segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Porco balichão tamarinho, minha perdição


Estava ontem à noite a colocar a escrita em dia enquanto "espreitava" de quando o vez o Facebook, onde por vezes alguns utilizadores partilham notícias ou imagens interessantes - não tanto como desejaria, infelizmente. A certa altura deparo com esta deliciosa imagem que o nosso ilustre Miguel de Senna Fernandes teve a gentileza de partilhar, onde se vê um prato de Porco Balichão Tamarinho, um dos maiores triunfos da culinária macaense, riquíssima como se sabe, e da cozinha de fusão euro-asiática, de um ponto de vista mais abrangente. Deixei um comentário jocoso sobre o prato, que originou uma série de outros comentários que resultaria numa "thread" hilariante. Não vou entrar em detalhes por deferência com as pessoas envolvidas, mas no meu comentário inicial fiz referência ao Porco Balichão Tamarinho do restaurante Riquexó, confecionado pela dona Aida de Jesus, e que para mim é o melhor que alguma vez comi - e já não a primeira vez que faço referência a este facto, e cheguei a dedicar um artigo ao assunto, e que podem ler ou reler aqui, num "post" que tão oportunamente intitulei "Os salteadores do Porco Balichão Tamarinho".

Gostei de todas as versões de Porco Balichão Tamarinho que me puseram à frente, e talvez isso se deva a ter comido sempre em restaurantes, e nunca ter ousado a tentar eu próprio confecionar o prato - nem me atrevo. Tenho praticamente todos os livros de receitas de comida macaense que existem, recolho opiniões, apanho dicas deste e daquele "gourmet", o que se deve juntar, se não conseguires encontrar tal ingrediento usa este outro que o sabor fica melhor, enfim, "consenso" é uma palavra que não combina com "gastronomia macaense". Só que apesar de não me considerar mau cozinheiro, sinto que não tenho a "mão" para fazer certos pratos, que em alguns casos requerem anos e anos de experiência, muitas tentativas fracassadas, fortunas gastas em ingredientes, que depois se combinam, até encontrar a fórmula ideal nas proporções mais indicadas. Isto vai para além da culinária, meus amigos. É quase como alquimia, uma busca incessante pela pedra filosofal, por entre tachos, panelas e colheres de pau.

Não existe nenhum secretismo, e a maioria das receitas podem encontrar-se "online" e tudo, mas todos têm o seu "ingrediente secreto", que não vendem por todo o dinheiro do mundo e que um dia vão levar consigo para a cova. A Dona Aida terá acertado em cheio no segredo do Porco Balichão Tamarinho, pois além de selecionar as melhores partes da costela do suíno - com o detalhe das partes duras consisterem só de cartilagem e nada de osso, permitindo que se mastigue tudo com confiança - acertou na fórmula química do molho: não é muito doce, nem é salgado, não é picante mas agreste quanto baste, e é espesso, ma non troppo, em suma, é simplesmente perfeito. E olhem que eu nem gosto de tamarinho. A receita da Dona Aida tem ali anos de sabedoria, muitas tentativas frustradas, muitos fundos de panela queimados, todo o seu sangue, suor e lágrimas (não literalmente, e pensando bem esta é uma expressão que não liga lá muito bem com este tema). Tem todo o direito a mantê-la mais secreta que a morada do Álvaro Cunhal, como se dizia antigamente em Portugal.

Pratos macaenses que requerem que se seja...bem, "macaense", não estão ao meu alcance. Posso fazer um minchi, o prato mais dado a versões conforme a preferência do cozinheiro, posso arriscar fazer um Bafassá, ou cometer uma tentativa de Galinha à Macau, mas há outras receitas que sã rabecões para mim, pobre sapateiro. Olho para as receitas dos tais livros e para a fotografia do produto final da mesma forma que olho para um quadro, para uma escultura ou para qualquer obra de arte. Não saio de um museu convencido de que posso ser também eu um Gaugin, um Picasso ou um Miró (que agora está muito na moda falar por razões, ahem, "cómicas). E depois os olhos também comem, não é mesmo? Prefiro saborear a Capela dos outros do que ser eu a tentar fazê-la, e no final no lugar de Capela sai um barracão do Casal Ventoso. Por isso e por muito mais, longa vida à Dona Aida e a todos os guardiões desse segredo, que é o Porco Balichão Tamarinho. A minha maior perdição.

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