quarta-feira, 9 de março de 2011

Foi o povo, pá!


Passei os últimos dias a ler e analisar a vitória dos tais Homens da Luta no Festival da Canção como fenómeno social interessante de se discutir. Li artigos de opinião, vi vídeos, fui ao Facebook e agora que praticamente todas as cabeças iluminadas disseram o que tinham a dizer, chegou a minha vez de arrotar uma posta de maruca.

Primeiro gostava de não ser tendencioso, mas é difícil. Gosto da ideia dos Homens da Luta, porque é preciso malta que diz o que pensa sem se preocupar em ofender sensibilidades. Às vezes existem coisas que são difíceis de dizer na cara de alguém, mas quem disse que temos que engolir tudo e depois continuar cantando e rindo? Pelo menos aqui cantamos e rimos com qualquer coisa mais ou menos engraçada, e artisticamente falando, tão elegantemente "retro".

Das opiniões que li, discordo da maioria, principalmente daquelas que fazem um desenho trágico da situação. Dos que falam de "miserabilismo", de "vergonha", e até de "palhaçada". Miguel Sousa Tavares chega a fazer um paralelo entre os emprétimos da Alemanha a Portugal questionando "se os contribuintes alemães estão dispostos a dar dinheiro a esta gente". É patético pensar que os contribuintes alemães vão tirar as suas conclusões baseados no Festival da Eurovisão. Isso seria de esperar de um povo assim mais burrinho - como os portugueses, por exemplo.

É preciso não esquecer que estamos aqui a falar de um Festival. Há décadas que o Festival da Canção português não saltava para as páginas dos jornais, o que mostra mais uma vez que nada tem importância naquele país a não ser que esteja a rebentar e a pegar fogo. Se quisermos levar o Festival a sério, e pensar em levar uma canção "decente", para obter "uma boa classificação" (nunca se fala de ganhar...), então não se fala dos Homens da Luta, e esperamos que outra merda qualquer ganhe no próximo ano. Se quisermos falar de qualidade musical, penso que temos aqui pano para mangas.

Gostei especialmente do artigo do Hélder Fernando nas páginas do Hoje Macau de ontem. Se isto não representa a música portuguesa, então o que dizer de outros candidatos no passado? Será que "Coisas de nada (Gonna Make You Dance)" das Nonstop representa o melhor da música que se faz em Portugal? E que tal "Amar" ,dos 2B, no ano anterior? E já ouviram a música que ficou em segundo lugar este ano, a tal do Nuno Norte? Coisa mais deprimente. Era mais uma para passar à mobília das meias-finais. E o que têm contra "A Luta é Alegria", que como o nome indica, é "luta" e é "alegria"?

Gosto dos posters propagandísticos comunistas, e penso que os comunistas fizeram algumas das mais lindas canções do cancioneiro português. Se nos abstraírmos da ideologia (o que parece ser muito complicado), temos ali material deveras interessante. Temos arte, até. Claro que os grandes baladeiros comunistas nacionais eram um gajos assim mal parecidos, com ideologias perigosas, cheiro a chulé, bigodes esquisitos e cabelo oleoso (como o Jel tão bem representa com o seu boneco). O mais interessante não é tanto o que cantam, mas como cantam, e da forma apaixonada que o fazem.

Da minha infância lembro-me de canções lindas como "Avante Camarada" (Luís Cilia), "Portugal Ressuscitado" (In Clave - Tonicha/Fernando Tordo), "Fado de Alcoentre" (Ary dos Santos/Fernando Tordo) ou os temas do José Mário Branco, Fausto, José Barata Moura ou Carlos Alberto Moniz/Maria do Amparo. Por incrível que pareça, isto chegou a ser a música que mais se ouvia em Portugal. Os Homens da Luta não são um anacronismo em si, são apenas um género. Será que a era digital e o "modernismo" chunga em que vivemos hoje nos fez esquecer que ainda temos operários, soldados de Abril e ceifeiras?

E agora na Eurovisão, como vai ser? Pela primeira vez interessa-me a prestação de Portugal, e pela primeira vez vou ficar a torcer pela canção nacional. Para quem acha os Homens da Luta vão denegrir a imagem do país, gostava de falar um pouco da história recente do Festival da Eurovisão. Em 2002 a Eslovénia mandou a canção "Samo ljubezen", do grupo Sestre, três gajos peludos vestidos de aeromoças, e conseguiu um nada desprestigiante 13º lugar. Em 2006 a Lituânia mandou o grupo LT United, que cantava (mal) "We are the winners (of Eurovision)" e ficou em 6º lugar (a melhor classificação de sempre de Portugal). Em 2007 a Ucrânia mandou "Dancing Lasha Tumbai", música de discoteca interpretada por um travesti de nome Verka Serduchka, e obteve o 2º lugar. Mas sobretudo é preciso não esquecer que em 2006 o vencedor foi "Hard Rock HAllellujah", dos Lordi, um grupo de heavy-metal vestidos de monstros. Se os Homens da Luta não passarem da meia-final, é porque a Europa não percebeu a piada. Se chegar à final, pode obter a melhor classificação de sempre para Portugal.

Mas enquanto os cães ladram a caravana da luta vai passando. A sua página do Facebook tem 200 mil seguidores, e milhares vão-se juntando todos os dias. Apareceu ainda no FB uma petição contra os Homens da Luta na Eurovisão, que recolheu pouco mais de 700 assinaturas. Os Homens da Luta lançaram uma contra-petição que conta já com mais de dez mil assinaturas. Contra factos não há argumentos. É o país que temos. E quem disse que a democracia não tem força, como tão bem disse o Jel?

5 comentários:

Anónimo disse...

Concordo. Em democracia vence quem tem mais votos. E como tal os Homens da Luta venceram bem. Muito bem. Mas vale tanto esta votação como a votação na eleição do Maior Português de Sempre: Salazar. Vá, continuem cantando e rindo.

Anónimo disse...

Tanta discussão por causa de um festival de música de merda.Se preocupassem mais com o estado do país que seria bem melhor,temos um país de merda onde as pessoas preocupam mais com o futebol,musica,telenovelas,etc do que o situação de Portugal.

Anónimo disse...

Oh Leocas, desta vez esmeraste-te.o melhor que já postaste ( que eu tenha lido, plo menos).

Anónimo disse...

Sem dúvida, anónimo das 03:27. Excelente post, que subscrevo!

Anónimo disse...

È verdade anónimo das 21:01 em portugal discute-se sempre coisas inúteis,agora coisas úteis é que nem ve-las.Sinceramente,estou-me a cagar para estes festivais de música