terça-feira, 25 de novembro de 2008

Respeitar quem trabalha


A minha empregada filipina é uma pessoa maravilhosa. Trabalha connosco há mais de dez anos, desde que a nossa filha nasceu, e os miúdos vêem nela praticamente uma segunda mãe (chamam-lhe "tia"). Vai buscá-los todos os dias à escola, limpa-nos a casa, passa-nos a roupa, nunca se queixou. Quando vai de férias sentimos a falta dela. É para mim um prazer voltar todos os dias a casa e encontrar tudo limpo, a brilhar, o jantar feito, tudo nos conformes. Às vezes faz-nos comida filipina, que os miúdos adoram, e ensinei-lhe alguns truqes da comida portuguesa. Uns refogados, umas caldeiradas, umas coisas que se comem cá em casa aos fins-de-semana.

Apesar de trabalhar para nós há uma década, sempre em situação de perfeita legalidade, continua a ser trabalhadora não-residente. Há quatro anos nasceu-lhe uma filha do seu casamento. O marido, vendo o seu contrato como segurança privado não renovado, teve que regressar às Filipinas, onde está também a filha, uma vez que como trabalhadora não-residente, a minha empregada não usufrui dos subsídios da DSEJ, e a educação da criança torna-se quase incomportável. Partilha um apartamento na zona norte da cidade com duas compatriotas, pagando cada uma a quantia de 600 patacas mensais.

A minha empregada filipina, assim como muitas outras da mesma origem, ou indonésias ou até da China continental, ajudam a tornar a vida mais fácil a milhares de residentes. A limpar-lhes a casa, a tratar-lhes da roupa, a cuidar das suas crianças e dos seus velhos. Nos restaurantes e nos cafés servem-nos à mesa sempre com simpatia. Falam inglês, uma vantagem numa cidade que se quer internacional. Algumas são mal tratadas, humilhadas, enxovalhadas. Outras optam pelo trabalho ilegal, como forma de complementar o sub-pagamento a que estão sujeitas.

Devido a uma lei injusta, por muito que se esforçem por se manter no território de forma legal, dependem da vontade, das condições e até mesmo da disposição dos empregadores. Os seus filhos, apesar de nascidos no território, não têm o mesmo direito de outras crianças na mesma situação: o estatuto de residente. Existem subterfúgios mil para se conseguir a residência. O investimento, que premeia os ricos, e os casamentos mais que duvidosos, que premeiam quem paga ou simplesmente abre as pernas. Trabalhar honestamente está fora de questão.

Alguém que vive em Macau 10, 20 ou mais anos, que criou aqui raízes, que constituíu família, pode ver subitamente a sua vida virada do avesso, regressando a um país que às vezes já não lhe diz nada, para começar tudo de novo. O ridículo de tudo isto é o facto da falta de profissionais dos mais variados sectores, quer da restauração, da limpeza ou dos serviços, leva a que várias pequenas e médias empresas fechem as portas por falta de pessoal.

Uma senhora que tinha um pequeno café aqui perto de casa teve que fechar porque todos os residentes que arranjava para trabalhar desistiam ao fim de poucos dias ou não tinham o mínimo jeito para a coisa. Há profissões que os residentes de Macau não querem exercer, por muito que custe à Economia admitir. E se o problema e a causa maior são os trabalhadores da construção civil, que tal ensiná-los a fazer outra coisa qualquer? É assim tão difícil apostar na formação, ou querem ser trabalhadores das obras para o resto da vida? Será mais fácil apostar na delação, promovendo a cultura do bufo?

Quem defende a denúncia, a deportação, e faz dos trabalhadores não-residentes os bodes expiatórios não sabe nada da história de Macau. A esmagadora maioria da população é descendente de pessoas que um dia deixaram o seu país para salvar a pele, ou à procura de uma vida melhor. Mesmo os deputados Au Kam San e Ng Kwok Chong, sim, que duvido que sejam descendentes dos pescadores que originalmente habitavam Macau aquando da chegada dos primeiros ocidentais.

Quando Fong Chi Keong interpelou hoje o secretário para a segurança, Cheong Kwok Wa, sobre um certo tipo de tratamento que a polícia deu a uma condutora que foi mandada parar numa operação stop. O secretário sugeriu que se fizesse uma "diferenciação" entre os polícias que nasceram no território e outros oriundos do Continente. Susana Chou criticou Cheong Kwok Wa, e indignou-se pelo facto de um alto dignatário da RAEM querer fazer uma diferenciação desta natureza. Disse ainda que é tempo "de acabara com este tipo de tratamento aos novos imigrantes". Pegando nas palavras da exma. sra. presidente, acho que sim, que muito deve ser feito nesse sentido. Para todos os imigrantes, é claro.

6 comentários:

Anónimo disse...

Conheço vários casos de empregadores de filipinas que trabalham em Macau como empregadas domésticas há mais de uma década, que tentaram recentemente ajudá-las a obter a residência e não conseguiram. Também tentei ajudar a minha e o seu filho que nasceu cá há 11 anos e aqui tem vivido. A exposição que apresentei junto com o pedido realçava o contributo económico da trabalhadora e o seu cumprimento dos deveres de cidadã, sem que lhe sejam reconhecidos quaisquer direitos ou apoios para si e para o seu filho. O pedido foi indiferido pelos Serviços de Migração. Insisti. Deram um prazo para a entrega de uma certidão de nascimento e de um certificado de registo criminal, mas infelizmente não foi possível obtê-los nas Filipinas.
Há um outro lado da estória que nos pode ajudar a compreender esta indisponibilidade das autoridades para reconhecerem o valor destes trabalhadores: nos anos 80 e 90 vários filipinos conseguiram obter o BIR, o qual usaram para trazer toda a família para cá! Suponho que esses abusos contribuiram em muito para a actual má-vontade.
Talvez alguma justiça possa ser feita se surgir uma voz ou um canal influente que defenda os seus direitos...

Anónimo disse...

E os portugueses que têm BIR e família, não a trazem também? Agara explique-me as diferenças. O status?

Anónimo disse...

"indeferir"

Anónimo disse...

Anónimo das 1:23:
BOA!!!

Anónimo disse...

Os portugueses estão protegidos pela Lei Básica. Ver o Capítulo III - Direitos e Deveres Fundamentais dos Residentes Artº 24 alíneas 3) e 4)

A discriminação é obvia:
"O signatário, como português que escolheu viver e trabalhar em Macau desde há duas décadas, tem apreciado e valorizado a protecção e os apoios que lhe são aqui facultados como cidadão de pleno direito. É portanto com apreensão que observa como tem sido tratada a sua empregada doméstica, que também escolheu Macau como sua residência habitual desde há mais de 10 anos, mas cuja permanência tem sido sempre precarizada pelo estatuto de trabalhador não residente. A Lei Básica de Macau não a tem ajudado nada pois tem sido discriminada devido à sua nacionalidade e à sua condição social. Enquanto mulher e mãe solteira não beneficiou de qualquer protecção. O filho nascido em Macau em 1997 não tem aqui reconhecida a sua vida e até precisou em 2005 que o signatário implorasse a autorização da sua permanência, para que não fosse separado da mãe. A permanência de ambos em Macau por tão longo periodo de tempo deve-se apenas à protecção de pessoas individuais. Ao longo dos anos sucederam-se os empregadores que souberam, tal como o signatário, reconhecer o seu valor humano e dedicação profissional."
Agradeço a correcção!

Anónimo disse...

Os portugueses contribuem para a identificação de Macau e os filipinos não.