Um pequeno grande almoço

Gosto de comer sempre o pequeno-almoço em casa, e fico piurso se saio de casa de barriga vazia e sem beber café. Isto coloca-me sempre em vantagem quando chego lá ao escritório, uma vez que enquanto já estou a trabalhar, a maioria dos meus colegas está a comer. (Pensando bem, isto não é uma vantagem, mas pronto...). O que me incomoda aqui não é tanto o facto de alguém conseguir ficar na cama até à hora de sair de casa e não ter tempo de comer qualquer coisa. O que me incomoda mesmo é o que se come.

Nós os portugueses consideramos o pequeno-almoço uma frugalidade. Normalmente constituído de pão, fiambre ou queijo, cereais, iogurte, sumos ou leite, café em cima, um bagacinho para os álcoolicos, enfim, nada de especial, este tal de pequeno-almoço.

Também pudera, devemos ser o único país do mundo que chama àquilo “pequeno-almoço”. Influência dos franceses, já que os ingleses têm o breakfast e os espanhóis o desayuno, que significa em ambos os casos “quebra de fastio”, ou “desjejum”. Sim, ficava melhor chamar ao pequeno-almoço desjejum, já que se trata da primeira refeição do dia depois do jejum de horas de sono.

Como não levamos o pequeno-almoço a sério, vingamo-nos no almoço propriamente dito, devorando doses letais de calorias para depois passar a tarde toda de papo para o ar a aconchegar aquilo tudo. Os chineses comem a mesma coisa ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar, e assim se vão mantendo elegantes - pelo menos ainda um bocadinho melhor que nós.

Os nossos amigos chineses gostam de comer carne, peixe, marisco, caril, macarrão, enlatados, tudo o que vier à rede. Um pequeno-almoço típico chinês incluem tostas, ovos estrelados e salsichas. Uma coisa assim muito “british”, mas acrescentado de uma sopa de molho de tomate com macarrão e fiambre (o fiambre chinês é uma merda). Além destes, existem ainda as massas com carne, algumas delas bastante oleosas, fritas na rua numa panela que não é lavada há meses, e besuntadas de molhos de pimentão e amendoim e soja e sésamo e outros que nem ao Diabo lembrava.

Quando as massas não vêm embrulhadas num papel nojento acompanhadas de pauzinhos de madeira (parecem assim uma versão ampliada dos palitos dos dentes), vêm em sopas, e aqui é que eles usam imaginação. Algumas destas sopas, ou “mein”, que se comem ao pequeno-almoço vêm acompanhadas de coisas como bolas de carne, bolas de peixe, bolas de lulas, caril de barriga de vaca, costeletas de porco (um clássico é o tal chu pa bao, uma costeleta de porco no pão), asas de galinha fritas (a sério), e mil e uma coisas. Escusado será dizer que o McDonald’s faz imenso sucesso, com os seus hamburguers intragáveis, as panquecas carregadinhas de xarope de açucar que faz doer os dentes, e os tais macarrões em sopa.

E o que vai para beber com tudo isto? Chá com leite ou leite de soja. Nem vale a pena explicar a esta gente o que é o significado de kosher, mas...carne com leite? Caril com leite? Isto dá-me vontade de vomitar. Lembra-me um episódio passado pouco tempo depois de eu ter chegado a Macau. Ia numa manhã de Sábado no autocarro nº 6 que passava perto do Hotel Lisboa, e à minha frente vinha um estudante com os seus 14, 15 anos, devidamente uniformizado e tudo. A certa altura o magano começa a sentir-se mal, e regurgita o pequeno-almoço completo. Fiquei impressionado com a mancha cinzenta que envolvia pedaços de carne e vegetais: era leite de soja. E a partir desse dia nunca fui capaz de beber leite de soja.

Imagine o que seria se o leitor começasse o dia com um bitoque, uma francesinha ou um cozido à portuguesa, regadinho com um bom tintol ou uma bejeca geladinha? adaptando isto para o nossa gastronomia. O pequeno-almoço chinês mais clássico passa pelo tal dim sum (na imagem), que é até uma coisa decente e dentro do bom gosto - apesar dos dumplings (van tan) com carne de porco e camarão ou as almôndegas de carne de vaca, e sempre com molho de soja ou de vinagre. Mas pelo menos bebe-se chá, o que torna tudo um pouco mais agradável.

Eu não fico assim tão enjoado com a comida propriamente dita, afinal não é o meu estômago que está a levar com doses industriais de sódio e conservantes logo de manhãzinha. O problema é o cheiro a traseiras do restaurante da esquina que fica a pairar no escritório.

Mas não me levem a mal, a minha própria mulherzinha também me enche a casa com o cheiro dos meins, das costeletas de porco e do caril de barriga de vaca. Sou obrigado a frequentar antros onde se cozem ossos de vaca com monoglutimato de sódio, chama-se “sopinha” e ficam ali todos contentinhos a ingerir aquilo. São as diferenças entre os nossos desjejuns, que nos torna no fundo tão especiais uns para os outros.