sábado, 27 de fevereiro de 2016

Os salteadores da identidade perdida



A semana que agora terminou ficou marcada por mais um "duelo ao pôr-do-sol" entre a comunidade macaense local, e Roy Eric Xavier, professor e investigador da Universidade de Berkeley, na Califórnia, que em 2014 foi notícia quando anunciou que ia formar uma associação dentro da diáspora, à revelia do Conselho das Comunidades Macaenses. Desta vez na origem da polémica esteve mais um artigo do académico sobre os macaenses, e aqui fica ao critério de cada um o que entende por "identidade", e se este trabalho de Xavier dá algumas pistas, contribui ou acrescenta alguma coisa a essa noção. Pode ler A Dangerous Game - part I,  e A Dangerous Game - part II carregando nos links.

As reacções a mais este ensaio de Roy Xavier, entre muitos que tem elaborado sobre a comunidade macaense, mesmo considerando a distância que separa a Califórnia da RAEM, foram, pode-se dizer "extremadas", o que me leva a questionar se está ser levado em conta o conteúdo, ou a pessoa. Isto é um tema complicado de abordar recorrendo apenas ao primeiro aspecto, e no que toca ao segundo não posso tecer quaisquer considerações. É possível que alguns pontos do novo trabalho de Xavier tenham "tocado na ferida" - salvaguardando o factor da razão e das intenções, que repito, desconheço - e que exista uma espécie de "luta" pela posição de centro congregador, ou "sede" da identidade macaense. Faria todo o sentido que fosse Macau, por razões óbvias, mas se por um lado a comunidade macaense não anda a ser perseguida nem descaracterizada como a dos tibetanos, que têm na India o seu "governo no exílio", existe um conjunto de factores que impede que seja tudo como se calhar seria ideal que fosse. Sendo este um território da R.P. China, duvido que Pequim visse com bons olhos o surgimento de um núcleo paralelo de inspiração nacionalista. É preciso recordar que a China não reconhece a dupla nacionalidade, e todas as organizações não-governamentais necessitam da aprovação do partido único - e aqui entra o princípio de "culpado até prova da inocência". Não é nada fácil.

As opiniões sobre o trabalho de Roy Xavier confundem-se com as opiniões sobre a pessoa, e outros factores "políticos", chamemos-lhes assim. Isso ficou bem patente na bipolarização geográfica das reacções com uma quase generalidade dos macaenses da RAEM a rejeitar as conclusões do académico, enquanto que da diáspora parecia vir um apoio quase incondicional. Na maioria dos casos dava a entender que as conclusões da pesquisa eram irrelevantes, e em muitos deles era evidente que nem se fez sequer a leitura das mesmas. É possível encontrar várias referências elogiosas a Xavier na sua página do Facebook, e há uma ou outra onde são tão exageradas, que perante as críticas que também foram feitas ao mesmo autor, a amplitude é tanta que é lógico que não se trata aqui tanto de uma questão do quê, mas de quem, e o porquê parece mais aberto a especulação, e até a teorias da conspiração. Notei uma adulteração do comportamento tipo de certos intervenientes, e mesmo várias declarações que só podem ser entendidas num contexto defensivo, como se aqui estivesse em causa um prémio em disputa. Mas desta pequena "intriga palaciana", houve um terceiro interveniente de que vou agora falar.


