domingo, 8 de junho de 2008

Licença para gastar


Os cartões de crédito, o dinheiro de plástico. Um utilitário para quem viaja e não precisa de se preocupar com câmbios ou andar com muito dinheiro para aquelas coisas mais caras. Eu confesso que sou um grande adepto do uso do cartão, pois detesto andar com mais de 200 patacas no bolso. A primeira vez que vi um cartão crédito, assim como a maioria dos queridos leitores, foi nos filmes americanos. Pois, pois, upa, upa. Aquilo nos anos 70 e 80 era ver a cobóiada a sacar do cartão e nós, ali no cantinho à beira mar plantado ficávamos embasbacados a perguntar como era possível adquirir bens através de um simples cartão. Seria magia? Certamente que levar qualquer coisa sem precisar de pagar dinheirinho vivo não está ao alcance de qualquer um.

A primeira vez que tive um cartão de crédito foi em 1996. Rendi-me às evidências, era altura de deixar de andar de caixa em caixa a levantar o vil metal, e evitar situações embaraçosas como gastar demais no supermercado e ter de pedir à menina da caixa para "nos desculpar" enquanto vamos ali ao outro lado da rua levantar o dinheiro que falta. Confesso que cometi excessos, sim, loucuras até. Principalmente quando descobri que se podia usar o cartão para fazer compras online. Aquilo é que foi um desbaratar de capital. E se alguém pensou nisso, não, não me inscrevi em nenhum site de pornografia a pagantes. Quando fui a Portugal ainda nessa altura não se aceitava cartão de crédito em toda à parte. Às vezes esbarrava com um "só aceitamos cartão Multibanco" ao que respondia sempre mui diplomaticamente "nem sei o que é essa merda". País de atrasadinhos.

Os bancos praticam a modalidade de juros mais elevada para os cartões de crédito. É verdade, que crueldade. Pessoalmente não concordo muito com esta prática, quer-se dizer, andam os judeus a ser perseguidos há séculos por usura, e depois vêm estes gajos fazer exactamente a mesma coisa, ou pior. O segredo para evitar juros malucos que a certa altura já nem se percebe muito bem para onde vão é pagar a totalidade da conta do cartão de crédito todos os meses. Isso mesmo, não deixar lá um avo por pagar e por onde nos podem começar a sugar o tutano. Uma vez esqueci-me de pagar o cartão (esqueci-me mesmo) e recebi uma carta super-simpática do banco que dizia qualquer coisa como "temos a certeza que se trata de um mero esquecimento". E não é que os maganos tinham razão? Foi mesmo esquecimento.

Alguns dos nossos compatriotas em Macau sofreram de terríveis casos de amnésia, em alguns casos colectiva. Vários partiram de volta para o rectângulo sem liquidar as contas do cartão, ao ponto dos bancos andarem aí maluquinhos à procura de bens que pudessem penhorar. Em alguns casos familiares seus que foram ficando receberam telefonemas de agências de cobraça coerciva. A maioria, e em alguns casos personalidades respeitáveis da nossa comunidade, partiu sem deixar rasto. Isto gerou uma desconfiança tremenda entre as entidades bancárias, ao ponto de alguns dos nossos compatriotas terem visto rejeitados pedidos de emissão de cartão de crédito, aí entre 2000 e 2001.

A fórmula era muito simples e repetia-se vezes sem contas nos tempos do pré-1999: 1) banco X emite cartão de crédito a um Zé Ninguém que nunca tinha visto tanto dinheiro na vida (entenda-se o limite do cartão) 2) O Zé e a Maria dele compravam tudo o que lhes vinha à cabeça: televisões, frigoríficos, câmaras de filmar, viagens, tudo 3) "pelo sim, pelo não", a Maria arranjava também ela um cartão 4) era um festim; os dois gastavam como gente grande e deixavam escapar um "ai se o pessoal lá na Aldeia nos visse agora..." 5) chegavam as contas e de olhos esbugalhados exclamavam: "afinal esta m... é preciso pagar?!?!" 6) iam pagando o mínimo (duzentas, às vezes duas mil quando vinha o subsídio de férias ou de Natal, que voltavam a estoirar rapidamente) e quando foi para ir embora, ala que se faz tarde, nem olharam para trás.

Grande irresponsabilidade essa dos bancos em emitir cartões a qualquer um. Um amigo meu que trabalha no HKSBC dizia-me que os cartões platinum foram criados porque qualquer motorista, jardineiro ou ajudante de pedreiro podia obter o golden. O meu salário quando pedi o meu primeiro cartão de crédito era de 14 mil patacas, e foi esse o limite que deram no cartão. Agora porque será que deram créditos dantescos a quem ganhava meia dúzia de patacos? Será que confiavam assim tanto na bondade humana? Ah não, não deve ser isso. Afinal, são bancos...

5 comentários:

Anónimo disse...

Só se for no HKSBC que qualquer um pode ter o cartão Gold. No BNU é preciso ter um rendimento anual de 150.000 MOP. Mesmo para o Classic é preciso ter um rendimento anual de 50.000.

Quanto aos calotes, em Portugal resolvem isso não ficando à espera que o cliente faça o pagamento. O próprio banco se encarrega de tirar o dinheirinho da conta do cliente. Isto se lá houver dinheiro, claro.

Leocardo disse...

Conheço alguém com um rendimento inferior a 150 mil por ano que obteve um cartão Gold porque cumpria os pagamentos a tempo e horas. E nem precisou de pedir, o banco sugeriu a promoção.

Anónimo disse...

creio que eles fazem regularmente promoções com redução das exigências...e por vezes mesmo que não atingue o mínimo, se tivesse um quantia suficiente para gaarantir o pagamento tanbém será atribuído um cartão de maior valor

Anónimo disse...

ALGUÉM ME CONTOU QUE AS DÍVIDAS DO CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SÃO EXIGÍVEIS VIA JUDICIAL...PORQUE AS DITAS EMPRESAS COMO VISA E MASTERCARD NÃO SÃO PESSOAS JURÍDICAS AQUI EM MACAU (APENAS NAS CARAÍBAS)...DE FACTO NUNCA VI UMA SENTENÇA A OBRIGAR ALGUÉM A PAGAR AS DÍVIDAS DOS CARTÕES...ALGUÉM ME SABE RESPONDER?

Anónimo disse...

Leocardo, isso é diferente. Para "qualquer um" as regras são as que deixo no primeiro comentário. Alguém como o do exemplo que dá já não é "qualquer um", é alguém que obtém a confiança do banco. Por isso é que é o próprio banco a propor a adesão ao cartão.