quinta-feira, 3 de julho de 2008

Sobre Macau


Como não podia deixar de ser, li com atenção a entrevista de Miguel Senna Fernandes na edição de hoje do Hoje Macau. O advogado e presidente da Associação dos Macaenses volta a falar de assuntos tão diversos quanto a situação política actual e futura do território, e o papel da comunidade portuguesa, onde se inclui, obviamente, a macaense, a as perspectivas para pós-2009, altura em que o actual Chefe do Executivo, Edmund Ho, deixará o lugar.

Não foi dito muito do que já não tivesse sido dito antes, mas há questões que interessa sempre trazer a lume, e aspectos que lá de vez em quando se devem reafirmar. Em primeiro lugar, quando se fala de MSF, fala-se inevitavelmente do patuá. Está agora aberta uma workshop sobre o linguajar maquista em que se inscreveram apenas 12 alunos (algum macaense?), e o seu mentor está de parabéns. Não interessa agora se o patuá de MSF é o correcto, e isso como se sabe é bastante discutível, principalmente entre os que se recordam do saudoso Adé dos Santos Ferreira. O que interessa realmente é que há ainda alguém que se importa em tentar manter viva a língua, e quem critica devia tentar pelo menos fazer, senão melhor, pelo menos alguma coisa por isso.

Voltando à entrevista, concordo quando MSF diz que a comunidade está bem integrada na nova RAEM. Bem integrada, sim, digamos que ninguém foi mandado embora e existe um ambiente de passividade, senão mesmo tolerância com a comunidade portuguesa. Digamos que está, passo a expressão, "cada macaco no seu galho", e não houve ainda a necessidade de fazer marcações de território ou saneamentos políticos ou de outro tipo. O princípio de "um país, dois sistemas" foi implementado pacificamente e as diferenças em relação ao período antes da transferência de soberania são basicamente estruturais.

Disso mesmo fala MSF. Macau mudou muito com a vinda das novas concessionárias do jogo, e adquiriu, segundo ele "maturidade". Mas a que custo? Na minha humilde opinião a população tornou-se mais ambiciosa, menos comedida, com uma estranha vontade de enriquecer muito e depressa, por vezes desafiando-se mesmo o mínimo de bom senso. O caso Ao Man Long foi a carruagem que saiu dos carris, a insatisfação generalizou-se em vários sectores, enfim, o que s pode chamar de "dores de crescimento". O que eu costumo dizer disto tudo é que em Macau não há petróleo, mas há casinos, e o dinheiro devia chegar para tudo e para todos.

Quanto ao papel dos macaenses, é importante na RAEM, sem dúvida. Concordo com o Miguel, só que os protagonistas são sempre os mesmos. Cada vez que se fala de macaenses baralha-se e saiem os mesmos: o Miguel, o pai dele (agora menos), Leonel Alves, Carlos Marreiros, Sales Marques, etc. Existe uma enorme massa anónima que parece não ter expressão. Já lá vamos. Quanto à questão da participação da lista "Macau Sempre" nas próximas eleições à AL, penso que será excusada. Sofreu uma pesadíssima derrota em 2005 e não faz sentido que concorra, pois só vai criar uma divisão imaginária. Pereira Coutinho - quer se goste ou não - tem os funcionários do lado dele e será certamente reeleito. É assim que funciona a política em Macau, por arrastão e não por ideias.

Quanto ao papel do "novo macaense", quando MSF diz que "Há uma grande falta de referências, que está bem patente na comunidade macaense mais jovem. Por exemplo, não sabem o que é ser macaense", tem razão, mas porquê? Não é fácil ser macaense quando se desiste à partida de preservar essa identidade. Basta ver a quantidade de famílias macaenses que assimilaram muito rapidamente a cultura chinesa como uma aposta no futuro. Que optaram por fazer os filhos estudar chinês, em vez do português ou das duas línguas. Daqui a uma ou duas gerações vamos ter centenas, senão milhares de indivíduos com nomes portugueses e que não sabem uma palavra de português. Um pouco à semelhança do que aconteceu em Goa, com o senão de que os goeses orgulham-se das suas raízes, até como forma de marcar a diferença na imensidão e multiculturalidade que é a Índia.

O futuro da RAEM é incerto, e agora talvez mais que nunca. O macaense, sobrevivente nato que sempre foi, astuto e discreto, prefere acautelar o futuro. Ainda bem que não tenta assumir o protagonismo, que os tempos não estão para cisões como no tempo do Governador Almeida e Costa, como MSF muito bem refere. Eu sinceramente não acredito que o futuro Chefe do Executivo ou o Governo Central queiram que Macau falhe, que perca a sua singularidade. O mais importante é que estejamos todos aqui para ver.