Esta é a capa do Jornal Tribuna de Macau de quinta-feira, que como se pode ver dá destaque a...esperem lá, o que é que dá a entender quando se olha para este título, sem conhecer os antecedentes, ou estar a par da publicação dos textos da pessoa em causa? Provavelmente o mesmo que eu pensei: que estas foram declarações directas de Roy Xavier a este ou outro média, e aqui citadas. Nada disso, e apesar de não ser mentira, é uma conclusão pessoal do autor deste título, baseada na leitura que faz dos artigos publicados no dia 8 e apenas (e estranhamente) agora merecem destaque. Eu posso ter uma opinião diferente, mas não, ele criticou sim, mas o que se entende por "criticar", que até pode ser encarado pelo lado positivo - "este filme recebeu elogios da generalidade dos críticos". Não é o caso, mas como não posso falar do que não sei, falo do que sei: é desonesto. Yep, e julgo que  se fossem fazer o mesmo com uma personalidade local, teriam-na à perna, com toda a certeza. Não fariam, é lógico, e pouca gente o faria por uma questão de princípio. Sabemos isto porque conhecemos Macau, e não é preciso estar inteirado do que se passa dentro dos media para perceber que há muita gente a quem basta olhar para a capa e tirar uma conclusão, formar uma opinião, e até elaborar a partir daí, compondo através da sua percepção dos elementos ali expressos um enredo que normalmente fica a milhas da verdade. Não foi de propósito, claro. Ora essa, longe de mim insinuar algo desse tipo, de que existem motivações paralelas ao dever de isenção, ou que se trata de uma "encomenda", nada disso. Falo só do que vejo, e nem dizia nada, caso não tivesse também a ver comigo, como já vamos ver daqui a pouco.


Quem mesmo assim decidiu gastar 10 patacas, ou esperar pela edição electrónica do jornal no fim do dia, deparou com mais "casos" semelhantes. Não está errado, claro, mas pode-se falar de "arbitragem caseira", em termos figurativos. Não estou a falar de futebol, nem aqui em cima se fala de oftalmologia, mesmo que "miopia cultural" venha aqui entre aspas. Quem está mais por dentro da história recente do território, sabe como pode ser perigoso fazer este tipo de referência:


Nem de propósito, neste artigo de Agosto de 2009 no mesmo jornal, Nuno Lima Bastos recorda-nos um incidente envolvendo um responsável do Instituto Cultural do tempo da Administração Portuguesa, e que fez "história" - talvez pela força das palavras, não tanto pela intenção propriamente dita. Estou certo que por muito que Roy Xavier pesquise, estude e investigue as especificidades de Macau, onde não reside nem residiu, consiga apanhar todas as "petite choses", e no limite, cada um tem os seus "pontos sensíveis", e no caso do académico, basta uma pequena faúlha para despoletar um incêndio. Tenho a certeza que o JTM tem consciência de tudo isto, mas "esqueceu-se". 


Durante a discussão desta notícia, de que vou falar já a seguir, chamei a atenção para este facto. Isto que vêem em cima é da minha autoria, parte do artigo Desalinhados, que curiosamente é sobre a última vez que Roy Xavier e as suas pesquisas vieram à liça. Como podem ver vou mais longe, e falo mesmo de "miopia grave", apesar de não me referir a ninguém em particular. Quem me conhece sabe que é com deferência e até carinho que falo desta tema indissociável desta realidade tão particular que é Macau (será difícil encontrar outro território da mesma dimensão com uma comunidade como a macaense). No entanto, tivesse eu a cabeça a prémio e pendessem sobre a minha pessoa ou aquilo que escrevo acusações de arrogância ou despeito, e ninguém lia mais nada do que aquelas duas palavras, e nem valeria a pena explicar. Como se pode ver, Roy Xavier fala de um certo desfasamento (ou "alheamento" como o JTM lhe chama) da comunidade "e dos seus líderes" quanto à realidade cultural diversa de Macau. Esta particularidade pode ficar para outro artigo, mas primeiro convém esclarecer esta coisa dos "líderes". 


No dia seguinte (sexta) o JTM volta a destacar o tema, desta vez colhendo reacções de figuras da comunidade macaense, as mesmas de sempre. Claro que estes não têm culpa disso, mas quem segue o que se passa em Macau pelo JTM vai pensar que a comunidade macaense se reduz a vinte pessoas - já incluindo os familiares dos entrevistados residentes, entenda-se. Por isso achei estranho que se tivesse feito um alarido tão grande à volta da palavra "líderes", que para mim e muita outra gente que leia entende-se que sejam os dirigentes destas associações, seja o onomástico director, presidente ou provedor. Assim achei eu e achou toda a gente, nem eu me atreveria a trazer este assunto à baila se não tivesse confirmado esta percepção. Neste caso particular, e penso que isto não é difícil de deduzir, mais estranho se apresenta quando entre o dia 8, data em que Roy Xavier publicou as suas conclusões, e quinta-feira, data em que o JTM publicou a primeira notícia, grande parte da comunidade estava já a par do conteúdo. Se me quiserem desmentir, penso que isto nem chega a ser tão grave do que seria caso o jornal se tivesse antecipado num tema que diz respeito à comunidade. Revelaria no mínimo alguma desatenção, temos que concordar. Francisco Manhão, por exemplo, quase dá a entender que "líder" é algum insulto, e vendo bem as coisas, o que o autor escreve é "leaders", em inglês, a sua língua materna, que tem um sentido que pode ir para lá do pior que se possa atribuir à designação ("cacique", por exemplo). Nem sequer fica implícito em parte alguma que este "líderes" terá alguma conotação com o submundo do crime organizado ou algo que pareça. Uma curiosidade que dá mais aso a especulação do que adensar o mistério. Agora para terminar:


