terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
Os sons dos 80: Brothers in Arms
Falar dos Dire Straits e falar apenas de "Brothers in Arms" pode parecer redutor. A banda de Mark Knopfler, que acumulava as funções de vocalista com as de virtuoso da guitarra e do seu irmão David já tinha gravado quatro albums de originais e mais um ao vivo desde a sua formação em 1977, e na sua discografia constavam singles que são ainda hoje uma referência, como "Sultans of Swing", "Romeo and Juliet", "Tunnel of Love" ou "Private Investigations", entre outros. Contudo é com este registo de 1985 que fizeram história, por uma série de razões além do facto de ser de longe o seu melhor álbum, que se ouve do princípio ao fim sem saltar uma faixa que seja - coisa rara nos tempos que correm. "Brothers in Arms" é um dos discos mais lucrativos da história, com mais de 30 milhões de cópias vendidas em todo o mundo, à frente de "Bad" e "Dangerous", de Michael Jackson, "The Wall", dos Pink Floyd, ou "Nevermind", dos Nirvana. Foi nº 1 no Reino Unido, onde vendeu mais de 4 milhões de cópias, e nº 1 do Billboard dos Estados Unidos, onde vendeu nove milhões. Chegou ainda ao lugar cimeiro do top de quase todos os países que elaboram um top (incluíndo Portugal, onde chegou a disco de ouro), com excepção da Noruega e Países Baixos, onde foi nº 2, e na Itália, onde não passou do nº 4. Foi um dos primeiros discos editados em CD, e o primeiro onde as vendas nesse formato ultrapassaram as vendas em vinil. Venceu dois Grammys em 1986, para melhor produção e melhor interpretação "rock" pelo single "Money for Nothing", mas perderia a estatueta de álbum do ano para "No Jacket Required", de Phil Collins (cá para mim houve "marmelada"), vingando-se no ano seguinte obtendo o Brit Award na mesma categoria. Dos nove temas que compõem o álbum, sete foram lançados em forma de single. Mas o que há neste "Brothers in Arms" por detrás da espectacular capa onde se vê a guitarra de Mark Knopfler, uma 1937 National Style 0 Resonator, fotografada por Deborah Feingold, e com um desenho da mesma guitarra na contracapa, da autoria do artista alemão Thomas Steyer?
"So Far Away" foi o primeiro single do álbum, nº 20 no Reino Unido e nº 19 na Billboard, e foi também o meu primeiro contacto com os Dire Straits. Estávamos no Verão de 1985 - "Brothers in Arms" tinha saído a 13 de Maio desse ano, curiosamente - tinha eu 10 aninhos, e como não sabia bem inglês, achei graça à repetição de "so far", que para mim soava a "sofá". Sei que isto pode parecer uma parvoíce, mas é apenas uma mera curiosidade. Passados todos estes anos, e com o ouvido musical muito mais amadurecido, "So Far Away" é um tema "rock" até bastante decente.
O segundo single e o mais conhecido é "Money for Nothing", que foi nº 4 no Reino Unido e nº 1 na Billboard, bem como no Canadá, e valeu aos Dire Straits o "grammy" para a melhor interpretação "rock" por uma banda ou duo. O tema é suportado por um videoclip realizado através de animação por computador - o melhor que se podia fazer em 1985 - e fala da moda da MTV, que vivia a sua idade do ouro em meados dos anos 80. A canção fala da reacção de dois indivíduos da classe média, um deles um operário, ao assistirem pela primeira vez à MTV. Um deles, o magrinho, fala de um músico que "bate nos tambores como um chimpanzé", enquanto o tal operário, que se assemelha a um irmão Metralha, comenta que "estes tipos mariconços, com brinco e maquilhagem, ganham dinheiro por não fazer e têm as miúdas de graça" - "money for nothing and the chicks for free". A canção foi considerada por alguns como sendo machista, racista e homofóbica (isto tudo em "Money for Nothing", vejam só), e numa entrevista à Rolling Stone, Mark Knopfler diz ter recebido uma carta com queixas de um jornal londrino, conhecido por ser um dos favoritos da comunidade LGBT. Nikki Sixx, baixista dos Mötley Crüe, diz que Knopfler lhe confessou que o tema era sobre ele e sobre a sua banda, e que tinha ouvido estes comentários de dois empregados de uma loja de electrodomésticos enquanto passava um clip dos Crüe na MTV. "Money for Nothing" foi escrito por Knopfler em parceria com Sting, que é a voz que se ouve a dizer "I want my MTV". Ah sim, o videoclip ganhou o prémio de melhor do ano em 1987...da MTV.
Este é um dos meus favoritos. "Ride Across the River", com o seu som nitidamente influenciado pelos ritmos latinos, com bongos e flautas incas, aborda a temática da guerrilha em países da América Central, muito frequentes na época, uma das consequências da Guerra Fria. A história é contada do ponto de vista de um mercenário, que "atravessa o rio, profundo e frio" com o fim de chegar à outra margem "e matar, não interessa em nome do quê, nem para quem". Profundo, como o tal rio que se atravessa. Foi editado em single apenas nos Estados Unidos, onde chegou a nº 21 na lista dos "Rock tracks", e apareceu num episódio da série "Miami Vice".
"Walk of Life" foi o single com mais sucesso depois de "Money for Nothing", chegando a nº 2 no Reino Unido e nº 7 na Billboard. Um tema muito "pop", é uma homenagem aos músicos que ganham a vida tocando em túneis subterrâneos e em estações de metro. A música é inspirada em clássicos do "rock'n'roll" dos anos 60. Uma curiosidade: "Walk of Life" ia ficando de fora do alinhamento do album, por decisão do co-produtor Neil Dorfsman, mas a banda insistiu que fizesse parte das nove faixas finais.
O solo de saxofone de "Your Latest Trick", da autoria de Michael Brecker, é inconfundível. É aquilo que se escuta numa loja de instrumentos musicais cada vez que alguém compra um saxofone, batendo nesse departamento o tema "Baker Street", de Gerry Rafferty. "Your Latest Trick" fala da noite, dos vícios, e de uma prostituta, com "o seu último truque". O tema foi lançado em single no Reino Unido, não passando de um modesto nº 26, e foi um pouco mais longe na Irlanda, onde chegou ao nº 6. Em 1993 foi re-editado para o Mercado francês, onde chegou a nº 1. O solo de saxofone fez parte do genérico de uma novela chinesa de um canal de Hong Kong em 2003.
Os dois únicos temas de "Brothers in Arms" que nunca foram editados em single foram "The Man's too Strong" e "Why Worry". Ambas excelentes canções, mas gosto especialmente da última, que chegou a ser gravada pela cantor grega Nana Moskouri poucos anos depois. E a mensagem é bem válida: "Why Worry" serve para nos lembrarmos que às vezes não vale a pena nos preocuparmos por coisas de nada. Fica aqui uma interpretação dos Dire Straits num concerto na Austrália.
E finalmente o disco encerra com o tema que lhe dá o nome. Uma mensagem anti-guerra, como convém, onde Knopfler aproveita também para exibir os seus dotes de virtuoso. O single foi nº 16 no Reino Unido, e é sempre um dos mais pedidos durante os concertos da banda. Ou era, pois após "Brothers in Arms" os Dire Straits tiveram uma agenda super-ocupada em termos de espectáculos, como seria expectável, e só voltariam a gravar material original em 1991, para o álbum "On Every Street", que seria o seu último. Se é redutor falar dos Dire Straits apenas falando deste "Brothers in Arms"? Possivelmente, mas foram eles que criaram o "monstro". E que lindo monstro.
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