Pode ler aqui a entrevista completa com Miguel de Senna Fernandes.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Leocardo, quando a própria Escola Portuguesa, que seria o polo de excelencia para a instrução de novas gerações de macaenses, está de costas voltadas para Macau- falo, naturalmente, da falha fatal de não se ensinar o Cantonense, que, quer queiramos quer não, é a lingua desta terra- muito dificilmente as novas gerações poderão fazer a "ponte" que fizeram, e bem, ao longo dos séculos.

Culpar os macaenses por colocarem os seus filhos nas escolas chinesas é tirar a responsabilidade de quem a tem, e esta cabe unica e exclusivamente à nossa comunidade e o rumo que traçou para a nossa escola. Na sua tentativa de criar "uma visão de futuro", puxando o carro à frente dos bois, a comunidade se esqueceu que em Macau se fala e se comunica em Cantonense- é a lingua do dia a dia, do trabalho, da função pública, do comércio local- a lingua "materna", portanto: a língua íntima, a lingua que une a comunidade.

Sei que, como eu, caro Leocardo,defende o ensino do cantonense na Escola. Infelizmente, somos poucos, e muitos apenas sentem que a "visão de futuro" é ir pelo mandarim. Sabe, por mais que procure perceber essa "visão", pergunto-me: que futuro será esse, se nem o presente se tem minimamente assegurado nesta terra?

Em Macau o português tem raizes. Como macaista, sinto-me triste por ver este desprezo total por Macau aplicado pela comunidade Portuguesa. A visão da comunidade nunca passa por Macau, mas pela China, pelos Remimbis, pela grande potência do séc XXI. Pois bem, Macau é China, caros portugueses, mas uma China onde vocês tem raizes. Perdendo essas raizes, não são mais do que um outro qualquer "garimpeiro" Ocidental que por aqui anda... Olhem para os Americanos... Esses sim, vieram para cá, e, a cada dia que passa, aproveitam-se e criam raizes- Vejam o que já conseguiram...

Os serviços de educação lançaram uma campanha que, se bem me recordo, procura fomentar a leitura nos mais jovens com "um texto por dia", em inglês e em chinês. Em Português,porém, nada. Pois é. E a culpa? É do Governo, diz a comunidade, e cairão os nossos média em cima do Governo, por se ter "esquecido" do Português. Pois bem. Terá o Governo culpa que a comunidade se esqueça do Português, se o Português se esquece de Macau? É evidente que o Governo tem culpas neste caso, estando bem claro na lei básica que o português e o dialecto cantonense são as linguas oficiais da RAEM- a existirem textos, teriam que ser em chinês tradicional e em Português, e só depois se pensaria no chinês simplificado e no Inglês. Mas não seriam muito mais dificeis esses "esquecimentos", se realmente a população soubesse, ao menos, quee esta comunidade existe? Acreditem que mais e mais se esquecerá o português, quanto mais for a ignorancia da comuniade chinesa local sobre o que representa esta comunidade portuguesa, a sua cultura e a relação importante e essencial que tem com a comunidade e este espaço.

Macau, hoje, fruto do choque provocado pela brutal evolução económica dos últimos anos, procura a sua identidade, e cabe à comunidade Portuguesa mostrar o seu valor na essência desta terra. A familiaridade está lá, as comunidades coexistem há séculos. Esta vantagem é única. Deitem-na fora, e os Americanos cá estarão para ocupar o lugar.

Coloco estas questões para reflexão:

Qual a nossa importância para Macau e as suas gentes?

O que trazemos para Macau, além de advogados e juizes? O que acrescentamos a esta terra? Sistema juridico será adaptado ao chinês, e cada vez mais novos juizes chinese surgem nos cargos da magistratura Macaense. E depois, como será?

Pois bem, julgamos ser importantes meus caros, mas a população sabe o que fazemos? Aliás, procuramos integrar as diversas comunidades nas nossas actividades? Engraçado, vejo sempre os mesmos rostos nos eventos e iniciativas da comunidade, rostos, esses, da nossa gente... O que ganhamos com issto, para a~ém do "prestígio" de nos mostrarmos as nossas penas aos restantes "pavões" da comunidade?

Perdoem-me o palavreado, mas não consegui evitar partilhar esta frustração, mais ainda após ler a entrevista do Miguel de Senna Fernandes, uma pessoa que respeito e que admiro pela energia e paixão com que defende a cultura macaista e macaense. Optimista por natureza, o tom com que falou e as expressões que utilizou deixaram-me, realmente, preocupado...

Anónimo disse...

Não se preocupem, caros macaenses, que agora vem cá a Milu, minete da educação de Portugal, e agora é que vai ser. Mais duas ou três visitas da Milu e o protoguês passará a ser a primeira língua de Macau, mesmo à frente do cantonense.