segunda-feira, 26 de agosto de 2013

No escurinho do cinema, parte I: era uma vez...


Aproveitando o sucesso da série "Educação Musical", decidi inaugurar aqui outra rubrica, desta vez dedicada ao cinema. Fui roubar o título a um dos maiores êxitos de Rita Lee, "No escurinho do cinema", que diz quase tudo sobre essa experiência mágica que é ficar sentado na escuridão em frente ao grande ecrã. Mais uma vez record que todas as opiniões são pessoais, e não exijo a ninguém que concorde seja no que for. Espero que gostem.

A primeira vez que fui ao cinema terá sido quando tinha os meus 4 ou 5 anos, não me recordo bem, e tenho quase a certeza que o primeiro filme que vi foi “Se a minha cama voasse”. Escusado será dizer que os detalhes do enredo foram varridos da minha memória com a mesma velocidade com que entraram. Mas ir ao cinema é uma das minhas memórias mais queridas da infância. Ir ver um filme no grande ecrã nas tardes de Sábado ou Domingo era o que de mais sofisticado e elegante me aconteceu durante anos. O teatro (literalmente) dos sonhos era no Montijo: o velhinho Cineteatro Joaquim D’Almeida (sem relação com o actor), enorme, sumptuoso, um verdadeiro monumento – e apenas a cinco minutos a pé de casa.

O Cineteatro tinha duas bilheteiras à entrada, uma de cada lado, e no meio uma porta dupla onde um senhor devidamente uniformizado fazia a triagem dos cinemófilos e recebia os bilhetes, que rasgava num canto com as suas distintas luvas brancas. As opções eram Plateia e Balcão, este mais caro mas sempre a minha primeira escolha. Duas batidas de um gongo oculto anunciava que faltavam poucos minutos para o início da sessão, e depois dos “chius” que mandavam calar os mais agitados, abria-se uma lindíssima cortina rebordada em de cor grená, e deparava com o cinzento da tela, de onde no ia tirar os olhos durante mais de uma hora. A única interrupção era o “Intervalo”, dez minutos que os incontinentes usavam para fazer o seu xixi, e os fumadores aproveitavam para ir matar o vício, dirigindo-se ao varandim que dava para a rua, de onde se podia ver a esquadra da PSP do Montijo – inspirador, deveras. Os mais gulosos podiam aproveitar para ir até ao bar – um daqueles bares clássicos que vemos nos filmes dos anos 50 – comprar uns doces para mastigar enquanto viam a segunda parte da fita, e podia-se até beber uma “bica”, para gaúdio daqueles que não passam sem as suas nove ou dez injecções diárias de cafeína. Um simples soar do gongo anunciava o fim da pausa, e lá voltavamos aos bancos de esponja forrados a cabedal com encostos de pau, concluír o cerimonial cinéfilo semanal.

Até aos meus nove ou dez anos ia ao cinema com o meu saudoso pai, que me aturava todos os caprichos. Nunca cheguei a agradecer e ao mesmo tempo pedir desculpa por o ter feito aturar as comédias “spaghetti” com Bud Spencer e Terence Hill, e outros próprios da minha idade mental à altura, que o meu velho era obrigado a ver, mesmo que a muito custo. Recordo-me dos anúncios dos filmes a estrear, que passavam antes do filme propriamente dito, e de lhe dizer “temos que ir ver este”, que eram praticamente todos! Mas nem tudo era mau, e cheguei a ir ver alguns clássicos com o meu pai: “Ben-Hur”, “O Campeão”, com o pai da Angelina Jolie, ou “Victory”, o tal filme sobre os prisioneiros de Guerra que disputam um jogo de futebol com a selecção da Alemanha Nazi, que tinha no elenco Sylvester Stallone, Michael Caine e Pelé, entre outros. Quando o meu pai voltou a casar, dividiu o enfado de me levar ao cinema com a minha madrasta, mas como ela tinha um gosto mais eclético, era com menos sacrifício que o fazia. Entre alguns dos filmes que me lembro vermos juntos estão “E.T.”, “Flashdance” ou “Salteadores da Arca Perdida”.

Quando passei a ir sem os pais ao cinema, tornou-se tudo mais fácil. Como a mesada só dava para uma ida por semana, os critérios da escolha da película eram rigorosos, pois uma “banhada” deixaria um sabor amargo na boca toda a semana. Os filmes “imperdíveis” eram vistos na companhia dos amigos do Ciclo, outros menos consensuais com o meu irmão, ou algumas raras vezes sozinho. Aos 10 anos tive a primeira experiência cinematográfica fora do Montijo, quando fui ao antigo Caleidoscópio do Campo Grande ver o “The Never Ending Story”. Ir a Lisboa ao cinema era um luxo. Cheguei a ir ao Alvalade, ao Quarteto, ao S. Jorge, e ainda me lembro da primeira vez que fui às Amoreiras, com a mãe, o irmão e uma caixa de pizza de atum. Em exibição estava o primeiro filmed a série “Back to the Future”. A minha primeira “infração” cinematográfica foi também nas Amoreiras, quando tinha 12 anos e fui ver “O nome da Rosa”, que era para maiores de 16. Não tive qualquer problema a entrar, mas a escolha valeu-me um raspanete dos pais.

Não custa nada regressar trinta anos no tempo e trazer de volta estas recordações. Ir ao cinema passou a ser tudo menos um momento mágico, um dia que passava toda a semana à espera. Contam-se pelos dedos de uma mão as vezes que vou ao cinema num ano, pobre de mim. Quando me sento nas cadeiras de avião daquelas salas apertadas recordo-me do majéstico Joaquim D’Almeida, que depois de alguns anos abandonado, é actualmente utilizado para outros espectáculos, inseridos no programa cultural e recreativo da Câmara Municipal do Montijo. É certo que hoje temos 3D, HD, stereo surround system e o diabo a sete, e ainda bem, mas é com nostalgia que recordo os borrões na tela que indicavam a mudança de bobina, os riscos na imagem, o som vindo das colunas do cineteatro, de pobre qualidade, mas sempre era melhor que nada. Hoje os filmes cabem no bolso e nem sequer requerem que alguém fique de olho no projector. Ainda me lembro de quandoa fita encravava e a malta mandava “bocas” ao gajo lá de cima, do outro lado daquele quadradinho de onde saía a poeirenta imagem. Não me acusem de saudosismo. Isto são apenas saudades. E como apertam…

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