Existe em Macau um indivíduo de aparência portuguesa que costuma estar no Largo de Senado, mau aspecto, cara de poucos amigos, que de vez em quando “crava uns trocos” a transeuntes e conhecidos, alegando ser “para comer”. Quem o conhece normalmente recusa, sabendo que se trata, na verdade, de um toxicodependente. Diz-se que recorre também a pequenos furtos e outros expedientes para obter dinheiro para sustentar o vício. Recentemente terá sido detido pelas autoridades por furtar tampas de esgoto (?), que iria vender no ferro-velho. Como ele existem muitos, a maioria longe dos olhares do cidadão comum.
É um submundo que abrange cada vez mais os mais jovens, alienados, muitas vezes atirados para as garras do vício por indivíduos mal-formados e sem escrúpulos, ignorados pelos familiares, que muitas vezes só se apercebem do problema quando é tarde demais. Quem lida com este problema diariamente, e falo dos profissionais da área do combate à toxicodependência em particular e acção social em geral (e continuam a faltar este tipo de profissionais, tanto em quantidade como em qualidade), sabe melhor que ninguém o que sofrem estes doentes, e por que passam as suas famílias.
Não se pode considerar anormal que em Macau, meca do jogo, onde proliferam negócios paralelos como a prostituição e a agiotagem, exista um problema de droga. A droga coabita com os locais onde normalmente é consumida: as discotecas, os bares, os karaokes. Tem-se assistido a um aumento do consumo de drogas recreativas, e as apreensões têm-se feito a um ritmo quase diário. É a ketamina, a cannabis, o ecstasy. Atente-se à designação: recreativas. Analisando o problema mais profundamente – e não me cabe fazê-lo agora, e muito menos aqui – não será que existe em Macau um défice de recreação, ao ponto que se tenha de recorrer à escapatória da droga? Muito se tem debatido em Macau a questão do consumidor, do traficante, do traficante-consumidor, das distinção da quantidade para consumo e para tráfico, sem que se consiga chegar a um consenso.
Quem fala do ponto de vista sociológico, considera o toxicodependente “um doente”, por outro lado há quem considere que quem procura estas tais “drogas recreativas” está a ajudar o traficante, e é, portanto, cúmplice. Uma grande parte da população mete tudo no mesmo saco, sejam drogas leves, duras ou recreativas. Nem me atrevo a fazer aqui a apologia da descriminação do consumo ou mesmo da liberalização de algumas drogas proibidas, que tão bons resultados têm tido em alguns países, livrando a sociedade em geral do ónus de ter que cuidar dos seus toxicodependentes (presos custam dinheiro e meios ao Estado, e esse dinheiro sai dos impostos, sabiam?), ou das salas de injecção assistida que dão a esses toxicodependentes condições de higiene que evita que venham a adquirir (e transmitir) infecções perigosas, e que os afasta de edifícios em ruína e parques públicos.
Não interessa, e a reacção normal é “não quero saber dessas porcarias”, e apelam ao carácter preventivo da lei, que passa por prender seja quem for que esteja relacionado com drogas. Isto até um dia o azar lhes bater à porta. Que tenham um dia um filho, irmão ou cônjuge preso por uma estupidez qualquer, aí tomam contacto com uma realidade completamente diferente, e se calhar já não pensam da mesma forma. A ignorância é muitas vezes perigosa quando se lida com este tipo de problema tão sensível. A solução passava por sensibilizar a população, quer miúdos, quer graúdos. Quando estava no 9º ano, fiz juntamente com dois outros colegas um trabalho de pesquisa sobre a droga, que ia desde os efeitos dos estimulantes mais comuns (café, chá, cacau) até às drogas duras, passando pelas psicotrópicas e pelo alcool. O trabalho mereceu grande destaque numa campanha de combate à droga em Vila Franca de Xira esse mesmo ano.
É importante combater os tabus e educar no que diz respeito às drogas, aos seus efeitos, e sobretudo transmitir a ideia de que nem todas as drogas são iguais. Seria um passo enorme em relação às pobres campanhas que temos hoje nos media, que apelam a que os jovens “vivam uma vida impecável”, sem droga, ou da tal dialética “desporto sim, droga não” ou ainda a insistência em deixá-los saber que a droga “é ilegal”. Será que não passou pela cabeça de ninguém que na idade da rebeldia os jovens podem sentir-se tentados a experimentar drogas por essa mesma razão? Porque é ilegal? Vejo muitas vezes no canal de Hong Kong um anúncio em que se explica os efeitos do ecstasy, onde se vê um indivíduo completamente tresloucado aos gritos pela rua, e ouço um comentário do tipo “o ecstasy faz o seu consumidor ranger os dentes”. Esse deve ter sido o contributo da Associação de Odontologia, sem dúvida.
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