sábado, 27 de fevereiro de 2016

Os sapos e os cepos



Dois filmes, um com razões para ficarmos felizes, outro que me faz querer mudar de nacionalidade (falo só por mim, mais uma vez),  e ambos com algo em comum. O cinema português conseguiu um feito raro, senão inédito, com a curta-metragem da realizadora Leonor Teles, "Balada de Um Batráquio", a ser distinguida com o Urso de Ouro do Festival de Cinema de Berlim, na sua categoria - não foi o grande prémio mas pelo menos não foi a habitual "menção honrosa", os restos do almoço dos grandes que nos habituámos a considerar "motivo de orgulho". O título deveras peculiar prende-se com uma espécie de costume antigo que nos deixa a pensar que afinal existe uma tradição de...eu não diria tanto "ignorância", mas antes "ingenuidade": deixar sapos de loiça à porta de estabelecimentos comerciais para afastar ciganos. Sapos, sim, o animal anfíbio, e ciganos, o "povo Roma", como agora se chama na linguagem do lado parvo do politicamente correcto (recordo que no artigo do Hoje desta semana destaco a importância do "correcto" nesta ambivalência). Diz-se que os ciganos consideram o sapo um animal aziago, e por isso evitam-no, mas daí a pensar-se que uma representação que não a original dessa superstição é um pouco fantasioso - era o mesmo que alguém tapado com um lençol nos fizesse crer que era uma assombração. Parabéns à realizadora, que chorou quando recebeu o prémio, mas entende-se perfeitamente em que está habituado a ter que explicar o que não tem explicação possível, a não ser pela endémica falta de apoios: a pobre qualidade do cinema português. Quanto aos ciganos, a tendência para se auto-excluírem da sociedade em que estão integrados (quando não são clãs nómadas) não nos deixa saber muito mais sobre o fundo deste interessante fenómeno. Mas se os ciganos ficam "na sua", e for preciso enumerar razões, eis aqui uma que chega e sobra:



Em primeiro lugar queria esclarecer que este foi o único vídeo que consegui arranjar, e que a qualidade do som é deficitária, mas não tanto quanto a qualidade das pessoas que nele aparecem. Um grupo de imbecis de extrema-direita vieram mais uma vez recordar-nos da sua burrice e cobardia, ao exibirem-se pelas ruas de forma circense, e com uma particularidade que bate aos pontos a mezinha do sapo de loiça. O PNR (Pilas No Rabo) marcharam "contra o Islão", e mais uma vez para eles o "Islão" resume-se aos bengalis e paquistaneses do Martim Moniz e da Praça de Espanha, que fazem a vida como vendedores ambulantes, negociando trapos, rádios de pilhas, em suma, nada que qualquer pessoa o mínimo de civismo e bom senso associe aos "problemas" com que se debate neste momento parte da Europa, e que alguns portugueses acharam bem chamarem a si - os "problemas", entenda-se, pois as coisas boas dão mais trabalho. Para o efeito alguns destes suínos prestaram homenagem à sua espécie, marchando com máscaras e levando consigo uma cabeça de porco. Como se sabe o porco é um animal considerado tabu nas três religiões abraãmicas, se bem que apenas os muçulmanos cumprem parcialmente este preceito, abstendo-se de comer de porco, ou consumir produtos derivados deste animal. Para estes crentes na virgem Eva Braun a carne de porco tem o mesmo efeito nos "islâmicos" que o alho tem nos vampiros, ou a kryptonite no Super-Homem. O mais grave de tudo isto foi ver esta marcha organizada por um partido ILEGAL...


Isso. Nem sei que raio de expediente usaram este do Pila No Rabo para contornar a Constituição, mas se calhar convenceram alguém que os seus "fins" são legais, e como ideologia são "nacionalistas". Violentos sei que eles não são, pois precisaram de escolta policial PAGA OS VOSSOS IMPOSTOS (vossos, e não meus e ainda bem) para os defender de velhotes desdentados que lhes dirigiam slogans como "25 de Abril sempre" (e ainda é feriado, ou não), e foram chatear os únicos "islâmicos" que não entendem o que raio querem aqueles gajos com a cabeça de porco. Imagino lá o palerma do Pintas Carelho a deitar ali a medo a cabeça do bicho, a uns 100 metros da barraca dos comerciantes, e desatar a fugir de seguida enquanto a carecada faz claque: "corre Zé, ai!", "cuidado que eles mordem-te e ficas islâmica, ui!", e "depois obrigam-te a usar uma burqa, ai!". E não me façam essa cara, pois cá para mim aquele tipo usa sombra nos olhos ou é só impressão minha? Olha, por uma questão de coerência, podiam ir protestar contra a nova mesquita junto da...velha mesquita, que tal? Ai que medo, que ali há coirão. Há pois, quando vocês lá chegassem - se não fossem cobardes.

Um filme para bater palmas, que explica como é ridícula a percepção da xenofobia, e outro de levar as mãos à cabeça.

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