quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Os bons, os maus e os vilões


O que têm em comum os os agentes da acção social, os defensores dos direitos humanos, dos homossexuais e dos animais, e os ambientalistas em Macau? São uns chatos! Não produzem, não dão lucro, o sector do jogo não depende deles, não trazem ao território jogadores VIP, é gente que não encontra nada mais produtivo que fazer. Pelo menos é essa a imagem que deles se pinta, fomentada por quem exerce o poder e seguida por uma grande fatia da população que também prefere uma conta bancária bem recheada ao bem-estar social (dos outros, entenda-se). São actividades que simplesmente não colhem, e quem opta por defender os indefesos, sejam eles cidadãos em risco, animais ou plantinhas, por profissão ou por convicção, raramente dorme com a sensação do dever cumprido. Ou qualquer outra sensação gratificante, para esse efeito.

Quem opta por estudar na área da acção social, um curso que é olhado com desconfiança pelos pais dos jovens que investem nos seus estudos e querem para eles um bom futuro, está condenado a lutar contra a indiferença. O curso tem pouca saída, e as únicas opções profissionais serão dentro da própria administração, que cumpre assim o seu dever social, a que é obrigada. Numa sociedade como Macau onde quase todos já nem conseguem olhar para a frente, habituados que estão a olhar para o próprio umbigo, contam-se pelos dedos quem ache útil ou sequer sensato ajudar os mais carentes. Estes agentes sociais são vistos como “aqueles que ajudam os coitadinhos”. Vão a casa dos velhinhos, que estão sozinhos, coitadinhos, trazer-lhes uma sopinha ou ver se eles precisam de alguma coisinha, e este só é um trabalho reconhecido nas épocas festivas, quando ainda há quem se lembre dos menos sortudos. Os que trabalham com os deficientes são vistos como “esquisitos”, pois na cultura chinesa isto é ainda visto como uma coisa “preta”, azarada (para quem não tem familiares deficientes, claro). E quanto aos que trabalham na área da reinserção social, com ex-presidiários ou toxicodependentes, ora essa, “quem mandou esses gajos fazerem merda ou meter-se na droga”? Todos encostados ao Campo Pequeno, como dizia o nosso major Tomé, e era pouco.

Os defensores dos direitos dos mais oprimidos, que não têm tanta sorte em beneficiar da subsidiação ou outra espécie de apoio do Governo, são vistos como “aqueles gajos que querem qualquer coisa”, e que se estão sempre a queixar. Os grupos que mais se fazem ouvir na defesa dos direitos humanos, sendo talvez o mais conhecido a Associação Novo Macau Democrático (NMD), levam normalmente com o preconceito de que “estão a ser pagos”, normalmente por alguma potência estrangeira anti-China, quase sempre os Estados Unidos. Mesmo que alguém se manifeste contra abusos dos direitos humanos praticados na China ou outro país apenas por convicção está condenado a ser rotulado de “traidor a soldo de uma potência estrangeira”. Se por acaso se trata de alguém idealista que sonha apenas com um mundo melhor e mais justo, é “parvinho” e ingénuo, ou se calhar “ainda é muito novo”. Se é demasiado radical, como aquele Lei Kin Yun, o jovem líder do grupo “Activismo pela Democracia”, é sem dúvida “um maluquinho”. Os restantes activistas também não ficam bem na fotografia; se é pelos direitos dos homossexuais, só pode ser um homossexual, lógico, e lá está outra vez o NMD na linha da frente. Se é pelos direitos dos animais, não será necessariamente um animal, mas um desocupado. Os cães e gatos só se safavam se também votassem. Pelo menos os homossexuais votam, e por isso o Governo é mais cuidadoso (ou devia ser) a tratar das suas exigências quanto à questão dos direitos.

Os ambientalistas são um grupo de que pouco se sabe em Macau. Não há quem proteste pelo derrube de árvores, qualquer forma de desmatação ou outro atentado ambiental cometido para dar lugar ao progresso. A malta gosta é do progresso. Aqui não temos o Greenpeace, nenhum partido do tipo Os Verdes, como em Portugal, ou sequer algo semelhante à Quercus. Se por alguma hipótese remota se descobrisse que o uso de “smartphones” no território prejudica a migração de uma espécie de cegonha qualquer, ninguém se ia preocupar. “Quero lá saber da merda das cegonhas?”, diria o cidadão comum enquanto mandava mais uma mensagem à namorada pelo iPhone. Aquele senhor do Conselho do Ambiente que protestou por não ter sido ouvido quanto ao plano de requalificação do mangal da Taipa, onde habitam as tais garças, foi uma honrosa excepção. Até neste departamento do ambientalismo é o NMD quem mais se faz ouvir – são mesmo uns chatos, estes gajos. No que toca ao ambientalismo, direitos dos animais ou protecção de espécies em risco, tudo se resume aos pandas residentes no parque do Seac Pai Van, que vivem melhor que muitas pessoas.

É lamentável que o trabalho ou o esforço destes agentes e destes grupos não seja devidamente reconhecido. Numa cidade onde o que há mais é dinheiro, é apenas normal que a maioria da população esteja especialmente interessada em obter a sua parte, de preferência o mais possível. E até não são más pessoas, antes pelo contrário. Aderem à Marcha da Caridade, organizada todos os anos pelo milionário Fundo de Leitores do Jornal Ou Mun, e contribuem ocasionalmente para os peditórios a favor dos surdos e tudo mais depositando uns trocos na latinha pendurada ao pescoço daqueles voluntários das escolas secundárias que por aí andam aos Domingos. É gente com um caroço bom, afinal. Mas o que acontece se um dia precisarem do apoio das associações que tanto desprezam e às vezes criticam sem conhecer a fundo? Bem, nesse caso batem três vezes na madeira e dizem “tak kat lai si”. Que o Buda os livre.

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