da nossa cultura, impeditivo da nossa portuguesa expansão, o que significa, segundo Agostinho da Silva, tornar o significado de se "Ser Universalista" em "Ser Português".

Vale a pena acreditar em Portugal e nos Portugueses!

Anónimo disse...

VRC, es mesmo chato.

Anónimo disse...

Acabou-se o recerio meninos!!!

Há que regressar à realidade.

Trabalhar 12 horas por dia.
Economia sufocante.
Saúde, em grandes filas de espera.
Expectativas frustradas, para o cidadão comum que espera pela "coesão na nação"

lusitano

C disse...

Como disse e bem uma jornalista da SIC-Notícias numa peça sobre a "grande desilusão" dos portugueses com a derrota da Selecção, (com uma imagem focada numa rapariga de ascendência africana a chorar, lavada em lágrimas na fan zone da Alameda em Lisboa):

"Ser Português é como se fosse ser de uma RAÇA de muitas cores".

É isso mesmo!

Anónimo disse...

Há mais alienação daqui a dois anos... se calhar.

C disse...

Ao Anónimo das 1:51,

Dizer certas verdades não é ser chato, mas sim um serviço público, do Servir. Infelizmente há ainda muitas pessoas que não estão sensibilizadas o suficiente para conseguir ler nas entrelinhas das discussões políticas ou para-políticas, e cabe ao sentido de obrigação moral fazer este esforço, ou como está em voga o termo "cidadania".

Sds,