Algumas das reacções colhidas junto da comunidade foram tiradas do grupo do Facebook "Conversas Entre A Malta" (CEAM), o que é aliás referido nesta peça, para lá de qualquer dúvida. Como se pode ver em cima, alguém do JTM pediu para se juntar ao grupo para ler os comentários à notícia, e de facto teve muito para ler, e seria impensável transcrever tudo o que lá foi dito. Não comento que outras ideias foram extraídas, mas posso falar da parte que me toca, e deixem-me que vos diga que tiveram azar: de tudo o que podiam escolher para interpretar de forma abusiva, foram logo buscar uma afirmação da minha autoria - há alguém que não foi "alertado", aparentemente. A parte que sublinhei, e quem tem dois olhos na frente de dois palmos de testa vai entender o mesmo, dá a perceber que a ideia que está ali expressa é que Roy Xavier "dificilmente se pode considerar macaense". É isto que se entende por "apenas num conceito mais abrangente", pressupondo portanto, que o conceito (que não está sequer definido oficialmente) seria um outro que o deixaria de fora. Exagero? Ok, digamos que dá a entender que é "menos macaense", e se acham que essa é apenas a minha interpretação, eu respondo que sei o que disse e qual era a minha intenção, e com a devida vénia, aqui fica o texto original na íntegra:


Não há lugar a qualquer "mal entendido", uma vez que sou a única pessoa que usa o termo "abrangente" em TODA a conversa, e esta é a única vez que o faço. Como se pode ver, e após uma série de apupos ao autor dos textos, certamente produzidos de cabeça quente, chamo a atenção para o facto de não ser macaense não é necessariamente uma condição "sine qua non" para dar uma opinião sobre Macau. Posto isto, elaboro dizendo que esse é um exercício que pode produzir resultados adversos, pois dependendo do conceito, mais ou menos abrangente, também quem "atira" essa carta para a mesa pode ser também ele "vítima". Deixo também claro que é uma estratégia pouco recomendável, pois dá a entender que a origem ou ascendência da pessoa terá a ver com a autoridade que tem para falar do tema, o que é uma perspectiva errada, se estiverem em debate os argumentos.

Como já disse, não vou acusar ninguém de coisa nenhuma, e como já referi, tomei o pulso a algumas opiniões externas aos elementos deste debate, e a impressão geral que fica é aquela que está expressa, preto no branco, e nem é preciso ter muitos anos de Macau para perceber que há valores em causa que vão além da temática cultural e identitária da comunidade. Eu não vou meter a colher em sopa alheia, especialmente se for Lacassá (no sentido figurativo, pois até gosto do original), e as pessoas da comunidade que me conhecem sabem que a minha intenção, seja ela sobre qualquer um dos temas que tenho abordado, é sempre numa perspectiva construtiva. Como só falo daquilo que sei, tenho a sensibilidade para me afastar de assuntos que não me dizem respeito, e talvez daí entendam porque não possa ler nas intenções de quem não conheço algo mais do que a vista alcança. Quanto ao JTM, saberá com que linhas se cose, ainda mais se tivermos em conta que é para um âmbito muito mais alargado do que o deste círculo que escrevem. Não vale a pena tocar mais neste assunto, porque tenho a certeza que são óptimos profissionais e sabem o que fazem. Ficou demonstrado, aliás.

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