quarta-feira, 28 de março de 2012

Consultas precisam-se....à cabeça


O Governo de Macau tem levado a cabo uma série de consultas e debates públicos sobre a reforma do sistema político. Um tema antigo, que urge discutir, pois em causa está o futuro de Macau. Contudo é pena que a discussão caia tantos vezes em saco roto, e por vezes com opiniões de bradar aos céus, algumas delas que demonstram que a população ou está-se nas tintas, ou teme que se mexa no actual estado de coisas, para pior. Não é despicienda a ideia de que a população "não está preparada para a democracia". A julgar por algumas das vozes que se fazem agora ouvir, não está preparada mesmo. É como se alguém que passou a vida a cozinhar num fogão a lenha seja agora presenteado com um Ariston de último modelo. Mas já lá vamos.

Muito se tem falado do aumento do número de deputados, por exemplo. Propõe-se que sejam mais quatro: dois pela via directa, e dois pela via indirecta. Agora pergunto eu: para quê mais pela via indirecta? Concordo que os tais grupos de interesse, sejam eles os culturais, comerciais ou quaisquer outros relevantes estejam representados na AL, mas já existem representantes desses mesmos grupos eleitos pela via directa. O ideal seria que todos os candidatos da via directa fossem independentes, gente séria com vontade de fazer política a sério e abordar de frente os desafios, em vez de empresários, casineiros e afins que obrigam os seus assalariados a votar neles, desvirtuando por completo o propósito de uma eleição directa.

É salutar que finalmente, e depois de 12 anos dos mesmos a mamar na grande teta, e depois de barriga já bem cheia se abram as portas para a discussão de "como vai ser daqui para a frente". Agora fazem-se as consultas, nada pasa, daqui a uns anos novas consultas, e se a malta não se decide depressa em fazer qualquer coisa pelo futuro do filhos e dos netos, chegamos a 2049 e lá se vai o segundo sistema. Perde-se uma grande oportunidade. Em Macau são as mesmas caras desde sempre, dirigentes, secretários e directores profissionais, vão-se eternizando nas funções ou exercendo rotatividade entre os cargos mais apetecíveis. Lá vai aparecendo ocasionalmente uma ou outra cara nova, sempre de dentro do mesmo sistema. Assim cria-se uma oligarquia dinástica, sem ideias novas ou conceitos inovadores, e o que está mal "lá se vai aguentando". Enquanto noutros sistemas uma carreira política dura 10 ou 15 anos, no máximo, em Macau é "enquanto ainda há saúde".

Quem se atreve a falar de democracia, eleições directas e tudo isso ou é "maluquinho", como aquele rapaz do Activismo para a Democracia, ou "tem as costas largas", como os gajos do Novo Macau Democrático. As restantes cabecinhas pensadoras optam por não fazer muitas ondas, que assim sempre consegue um empregozito onde arranjam uns milhares de pataquinhas para comprar um carrito (uma casa torna-se mais complicado), e vão passear aí perto ou até à Europa nas férias (para desanuviar), e lá vão passando a vida. Com o dinheiro que vai chegando dos casinos, o que pode correr mal? Quando correr logo se vê, mas por enquanto não existe um plano B. É uma mentalidade mesquinha e egoísta, pois se hoje eu estou bem, tenho emprego, ganho um salário decente e a vida me corre bem, não sei que dificuldades os meus filhos vão encontrar no futuro. Pessoalmente custa-me muito dizer-lhes que se adaptem ao sistema, como o resto do rebanho, ou que "vão embora", procurar a sorte noutro sítio, como já fazem muitos que preferem pensar pela própria cabeça.

Quanto às tais consultas, oiço muitos dos nossos jovens, gente supostamente educada e inteligente a dizer as maiores alarvidades. Quando ouvem falar de "reforma política" ou "democracia" têm medo, como se fosse isto um grande desconhecido, o fundo do mar. Alguns chegam ao ponto de dizer, com laivos de sabedoria confuciana, que a democracia é "um estratagema" do Ocidente para destabilizar a China, repetindo a retórica dos mandarins. Fazem comparações ridículas e afirmações descabidas. Coisas como "o presidente dos Estados Unidos também não é eleito pela via directa", ou lembram a actual crise do Euro, que é "uma consequência" dessa malvada democracia que querem trazer para cá, os malandros. Tudo sempre pela mesma bitola do "a gente de Macau (e da China em geral) não está preparada para a democracia". E não me resta senão concordar. Estes pelo menos não estão. Nem para a democracia, nem para nada mais.

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