quinta-feira, 5 de junho de 2008

Os limites do humor





Deixo hoje aqui este interessante vídeo do programa "Corredor do Poder" do final de Março, em que o convidado é o humorista Herman José, e onde se debate o humor em Portugal, e a sua relação com o poder. São os portugueses um povo sombrio, taciturno e deprimido? Penso que sim, infelizmente. Consegue ser por vezes alegre, espontâneo e com sentido de humor? Sim, muitas vezes também, mas nunca sem antes carpir umas quantas mágoas na forma cantada ou grunhida. Aliás basta olhar para a nossa música nacional, o fado, para perceber isso mesmo.

Certo dia estava eu num café em Ourém a beber a bica e a comer o pastel de amêndoa que se seguia ao almoço, quando entram no estabelecimento dois operários de uma obra ali perto, todos cagados de tinta, cigarro no canto da boca, desdentados, franzinos e com um ar para lá de asqueroso. Estavamos no ano de 1991 (ou 1992, não me lembro bem...), e o Herman tinha na TV um anúncio da Danone, em que empurrava um cãozinho e dizia "vamos a cão...correr", fazendo referência a uma promoção daquela marca de iogurtes. Os operários olhavam para o ecrã, e roídos de inveja com um ar de quem só tem poucos anos de vida, murmuravam "palhaço..". Quem fazia ali figura de palhaço? Pensava eu...

Em Portugal é assim. Um indivíduo mau como as cobras, mau chefe, sempre com um ar sisudo, que mal dá os bons dias, solta adagas pelos olhos, é um "gajo sério". Quando manda uma piada, a maior parte das vezes sem graça, os seus súbditos, oprimidos, dão uma risada forçada, e lá desabafam que "tem sentido de humor". Se for um indivíduo generoso, bem disposto e brincalhão, abusam dele e chamam-lhe "palhaço". Nas costas, entenda-se. Quando era adolescente estava apaixonadíssimo por uma miúda de Alverca, onde acabei o secundário. Ela dizia-me que eu "era giro", mas que gostava de "rapazes sérios". Hoje é divorciada do homem que lhe batia.

Quando tinha 12 anos fui com a família fazer a passagem de ano de 1985 para 86, para uma conhecida agremiação de Abrantes, onde havia bailarico. Chegou a meia-noite, e já com três copos de Raposeira em cima, cumprimentei o primeiro indivíduo que estava à minha frente, um pouco mais velho que eu. Desejei-lhe bom ano, e disse-lhe qualquer coisa como "estamos na CEE, meu!". O indivíduo olhou-me de soslaio e grunhiu entre dentes: "olha a confiança...", afastando-se. Ora então estava eu ali, na primeira noite do ano, toda a gente feliz, e apetece-me fazer menção a um facto que praticamente nos salvou a todos de morrer de fome, que foi a entrada no Mercado Comum, e levo com uma tampa?

A ladaínha do "respeitinho é muito bonito" ainda vigora no nosso país, e os nossos compatriotas, parvos, cumprem-na à risca. Não sei se é por pequenez, por ressentimento, ou pela mesma razão que os cães cheiram o rabo um dos outros e marcam o território. Se alguém fala com um desconhecido é logo rotulado de criminoso ou maluco. Lá se vai o conceito de "world without stangers" que alguém um dia idealizou. Se alguém vai a assobiar ou a cantarolar na rua é parvinho, e se entra num café onde não conhece ninguém e diz "bom dia" leva com um "b'dia" rezingão e um ar inquisitório do tipo "quem é este gajo?".

Outra coisa são as chapeladas aos "sôtores". Qualquer caramelo que ande de gravata é logo chamado de "sôtor", desde que não seja preto ou cigano. Alguns tiraram um curso de formação profissional de seis meses no INATEL, chegaram a um alto cargo por sabujice, ou através do pai ou do tio, e têm que ser venerados por outros, que se calhar até têm um curso superior propriamente dito tirado numa universidade digna desse nome. Alguns são mesmo umas bestas, incompetentes a dar com um pau, que só se vão safando graças ao séquito de bajuladores que lhe fazem a papinha toda e, mal ele sabe, só esperam uma oportunidade para lhe dar uma facada nas costas.

Depois há aquilo que mais me irrita, que a falta de capacidade dos portugueses de brincar com aquilo a que chamam "coisas sérias". O humor negro, por exemplo, é ainda muito mal aceite. Observem por exemplo o caso da censura feita ao Herman por ter interpretado a rainha Santa Isabel naquela entrevista histórica fictícia. Será assim tão ofensivo insinuar que a rainha tenha comprado uma sandes no bar do estúdio? E lembram-se do sketch da "Última Ceia"? Não vivemos num estado laico e democrático, com plena liberdade de expressão? Pode-se brincar com tudo, porque não? Às vezes já nem sei se somos um pais de devotos ou simplesmente um país de crentes. Graças a Deus, todas, graças com Deus, nenhumas. Quem não gosta pode simplesmente mudar de canal, ou dizer cobras e lagartos do programa. Agora querer destruír porque não lhe agrada ou porque vai contra as suas convicções políticas, morais ou religiosas, é errado.

Mas nem tudo são mais notícias. Temos também gente muito engraçada, uma língua riquíssima que dá para ser dobrada, torcida e moldada, uma quantidade razoável de humoristas e programas de humor com alguma qualidade para um país de 10 milhões, só que continuamos a tropeçar na barreira do preconceito. O que se aplica para os portugueses da metrópole aplica-se para os portugueses de Macau. Convivemos num território estrangeiro com um povo em tudo diferente do nosso, e que até tem muita paciência para aturar os nossos caprichos. Se há algo com que podíamos contribuir de vez em quando era com o nosso típico bom humor lusitano. O resto não faz falta nenhuma.

2 comentários:

Anónimo disse...

esta entrevista não tem graça nenhuma...

Leocardo disse...

Não era para ter graça. É um debate.